quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Contraponto 4291 - "Regulação não é censura"

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23/12/2010
Regulação não é censura

Do Blog Tudo em Cima - 22/12/2010


A velha mídia confunde o público e foge do debate sobre a questão

- Por Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, professor da ECA/USP; diretor e apresentador do programa VerTV, da Tv Brasil e da Tv Câmara; autor dos livros A Melhor TV do Mundo e A TV sob controle, da Sumus Editorial; e ouvidor-geral da Empresa Brasil de Comunicação.



Jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão descobriram um novo assunto: a volta da censura no Brasil. Não passa um dia sem que um deles alerte contra esse perigo. Veem em cada esquina monstros prontos a atacar. Realmente eles não existem. São fantasmas criados com objetivos muito precisos. Trata-se de uma atitude preventiva dessa mídia acostumada a dizer o que pensa sem dar à sociedade direitos iguais de resposta. E muito menos de admitir a necessidade de regulação do mercado editorial e do espaço público ocupado pelas emissoras de rádio e de televisão. Temerosos com a possibilidade de terem de se submeter a leis democráticas, tentam confundir o público chamando qualquer regulação de censura. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Censura é um instrumento usado por ditaduras para impedir, antecipadamente, a divulgação de fatos, nomes ou ideias.

A regulação dos meios de comunicação existe em todas as grandes democracias do mundo. E estabelece regras para permitir que mais pessoas ou grupos sociais possam se expressar pela mídia. As regras são necessárias para conter, de alguma forma, a lógica da acumulação capitalista, que é implacável. Qualquer atividade comercial sem regulação tende a se tornar monopolista. O dono da mercearia da esquina sonha em abrir outro estabelecimento num bairro próximo ou adquirir a loja do vizinho. E, a longo prazo, montar uma rede de supermercados capaz de dominar o comércio varejista de todo o país. Se não houver controle do Estado e se o empresário tiver sucesso, em pouco tempo ele poderá ser o único no mercado, estabelecendo a seu critério os preços aos fornecedores e clientes.

Apesar de produzirem mercadorias diferentes, os meios de comunicação comerciais operam sob a mesma lógica. Disputam o mercado como mercearias ou supermercados. Só que não admitem regras para essa disputa. Quando elas são sugeridas – como ocorre agora no Brasil -, imediatamente as taxam de censura.

É isso que explica a existência no país de uma elevada concentração dos meios de comunicação em mãos de poucas empresas. Empresários que iniciaram seu império com um jornal foram aos poucos controlando outros meios, publicando revistas, obtendo concessões de rádio e de TV, abrindo gravadoras, montando serviços de televisão por assinatura, investindo na internet, num processo que, aos poucos, ocupou amplas faixas do mercado, tendendo ao monopólio, vedado pela Constituição brasileira.

Convencionou-se chamar esse fenômeno de “propriedade cruzada”dos meios de comunicação, prática proibida em vários países do mundo, inclusive nos Estados Unidos, a pátria do livre mercado. Mas, aqui, não há limites. Daí a necessidade do controle social. Não para censurar conteúdos. Mas para dar vazão à ampla diversidade existente no país.

Quanto ao rádio e à televisão, especificamente, a regulação deve ser ainda mais minuciosa. As empresas que operam esses serviços utilizam o chamado espectro eletromagnético, um bem público por onde trafegam sons e imagens. Trata-se de espaço limitado e finito. Ou seja, nele cabem poucos. É só ver o caso de São Paulo, onde não é possível instalar uma emissora de rádio ou de tv. O espaço está todo ocupado. E quem ocupa é um privilegiado, que pode se dirigir a milhões de pessoas ao mesmo tempo para vender mercadorias, fazer política, pregar valores religiosos. E, como não há mais espaço, quem não tem esse privilégio é obrigado a ficar calado.

A ocupação do espectro é realizada por meio de concessões públicas, com duração definida: dez anos para as de rádio e 15 anos para as de televisão. Ao fim de cada período, deveria haver uma avaliação para saber se o serviço prestado atendeu às necessidades do público ou não. Em caso negativo, seriam substituídas por outra empresa ou instituição, como ocorre regularmente em vários países do mundo. É disso que os atuais concessionários têm medo. Eles, que exigem – quando lhes interessa – transparência dos órgãos públicos, temem um debate aberto quando se trata da própria atividade.

Na Inglaterra, a outorga de concessões de rádio e TV é precedida de um amplo debate na sociedade e no Parlamento. As empresas candidatas apresentam propostas ao órgão regulador combinando valores financeiros a serem pagos pelo aluguel da concessão com uma carta de intenções em que detalham que tipo de programação será colocada no ar. Às vezes, a escolhida não é a que ofereceu mais dinheiro, mas a que propôs programas capazes de atender novos públicos, ainda não cobertos pelas ofertas televisivas.

É tudo absolutamente simples e democrático. No entanto, quando se tenta estabelecer esse debate no Brasil, a reação dos grupos que controlam a mídia é violenta, revelando o grau de atraso cultural em que nos encontramos. Para enfrentá-lo, o primeiro passo é desmascarar mitos como o da censura e compreender quais interesses estão em jogo. E denunciá-los onde e como for possível.
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