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07/02/2015
A transferência de responsabilidades
Já em plena crise hídrica, o patético esforço da oligarquia tucana para explicar o desastre que ela própria provocou
No caso da crise hídrica de São Paulo, a causa tem nome e sobrenome: o governador Geraldo
Alckmin
A metáfora não poderia ser melhor. O
Brasil tem em seu território uma das maiores reservas hídricas de água
potável do mundo, algo em torno de 12% de toda a reserva mundial. Em
2015, o estado mais rico da federação, comandado por uma oligarquia que
se perpetua no poder há mais de 20 anos, está prestes a colocar em
marcha uma política de guerra para racionar água, acrescentando assim
outro capítulo ao “racionamento que tem medo de dizer seu nome” aplicado
há meses no estado. Até mesmo a hipótese de evacuação parcial da cidade
de São Paulo foi discutida. Ou seja, mesmo quando temos todos os
recursos disponíveis conseguimos chegar em uma situação de catástrofe.
Poderíamos começar aqui por fazer
explicações, as mais inteligentes e elaboradas, remetendo as razões da
crise hídrica ao “patrimonialismo ibérico”, ao “despreparo dos
governantes”, à “falta de estatura moral do povo”, ao “degelo da Era
Glacial” ou qualquer outro candidato a significante vazio da vez. No
entanto, muitas vezes fazemos de tudo para procurar causas distantes e
genéricas simplesmente para não tomar providências diante das causas
diretas e visíveis a qualquer um que queira ver.
No caso da crise hídrica de São Paulo, a causa tem nome e
sobrenome: o governador Geraldo Alckmin, assim como seus antecessores
diretos, todos eles ligados ao mesmo grupo político. Não é possível que
setores da população de São Paulo continuarão com essa incapacidade
patológica de responsabilizar claramente quem tem a responsabilidade
direta sobre o problema. Foi tal incapacidade que se expressou, por
exemplo, na maneira errática com que setores hegemônicos da imprensa
trataram o problema e suas causas, sem aquele ímpeto investigativo
conhecido de todos quando é questão de explorar as responsabilidades do
governo federal. Foi ela que deu a tais governos a sensação de
impunidade, de poder fazer o que bem entender, escondendo informações da
população, jogando com a sorte para ver se chove no lugar certo. Tudo
isso até chegarmos nesse ponto deplorável.
Os estudos agora começam a se avolumar, mostrando a
ausência de um planejamento mínimo de longo prazo, assim como falta de
investimento em obras essenciais, desconhecimento completo de problemas
ecológicos e de impacto ambiental, complacência com a especulação
imobiliária em áreas de mananciais. Ou seja, uma quantidade tão grande
de inépcia e ausência de reconhecimento honesto dos problemas diante da
população, ––nos confere o direito de perguntar se realmente precisamos
de governo estadual. Ter deixado tudo sem administração não teria
produzido resultados muito diferentes dos atuais.
Por exemplo, pergunte-se há quanto tempo o Rio Tietê está
“em processo de despoluição” e quais são seus maravilhosos resultados.
Se a política que, salvo engano, começou no governo Fleury, tivesse sido
conduzida de maneira séria, poderíamos ter um rio integrado ao sistema
hídrico estadual.
Pergunte-se qual a última vez que um reservatório foi
construído no estado ou qual o resultado efetivo da abertura do capital
da Sabesp. Sim, há muitas perguntas a serem formuladas.
No entanto, o que
não podemos mais fazer é nos escondermos no cinismo covarde de quantos
reconhecem o caráter insuportável da situação, mas se apressam a dizer:
“Bem, não há alternativa mesmo, então melhor não fazer nada”. As
alternativas são criadas quando mostramos nossa indignação e recusamos o
que tenta se impor a nós com a única justificativa de dever continuar
porque aqui já está. São Paulo é um estado com grande inteligência e
capacidade de criação, com duas das mais importantes universidades do
Brasil capazes de estudos que o governo estadual ama ignorar. Setor
algum da população é ouvido na discussão de políticas que afetam a
todos. Apenas a arrogância tecnocrática de sempre, com seus resultados
patéticos de sempre.
Por fim, há de se lembrar que um país com os recursos hídricos do Brasil não teria o direito
de impor tamanha humilhação à sua população, em especial o setor mais
pobre, que sofre as consequências da irresponsabilidade governamental há
tempos. O esgotamento do cenário político nacional é acompanhado de um
esgotamento ainda mais impressionante no plácido cenário estadual do
Tucanistão. Há de se virar todas as páginas.
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