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19/06/2016
As coisas no Brasil da Copa não estão perfeitas – mas estão sensacionais
por : Adriano Silva
Nunca imaginei que veria uma Copa no Brasil. E jamais imaginaria uma Copa por aqui nessas circunstâncias.
Escrevi essas duas frases na semana passada, impressionado com o sentimento médio de bode, ou de indiferença, ou de antagonismos dos brasileiros diante da Copa, que começaria em São Paulo dali a poucas horas.
Escrevi isso aqui aqui também: acho que a ausência de ufanismo e o fim da ditadura do futebol significam amadurecimento do país. Mas a inapetência para a maior festa do planeta é muito surpreendente. (E não estou falando do movimento anticopa, isso é outra coisa, de que venho tratando no Manual). Falo do jeito blasé com que os brasileiros, mesmo os loucos por futebol, os que se indignaram em 78, choraram em 82, vibraram em 94 e em 2002, estão tratando o evento. Há mais sinais de festa junina na cidade do que de Copa. Talvez seja coisa de país que está se acostumando a integrar o circuito global dos megaeventos e deixando de ser jeca, do tipo que se deslumbra com o holofote internacional jogado sobre nós. Talvez seja um cansaço com “isto que está aí” e com a coreografia previsível capitaneada pela FIFA. Mas não consigo entender, do ponto de vista anímico, sensorial, da emoção, um Brasil a poucos dias de receber uma Copa em seu território que mais parece uma grande Nova Zelândia ou uma enorme Índia, que só tivesse interesse por Rúgbi ou Críquete, respectivamente.
Felizmente, uma semana depois, isso já não faz o menor sentido. Está velho de séculos. A Copa está aí e está indo muitíssimo bem, para surpresa de uns, alívio de outros e decepção de mais um tanto de patrícios, que queriam mais era que tudo implodisse espetacularmente diante dos olhos do mundo.
NÃO VAI TER COPA, IMAGINA NA COPA… OPS, PERAÍ, COMO É QUE É MESMO?
Outra coisa que perdeu enormemente o sentido são expressões como “Não Vai Ter Copa” ou mesmo “Imagina na Copa”. São duas versões – uma, mais dura e carrancuda, e outra, mais melíflua e irônica, da mesma autossabotagem azeda, do mesmo viralatismo visceral, do mesmo espírito de porco deletério que habita em nós. Há doses fartas disso em nossa constituição moral. A Copa nos trouxe essa clareza. E essa, a meu ver, é uma tremenda aprendizagem que precisamos realizar como nação. Mais cedo ou mais tarde. E, por que não?, agora. O ufanismo é uma coisa burra. Mas se jogar sempre para baixo, e esperar sempre o pior de si mesmo, e ter certeza do fracasso pessoal – e torcer para esse fracasso – é uma coisa ainda mais burra.
O blog Viomundo traz boa matéria sobre isso: “Aos poucos, realidade vai matando o ‘imagina na Copa’, onde se lê: “Em Belo Horizonte, por exemplo, há transporte bom e barato entre os aeroportos e o Mineirão, o que facilita muito para aqueles que acompanham suas seleções e fazem viagens rápidas, num país continental. Embora falte sinalização em inglês e espanhol em muitos lugares, há um grande número de pessoas fornecendo informações, especialmente mas não apenas nos aeroportos. Em Confins, turistas estrangeiros no saguão reclamaram do sinal de transmissão dos jogos, baixado pela internet (depois descobrimos tratar-se de algo bancado por um patrocinador). Um dos visitantes pediu que eu reclamasse em nome dele. Fui fazê-lo e, para nossa surpresa, descobrimos que havia um ambiente especial para os passageiros em espera. Tudo muito bacana, bem organizado.”
Um amigo, o empresário Jônatas Abbott, escreve sobre ter assistido Holanda vs Austrália em Porto Alegre: “temos muitos problemas a resolver na nossa cozinha brasileira. Mas minha experiência na Copa hoje foi algo de tirar o fôlego. A organização do evento em tudo, do banheiro à entrada, dos voluntários às torcidas, tudo estava ESPETACULAR. Primeiro mundo. Milhares e milhares de gringos felizes da vida caminhando num dia de sol na orla de Porto Alegre, cantando e celebrando juntos. Dentro do estádio tudo absolutamente impecável. E olhem, pessoal, não sou ufanista nem governista. Mas hoje tenho que elogiar. Saí da minha casa no bairro Rio Branco e rapidamente cheguei à ciclovia da Ipiranga e por ela cheguei até o Caminho do Gol. E, exatamente como informado, havia um bicicletário debaixo do viaduto, dentro da área restrita, onde prendi nossas bikes. Experiência perfeita. Apesar de saber o quanto uma parte de Porto Alegre sofreu em imensos engarrafamentos. Mas a Copa funcionou. E como ‘turista’ em minha própria cidade, me senti um privilegiado hoje. Ponto. Por hora.”
E rum relato muito bom da sua ida ao Beira Rio para a partida entre França vs Honduras, Luis Felipe dos Santos, um dos editores do site impedimento.org, nos leva a enxergar como foi a sua estreia em jogos de Copa do Mundo. Sua lente passa pelos brasileiros, pelos estrangeiros, pelo jogo, pela festa – e também pelos problemas. Vale a leitura.
