10/12/2010
Novo governo: as confirmações
Carta Capital - 10 de dezembro de 2010 às 8:55h
Mino Carta 10 de dezembro de 2010 às 8:55h
Umas mercem aplausos, outras não. Fardado, e rodeado por aqueles que pareciam seus pares, o ministro Jobim surgiu em cena para tomar o partido dos torturadores e, portanto, para corroborar a validade da Lei da Anistia. Por Mino Carta
Umas merecem aplausos, outras não
Como se dá amiúde comigo, chega da memória Raymundo Faoro. Estamos no começo dos anos 80 e ele me diz: “Anote um nome, Nelson Jobim, político gaúcho do qual falaremos muito”. Falaríamos bem, estava claro. Anos depois, eu ancorava um programa de debates na televisão Record, ainda sob o comando da família Machado de Carvalho, Jogo de Carta. Convidei Jobim, ao lembrar a frase de Faoro, e ele saiu-se a contento, na minha opinião.
Mais uns anos, e meu eterno amigo e companheiro de algumas aventuras para mim inesquecíveis, volta ao tema Jobim e afirma: “Esqueça o que disse a respeito do meu conterrâneo”. Perguntei por quê. “Inteligente ele é – definiu –, mas inconfiável, você vai perceber.”
Os anos galopam e Faoro não está mais aqui, chamava-o de Profeta no sentido de Mensageiro, aquele que se antecipa aos eventos porque já os vê desenhados na sua própria mente. No começo do enredo, imaginava Jobim como um liberal à feição americana. A esta altura, já me pergunto se em lugar de estudar Direito ele não deveria ter cursado a Academia Militar. O transparente enlevo com que enverga uma farda me deixa em severa dúvida.
Da atuação de Jobim como ministro da Defesa do governo Lula recordo, sobretudo, duas passagens a meu ver notavelmente representativas, embora diversas as situações. Primeira. O ministro acompanha o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ao Palácio do Planalto para um encontro com o presidente da República e o ministro da Justiça Tarso Genro. É um momento de grande tensão. Mendes declarou o propósito de “chamar às falas” o próprio Lula e no centro da questão estão Daniel Dantas e a Operação Satiagraha.
O presidente não se faz de rogado, e da conversa resulta o afastamento da direção da Abin do honrado delegado Paulo Lacerda, rebaixado para adido policial da embaixada de Lisboa, com a pronta aquiescência do ministro. Jamais esquecerei que, muitos dias antes, o próprio me ligou na manhã em que o banqueiro orelhudo foi preso: Genro pretendia celebrar comigo o êxito da operação comandada pelo delegado Protógenes Queiroz. Regozijava-se apressadamente, é óbvio. Estava equivocado, não quanto a mim, a ele mesmo.
O segundo momento crucial da trajetória ministerial de Jobim remonta ao momento em que os iludidos da Secretaria Especial dos Direitos Humanos acharam ter chegado a hora de reivindicá-los. Tratava-se de desnudar os crimes cometidos durante a ditadura pelo terror de Estado. A despeito e por sobre a chamada Lei da Anistia, imposta em 1979 pelos autores do golpe de 1964, os quais, como se sabe, na qualidade de vencedores, enquanto foi possível, e pelo jeito é até hoje, escrevem a história.
Fardado, e rodeado por aqueles que pareciam seus pares, o ministro Jobim surgiu em cena para tomar o partido dos torturadores e, portanto, para corroborar a validade da Lei da Anistia. A decepção de Faoro, mais de 20 anos atrás, estava justificada e CartaCapital não hesita em afirmar agora sua perplexidade com a confirmação de Nelson Jobim em pasta tão significativa, tanto mais em um país como o Brasil, acostumado à interferência militar na área civil, e vice-versa. Ou seja, às relações umbilicais entre certos paisanos e certos fardados, decisivas em ocasiões diversas.
É o contrário do que se dá em relação a outras confirmações, a começar pela do ministro Guido Mantega na Fazenda, ou de Luciano Coutinho no BNDES. Teríamos aplaudido a permanência do ministro Celso Amorim na Chancelaria, mas temos a certeza de que o novo titular, Antonio Patriota, saberá dar continuidade a uma política exterior exemplar na sua independência.
Outra a meteorologia se sobrevém Jobim. Por ser Nelson, não é um furacão na Flórida, nem teria porte para tanto. Representa, porém, algumas das tradições mais deploráveis do poder nativo. Sem contar que, além da farda, já envergou inúmeras casacas.
Mino Carta
*Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital. Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde. redacao@cartacapital.com.br
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Fico pensando sobre uma estratégia militar (ou politica, sei lá)...:
ResponderExcluirOs amigos podem ficar longe, os inimigos é melhor tê-los por perto, para vigiá-los melhor...