27/03/2016
Modelo da Lava Jato é um fiasco espantoso
Brasil 247 - 27/03/2016
Paulo Moreira Leite
Sempre duvidei dos resultados práticos das grandes operações contra a corrupção. A experiência
daditadura militar, que humilhou cidadãos honestos em barulhentos IPMs que não produziram maiores resultados práticos me pareciam um bom alerta a respeito. Após a democratização, dezenas de CPIs formadas no Congresso chegaram à mesma situação. Mas sempre era possível ouvir intelectuais com postura pedante para argumentar que isso era um problema brasileiro, um defeito de nossa cultura e da falta de escolaridade do povo, ajudando a formar uma população tolerante com más práticas sintetizadas no célebre "jeitinho."
daditadura militar, que humilhou cidadãos honestos em barulhentos IPMs que não produziram maiores resultados práticos me pareciam um bom alerta a respeito. Após a democratização, dezenas de CPIs formadas no Congresso chegaram à mesma situação. Mas sempre era possível ouvir intelectuais com postura pedante para argumentar que isso era um problema brasileiro, um defeito de nossa cultura e da falta de escolaridade do povo, ajudando a formar uma população tolerante com más práticas sintetizadas no célebre "jeitinho."O resultado real da Operação Mãos Limpas mostra que estamos falando de um problema mais profundo e complicado, que dificilmente se enfrenta e se resolve com operações espetaculares. A Mãos Limpas investigou 5 mil pessoas. Condenou 1,2 mil e, num ambiente de massacre moral apoiado pela mídia amiga, produziu 12 vítimas fatais – pessoas que, honestas ou não, culpadas ou não, optaram por cometer suicídio depois que sua imagem pública foi destruída. Qual o resultado?
Em entrevista a VEJA, a socióloga Donatella Della Porta, uma das principais estudiosas da Mãos Limpas, conta o seguinte:
– Um levantamento feito em 2005 pela Transparência Internacional mostrou que 50% do italianos acreditavam que a corrupção havia tinha aumentado nos três anos anteriores e outros 38%, que continua igual. Ou seja: quase 90% da população não via nenhum avanço no país. Essa percepção era corroborada pela realidade, ao menos com dados de 2003. Os casos registrados de crime e de pessoas envolvidas em corrupção praticamente triplicaram naquele ano, comparados aos de 1992 (início da Mãos Limpas).
Donatella é uma das intelectuais usadas como referência por Sérgio Moro no artigo "Considerações sobre a Mãos Limpas", que serve como um modelo de trabalho para a Lava Jato. O depoimento da socióloga não é o único, porém em entrevista ao Estado, o procurador Gherardo Colombo, um dos mais importantes da Mãos Limpas, diz a mesma coisa:
– Investigamos por seis, sete anos. Fizemos processos até 2005. Porém, a corrupção não diminuiu, afirma o procurador que, dizendo-se desencantado com o trabalho, abriu uma editora de livros sobre o assunto e dedica-se a fazer palestras.
A visão convencional para explicar esse fracasso chega a ser risível. Consiste em dizer que a Mãos Limpas fracassou porque durou pouco. Veja bem: foram 13 anos -- conforme Gherardo Colombo -- de investigação com aqueles métodos que seriam aplicados no Brasil, a começar pelas longas prisões sem condenação prévia, para estimular delações premiadas. O apoio da mídia ajudou a criar um ambiente triunfal e de intimidação, ajudando a desmoralizar o trabalho da defesa para garantir direitos dos acusados e facilitar o massacre dos políticos e empresários investigados. Era a técnica de "deslegitimação," que Daniella Della Porta estudou em seus trabalhos e Sérgio Moro incorporou à Lava Jato.
Levado a Itália por iniciativa da embaixada dos Estados Unidos, que monitorou o processo de perto, o juiz Anthony Scalia, da Suprema Corte dos EUA, chegou a aconselhar os colegas da península que fossem mais severos na defesa das garantias e direitos individuais dos acusados.
Considerando os dados oficiais que mostram que os crimes ligados a corrupção triplicaram ao longo de uma década, fica difícil imaginar por quando tempo a mais a Mãos Limpas precisaria se prolongar para ter dado certo? Vinte anos, como durou a ditadura de Benito Mussolini? Não bastou a entronização do bumga-bumga Silvio Berlusconi como mais longevo primeiro ministro italiano do pós-Guerra?
Minha opinião – um palpite, para ser mais claro – vai em outra direção. A Operação Mãos Limpas foi esvaziada e perdeu apoio político quando ficou claro que as medidas de exceção que davam seu ritmo se transformaram numa ameaça à democracia do país, com a derrota do fascismo. A ideia de uma operação permanente serve para alimentar um mito autoritário, de que é preciso uma ditadura judicial para garantir a lei e a ordem.
A experiência real mostra que a corrupção não tem uma única origem nem pode ser enfrentadas com soluções mágicas. É fácil observar, porém, que os casos de corrupção são mais frequentes em sociedades mais desiguais, que não oferecem oportunidades legítimas de progresso e bem estar para boa parte de seus cidadãos, estimulando o nascimento de atalhos, troca de favores e assim por diante. Sociedades mais equilibradas tendem a estimular comportamentos construtivos, menos gananciosos.
Nesse sentido, o principal elemento de combate a corrupção não reside na esfera do judiciário – que merece e sempre vai merecer uma atenção especial – mas na vida em sociedade. Seu principal instrumento é o combate a desigualdade.

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