NIZAN GUANAES ESTAVA CERTO
Enfim: as coisas não estão perfeitas, mas estão sensacionais. (Na frase genial de Tom Jobim, que ainda define bem as coisas: “Morar em Nova York é bom, mas é uma merda. Morar no Rio é uma merda, mas é bom”. Eis aí uma boa metáfora para entender o que está acontecendo.) A nossa ineficiência simpática, ou a bagunça e a desorganização que mitigamos com alegria e calor humano, não representam a melhor combinação do mundo para sustentar um país ou forjar o caráter de um povo. (Ou talvez essa seja uma baita fórmula, um modus brasileiro do qual poderíamos nos orgulhar mais. Talvez devêssemos parar de nos lamentar por não sermos anglossaxões e perceber que, no final das contas, a nossa equação pode sim gerar uma entrega muito legal.) Seja com for, é o que temos. É o que somos.
Entrevistei o publicitário Nizan Guanaes há mais de um ano e ele dizia que a Copa do Mundo no Brasil, que ele afirmava ter apoiado desde o início, ainda na construção da candidatura do Brasil para sediar o evento, não seria uma Copa suíça, com tudo no lugar e funcionando perfeitamente, na hora certa. Mas que seria uma Copa brasileira, com muita festa e muita felicidade. De algum modo, é exatamente isso que temos visto nas ruas. E a êxtase está ainda mais nos olhos dos turistas estrangeiros, de cujo julgamento nós nos ressentíamos, do que propriamente nos olhos dos próprios brasileiros – nós ainda não vencemos totalmente a desconfiança com a nossa capacidade de entregar ao mundo um evento correto, ainda que imperfeito, e espetacular. Do nosso jeito, com esse estilo de realizar cheio de tortuosidades, mas que ainda assim não deixa de caminhar e de construir. Estamos recém começando a nos dar conta de que está todo mundo gostando e que estamos mesmo prestes a realizar a melhor Copa da história.
O jornal inglês The Guardian publicou matéria reforçando essa ideia. “Há coisas piores na vida do que caminhar na orla de Copacabana sob a luz do sol a caminho do estádio para assistir a um jogo de Copa do Mundo. Então talvez não seja surpresa que o torcedor inglês Anthony McDowell não estivesse experimentando nenhuma das previsões sombrias que precederam a Copa no Brasil. ‘O lugar é adorável. As pessoas são ótimas. Há um clima de festa”, disse McDowell, que trabalha em andaimes em Liverpool. ‘A única coisa que podia ser melhor é a seleção da Inglaterra’.”
ATÉ OS AMERICANOS ESTÃO ENXERGANDO O ÓBVIO
O site Trivela mostra, numa seleção de fotos e vídeos, que os americanos estão talvez, pela primeira vez na história, despertando para o futebol e para a magia da Copa do Mundo. As aglomerações, em várias cidades dos Estados Unidos, fazem lembrar as capitais europeias e sul-americanas. Bem vindos, brothers! Estejam em casa. A casa é sua mesmo. Se puderem, troquem o McDonald’s pelo um bobó de camarão e o Starbucks por um espresso no Café do Ponto ou um cappuccino da Kopenhagen. Vocês não vão se arrepender!
O OCASO DA ESPANHA E O LAMPEJO AUSTRALIANO
PERDÃO, DIEGO
Imagine um menino brasileiro pobre que tenha saído do pais, com uma bolsa para estudar no exterior. High School, depois um College de bom nível. E que tenha virado executivo numa grande empresa daquele país que o acolheu. Aqui ele jamais teria tido as mesmas chances. Aí um belo dia, depois de famoso, ele recebe convite para vir trabalhar no Brasil. E responde, educadamente, que prefere continuar sua vida lá fora. Só que aí, a cada vez que vem fazer negócios no país, é hostilizado pelos locais. As vaias ao Diego Costa, que não consigo entender nem aceitar, são isso. Talvez uma prova para ele, mas certamente uma prova para mim, de que ele fez a coisa certa em picar a mula daqui.
O RACISMO ENTRE NÓS
Alguém explica por que os espanhóis são tão racistas? Portugueses também, é um horror. E nós, brasileiros, fomos formados basicamente pela soma das duas culturas. Bingo. Ou então isso é só expressão bruta e explícita de um sentimento odioso que perpassa muitos mais povos. Argentinos e uruguaios na fronteira com esse papo de ‘macaco’. Check. Gremistas com esse papo de ‘macaco’ para cima de colorados. Check. (E que gaúcho não lembra do comercial de TV com Taffarel, colorado, estapeando um ‘macaco’, em referência a Tião Macalé, que tinha acabado de estrelar um comercial do Grêmio? Check.) Italianos com esse papo para cima de Balotelli. Check. Bolivianos com esse papo para cima de Tinga. Check. Segregação histórica na África do Sul e nos Estados Unidos. Check. Vejo aí três coisas ignóbeis. (1) Enxergar diferença onde não há. (2) Se imaginar superior a outrem por uma questão ‘racial’. E (3) usar essa crença torta não como uma certeza íntima de autoafirmação mas sim como um disparo público visando a humilhação alheia. Isso tudo é de uma pobreza incrível e indesculpável. Não é a palavra em si, besta, que ofende – mas sim a intenção de ofender. Isso é que incomoda. Não é o idiota em si – mas a intenção que move o idiota. Aqui no Brasil, apesar de estarmos a léguas de podermos nos declarar isentos dessa imundície, racismo é crime, putada ibérica. Cadeia em vocês para curar a ressaca dos dois chocolates que acabaram de tomar. Hasta luego e passar bem.
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