01/02/2014
ERRO HISTÓRICO NA AP 470
Debate sobre inquérito secreto mostra esforço para negar direitos aos réus
Paulo Moreira Leite
Em 2011, o STF debateu fez um debate importante sobre inquérito
secreto, o 2474, que tinha testemunhos, provas e documentos de várias
investigações paralelas a Ação Penal 470.
Três anos depois, quando Ricardo Lewandovski decidiu levantar o
sigilo sobre o inquérito 2474, o debate é particularmente revelador.
Mostra que a postura de Joaquim Barbosa para manter este inquérito
sob sigilo, durante tantos anos, implicou na negação de princípios
elementares do direito e das garantias individuais. Sabe aquela denúncia
de juristas como Yves Gandra, de que não se respeitou o princípio de
que todos são inocentes até que se prove o contrário?
O vídeo mostra isso.
São quinze minutos didáticos e inesquecíveis.
De um lado, o ministro Celso de Mello, insuspeito de qualquer
simpatia pelos acusados, quer entender por que o relator Joaquim Barbosa
se recusa a liberar o inquérito para que os advogado de oito réus
possam tomar conhecimentos de provas que podem ser úteis à sua defesa.
Celso de Mello assume uma postura límpida, coerente, apoiada em
noções elementares do Direito e da Constituição, que o ministro, decano
da corte, menciona várias vezes.
De outro, Joaquim Barbosa tenta justificar a razão de fazer
segredo. Logo se vê que não há um motivo real, um argumento jurídico.
Não há um conflito de doutrina, nem de concepção de direito.
A explicação é que a AP 470 está na fase final e não seria conveniente atrasar mais.
O argumento está errado. O inquérito é formado por 78 volumes, que contém novidades, outros ângulos e depoimentos.
É claro que todos deveriam ter o direito de conhecer fatos e
testemunhas que poderiam esclarecer a história e até ajudar a demonstrar
sua inocência. Preste atenção. Estamos falando de provas colhidas de
modo oficial, dentro das regras legais.
Celso de Mello coloca questões claras e simples Fala do amplo
direito de defesa, lembra que a justiça se baseia no princípio da
publicidade e que o sigilo, quando aceito, é sempre uma exceção. Em
determinado momento, ele faz uma pergunta que Joaquim Barbosa não saberá
responder de forma satisfatória: pergunta por que, afinal, fazer tanta
questão do segredo?
São perguntas que levam a pensar em outras: que mal isso pode causar? A quem?
Num debate que envolve questões de envergadura, o vídeo mostra muitos ministros em silêncio.
Marco Aurélio de Mello se alinha com Celso de Mello. Coloca para Joaquim questões pé no chão.
Em tom de quem até dá uma chance para o relator achar um argumento
aceitável, Marco Aurélio pergunta se há problemas de privacidade que
poderiam recomendar que o inquérito permaneça sob sigilo.
Claro que não é este o problema, o que só aumentará a perplexidade de Marco Aurélio ao longo do debate.
As imagens e o som do vídeo mostram Joaquim sem respostas a altura. O único argumento é o tempo.
Só faltam algumas diligências, duas e mais um pouquinho. É como se
os 78 volumes não tivessem nada...É como se réus que poderiam ser
condenados a quinze, vinte e até 40 anos, não tivessem direito a ver
todas cartas na mesa, como disse Celso de Mello, a certa altura. Os
direitos deles -- nem Joaquim questiona que eles existam -- não podem
ser suprimidos por causa do relógio.
Nem este argumento é bom, contudo. Se o caso está no fim, alega
Celso de Mello, é mais um motivo para se abrir o inquérito para os
interessados.
O decano lembra que a justiça tem como objetivo a apuração da
verdade real. Repete um ponto básico, que toca na essência do problema
do julgamento.
Fala que é preciso “ garantir a paridade de armas entre o
Ministério Público e os que sofrem a ação integral do Estado.” Fica
claro que não há dois pontos de vista defensáveis. Apenas um. É aquele
que pede "paridade de armas".
Mas não. Não é ele que vai prevalecer. O inquérito 2474 era e
permaneceria secreto. Atravessou a denúncia, o debate sobre o
desmembramento, o julgamento em si, os embargos.
Esta é a grande questão, que Celso de Mello intuía ali. Não havia
igualdade entre a acusação e a defesa, entre o ministério público e os
advogados. O que se impediu, ali, foi o direito a ampla defesa – e é
isso que o vídeo demonstra.
Só podemos agradecer ao blog do Cafezinho por trazer esse vídeo a público:
https://www.youtube.com/watch?v=B1olh0VKbSw
Paulo Moreira Leite . Diretor da Sucursal da ISTOÉ em
Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente
em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
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