sexta-feira, 27 de julho de 2012

Contraponto 8817 - "Serra e a democracia de duas orelhas"

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27/07/2012

Serra e a democracia de duas orelhas

Do Jornal do Brasil - 27/05/2012

Mauro Santayana

A verdade, diz um provérbio berbere, é como o camelo: tem duas orelhas. Você pode agarrá-la como lhe for mais conveniente, pela direita ou pela esquerda. Essa parece ser a postura do candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, que prefere a direita. Para quem conheceu o jovem Serra de há quase 50 anos, é um desconsolo descobrir o que o tempo faz aos homens. Não só, como no poema de Drummond, ao abater com sua mão pesada, cobra os anos com “rugas, dentes, calva”, mas também costuma sulcar erosões nas ideias.

José Serra quer calar os blogueiros sujos, e usou o seu partido para isso. Dois nomes são mencionados, Paulo Henrique Amorim e Luis Nassif. Não preciso expressar a minha solidariedade aos atingidos. O que está em questão — e os dois estarão de acordo com o raciocínio — é muito maior do que eles mesmos e todos os outros franco-atiradores da internet. O problema real são os limites que querem impor à democracia.

Ao que parece, há uma liberdade de imprensa para uns, e outra para os demais. Os grandes veículos de comunicação combatem o governo e recebem dele vultosas verbas de publicidade, como é do conhecimento geral. Alguns poucos blogs, por convicção, defendem o governo federal, mas, conforme o PSDB, estão impedidos de receber verbas publicitárias das empresas estatais.

Nenhum jornalista brasileiro pode se dar o luxo de não contar, em sua remuneração, qualquer que ela seja, com parcelas, ainda que pequenas, de dinheiro público. O poder público é a base de toda a economia nacional. Ele contrata as empreiteiras, compra das grandes empresas industriais, além de subsidiá-las com incentivos fiscais, financia as atividades agropecuárias, paga pelos serviços, participa do custeio das grandes organizações patronais, entre elas a Fiesp, para ficar apenas em São Paulo. Assim, indiretamente, participa de todos os gastos com publicidade.

E mais ainda: quem paga tudo, afinal, é a sociedade e, nela, os que realmente produzem, ou seja, os trabalhadores. E são os trabalhadores, com parcela de seu suor, que mantêm o enganoso Fundo de Amparo ao Trabalhador que, administrado pelo Estado, por intermédio do BNDES, financiou as privatizações e continua a financiar empresas estrangeiras, como é o caso notório das companhias telefônicas, a começar pela controlada pelos espanhóis. Em suma, o trabalhador paga pela corda que o sufoca.

Serra e os que pensam como ele tentam, como Josué em Jericó, segurar o sol com as mãos ou, melhor, impedir que a Terra continue rodando em torno de seu eixo e em torno da nossa estrela. A internet é indomável. E, apesar de suas terríveis distorções, como veículo que serve à difamação, à calúnia, à contrainformação, à difusão de atos de insânia — ampliando o que a televisão vinha fazendo — não há, no horizonte das ideias plausíveis, como amordaçar os bytes, imobilizar os elétrons, apagar as telas. Tudo isso poderá ocorrer com uma tempestade solar, mas nunca pela ação dos estados — a menos que, como tantos sonham, um governo fascista mundial destrua o sistema.

O candidato José Serra e seus correligionários se encontram alheios ao mundo que os cerca. Estão como um francês distraído que, em 10 de agosto de 1792, em um dos muitos cafés do Jardim das Tuileries, tomava placidamente uma baravoise — para os curiosos, mistura de café, conhaque e uma gema de ovo, segundo a receita do libertino Casanova. Enquanto isso, a multidão invadiu o Palácio Real — de onde, por pouco, escaparam Luis XVI e Maria Antonieta — e o saqueou. O desconhecido continuou a beber. Todos os que o cercavam fugiram esbaforidos. Na defesa do palácio, morreram seiscentos guardas suíços. O francês distraído estava alheio a tudo, em sua manhã de agosto. Cinco meses depois, o rei e a rainha encontrariam a lâmina da guilhotina.

José Serra e os seus estão pensando em seu outubro, embora estejamos, no mundo inteiro, em tempos semelhantes aos do francês sans souci. Como sempre, o que está em jogo é a mesma reivindicação dos sans culotte: igualdade, liberdade, fraternidade — ou, seja, a democracia real.

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