18/02/2014
A Caetano, sobre O Globo: é tua a Queixa
Do Tijolaço - 17 de fevereiro de 2014 | 12:34 Autor: Fernando Brito
por Fernando Brito
Eu não comentei o artigo de Caetano, ontem, queixoso de como O Globo tratava o Deputado Marcelo Freixo, do PSOL.
“Descobrir”, agora, que O Globo acusa sem provas, cria ondas linchatórias, pressupõe a culpa quando ocupado lhe desagrada, francamente, é um tanto tardio vindo de quem, como Caetano, foi brutalizado pela ditadura à qual O Globo serviu.
Nem vou comentar o editorial “neutro” do jornal, hoje, onde diz que fez a apuração dos fatos, agora, embora não a tenha querido fazer enquanto os blocs serviam de desgaste ao Governo ao quem faz oposição.
Como os blocs, Caetano e Freixo serviram, não servem mais.
Como alguns leitores têm dito que ando meio irritadiço – às vezes é verdade, porque não sou um observador “neutro” da política, tenho lado e causa e não os escondo – vou me servir da poesia e deixar que o genial e amado poeta Caetano Veloso faça, ele mesmo, a sua Queixa:
“Um amor assim delicado
Você pega e despreza
Não devia ter despertado
Ajoelha e não reza”
Pois é, Caetano, tem essa. O diabo não compra só um pedacinho da alma, leva o lote.
De repente, você achou feio tudo o que não era espelho e descobriu nos que sempre estiveram ao lado do passado e da opressão o canal da liberdade?
A esquerda que você e o Freixo renegaram nunca achou que vocês fossem os “culpados”.
Dessa coisa que mete medo
Pela sua grandeza
Não sou o único culpado
Disso eu tenho a certeza
Mas você não viu ou não quis ver o que havia nisso.
E isso é terrível num poeta.
Como cantou, tão lindo, o Chico, os poetas, como os cegos podem ver na escuridão.
Estava escuro, é verdade, mas dava para ver onde o caminho ia dar. O pobre Santiago Andrade foi a pedra no meio do caminho, que doeu em todo mundo, mas fez parar a loucura que é transformar a democracia que custou tanto a você e a mim – e que não se apaga de nossas retinas tão fatigadas - num cenário de pedradas, máscaras e agressões.
Os “novos democratas” da mídia e das elites que sustentaram a brutalidade e hoje posam de “pós-modernos”, desprezando estes velhos brontossauros do nacionalismo, usaram a sua imagem – aquela que você achou linda, libertária, jovem – o quanto ela foi útil. Inútil agora, o Freixo vira bandido, para levar nas costas o peso da condenação por tudo do quanto se serviram.
Princesa, surpresa, você me arrasou
Serpente, nem sente que me envenenou
Senhora, e agora, me diga onde eu vou
Pois é, Caê, a vida é real e de viés e vê só que cilada o amor te armou, fez virar ao contrário teu verso “onde queres bandido eu sou o herói”.
Revolução não é um pano preto sobre o rosto. Não finda por ferir com a mão essa delicadeza, a coisa mais querida, a glória da vida.
Lembra do Herivelto Martins, que você cantou, tão lindamente? atiraste uma pedra/no peito de quem/só lhe fez tanto bem/e quebraste um telhado/perdeste um abrigo/feriste um amigo)/conseguiste magoar/quem das mágoas te livrou/e atiraste uma pedra/com as mãos que esta boca/tantas vezes beijou
Não reclama, Caetano, mas age.
E não é aplaudindo, é cobrando, pedindo, exigindo, do jeito que só os poetas sabem fazer, e que eles, homens duros da direita, detestam.
Porque o sonho tem hora que não pode ser apenas sonhado, mas feito. Com pó, pedrisco, farpa, cansaço, erro, até dor. E a gente precisa de poesia para não se afundar sem olhar o céu enquanto lavra o chão.
Volte pra cá, Caetano, porque a gente já não pode nem quer ir embora , não quer dar mais o fora.
Dona Canô, que te mandou pro mundo, era sabida.
“Apenas fiquei conhecida por causa de meus dois filhos que nunca se esqueceram de onde vieram nem da mãe que têm.”
Termina a música do Herivelto, Caetano, por favor.
Não turve a água desta corrente por onde o povo brasileiro avança, essa água que um dia, por estranha ironia, tua sede matou.
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