10/07/2011
Do Direto da Redação - Publicado em 10/07/2011
Rodolpho Motta Lima*
Os habitantes da cidade do Rio de Janeiro vêm experimentando, de alguns meses para cá, sensação similar à daquelas pessoas que vivem em regiões conflagradas, nas quais, a qualquer momento, pode explodir uma bomba e, com ela, muitas vidas. Até aqui, mais de cinquenta bueiros foram repentinamente para o ar , em movimentadas ruas do Rio. Se, por sorte, nem todas as explosões provocaram consequências trágicas, algumas causaram sérios problemas aos cidadãos atingidos, com danos físicos e prejuízos materiais.
O assunto leva a um tema que, volta e meia, se coloca em discussão: a questão das privatizações. Sobre ele, não dá para ficar em cima do muro. Nem dentro do bueiro...
Pode parecer, a muitos ingênuos, que a discussão do assunto seja apenas um mote para, de tempos em tempos, ativar discussões políticas. Contudo, um espectador atento da cena nacional sabe que está aí, realmente, um grande divisor de águas entre dois modelos de administração do interesse público.
Os bueiros em questão são cerca de 40.000, presentes nos quase 6.000 quilômetros da rede subterrânea da cidade e espalhados por logradouros de grande movimentação de carros e pedestres. São da responsabilidade da Light, uma das “jóias” do processo generalizado de privatizações empreendido no governo de Fernando Henrique Cardoso, tendo Serra como seu ministro de Planejamento.
No caso, a privatização data de 1996, feita através de leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. A Light, depois de um longo período sob administração do Governo Federal, foi arrematada por um consórcio de três empresas. Como aconteceu então com a Eletropaulo, em São Paulo, houve dinheiro subsidiado no negócio, em processo que envolveu BNDES e a Eletrobras, além da Companhia Siderúrgica Nacional, também privatizada. Depois de consolidado o controle da empresa pelo grupo francês EDF, acabou acontecendo, em 2006. um contrato de compra e venda, cujos meandros não cabem neste artigo, mas de que resultou, em 2009, a passagem da administração para a CEMIG, companhia de capital aberto controlada pelo Governo do Estado de Minas Gerais, uma das participantes do consórcio original.
O que agora acontece no Rio de Janeiro reflete a mentira que sempre se embutiu na “lógica” dos processos de privatização: a excelência da iniciativa privada, quando comparada à ineficiência da administração pública. O que se percebe , claramente, é o desleixo, a incompetência, a desatenção com que a empresa foi “cuidada” sob controle da iniciativa privada, com ausência de investimentos e falta de manutenção. A todo tempo, vêm à baila declarações de que “os equipamentos são antigos”, “precisam de reforma”, ou de que a culpa dos episódios que estão gerando pânico e insegurança deve-se ao ”número excessivo de serviços terceirizados”, ou , mesmo, a uma misteriosa “sabotagem” que estaria em curso, gerando as explosões. Também tem sido apresentada como corresponsável pelas ocorrências – que envolveriam vazamento de gás - a CEG, empresa igualmente privatizada, em 1997.
Qualquer brasileiro antenado ao mundo em que vive conhece as “excelências” dos serviços privatizados. Lembro-me que, nas eleições, o carro-chefe do empreendimento privado, mencionado a toda hora pelos tucanos de plantão como exemplo de eficiência, era o celular. Esqueciam-se, é óbvio, de citar os recordistas números de reclamações dos consumidores, envolvendo esse serviço. Com igual conveniência, também omitiam o fato de que a tarifa média do celular no Brasil é a segunda mais cara do mundo, atrás somente da África do Sul. Contudo, o verdadeiro bombardeio midiático a favor da compra do celular com todas as parafernálias supérfluas que o acompanham levam o nosso país à estranha situação de ter quase mais celulares do que pessoas... Isso é bom? É disso que precisamos?
A empresa Vale do Rio Doce, em operação até hoje cercada de desconfianças (que, à época, levou a revista “Veja” e estampar em sua capa a manchete “Propina na privatização”), foi vendida por 3,4 bilhões, importância que corresponde atualmente a uma parcela do seu lucro trimestral. E hoje vale quase 200 bilhões. Bom para o Brasil? Bom para os brasileiros?
As estradas brasileiras privatizadas vão bem, obrigado, dirão alguns defensores do processo. Mas é só comparar os pedágios que hoje se pagam à iniciativa privada com aqueles de antes para perceber que o que está atrás de tudo isso é uma soma enorme de recursos – antes não disponíveis - que permitem um lucro vergonhoso e, é claro, uma manutenção melhor...
O episódio da Light explode no Rio de Janeiro como uma das faces do mentiroso projeto neoliberal que tem nas privatizações a cereja do bolo. Também deixa entrever uma certa ausência de comprometimento dos órgãos de fiscalização e controle , as chamadas agências, que só agem depois da casa arrombada e, aí, acenam com multas, punições, e coisas do gênero.
E antes que alguém comente os procedimentos do atual governo tendentes à privatização – no caso dos aeroportos, por exemplo -, tenho posição clara sobre isso: venha de onde vier, a iniciativa de privatizar é nefasta ao povo. Alguns, no entanto, se utilizam dela conjunturalmente, não a tem como dogma. Outros pretendiam até privatizar a Petrobras (Petrobrax?). É fácil imaginar, depois da descoberta do pré-sal, os inestimáveis prejuízos que isso traria a toda a nação brasileira.
Há portanto, atos e fatos a considerar, nesse tópico “privatizações”, claramente contrários ao interesse do povo brasileiro. Eles são mais fortes do que qualquer discurso barato e demagógico que, às vésperas de uma ou outra definição eleitoral, procure iludir o eleitor.
Rodolpho Motta Lima. Advogado formado pela UFRJ-RJ (antiga Universidade de Brasil) e professor de Língua Portuguesa do Rio de Janeiro, formado pela UERJ , com atividade em diversas instituições do Rio de Janeiro. Com militância política nos anos da ditadura, particularmente no movimento estudantil. Funcionário aposentado do Banco do Brasil.
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