Jornal GGN - qua, 25/06/2014 - 09:22
- Atualizado em 25/06/2014 - 09:25
Enviado por Cyro
Do Tlaxcala
Noam Chomsky, Sócrates dos EUA
Chris Hedges
Traduzido por Coletivo de tradutores Vila Vudu
CAMBRIDGE, Mass. – Noam Chomsky, a quem
entrevistei 5ª-feira passada em sua sala no Massachusetts Institute of
Technology (MIT), influenciou intelectuais nos EUA e em todo o mundo,
por número incalculável de vias. A explicação que construiu para o
Império, a propaganda de massa, a hipocrisia e o servilismo dos liberais
e os fracassos dos acadêmicos, além do que ensinou sobre os modos pelos
quais a linguagem é usada como máscara pelo poder, para nos impedir de
ver a realidade, fazem dele o mais importante intelectual nos EUA. A
força de seu pensamento, combinada a uma independência feroz, aterroriza
o estado-empresa – motivo pelo qual a imprensa-empresa e grande parte
da academia-empresa tratam-no como pária. Chomsky é o Sócrates do nosso
tempo.
Vivemos um momento sombrio e desolado na
história humana. E Chomsky começa por essa realidade. Citou o falecido
Ernst Mayr, importante biólogo evolucionista do século 20, que disse que
provavelmente nós jamais encontraremos extraterrestres inteligentes,
porque formas superiores de vida se autoextinguem em tempo relativamente
curto.
“Mayr dizia que o valor adaptacional do
que se chama ‘inteligência superior’ é muito baixo” – disse Chomsky. –
“Baratas e bactérias são muito mais adaptáveis que os humanos. É melhor
ser inteligente que estúpido, mas podemos ser um equívoco biológico,
usando os 100 mil anos que Mayr nos dá como expectativa de vida como
espécie, para destruir-nos nós mesmos e destruir também muitas outras
formas de vida no planeta.”
A mudança climática “pode acabar
conosco, e em futuro não muito distante” – diz Chomsky. – “É a primeira
vez na história humana em que temos a capacidade para destruir as
condições mínimas para sobrevivência decente. Já está acontecendo. Há
espécies que estão sendo destruídas. Estima-se que vivemos destruição
equivalente à de há 65 milhões de anos, quando um asteroide colidiu com a
Terra, extinguiu os dinossauros e grande número de outras espécies. A
destruição, hoje, é de nível equivalente àquele. De diferente, que o
asteroide somos nós. Se alguém nos está vendo do espaço, deve estar
atônito. Há setores da população global tentando impedir a catástrofe
global. Outros setores tentam apressá-la.
Veja bem quem são uns e outros: os que
tentam impedir a catástrofe total são os que nós chamamos de primitivos,
atrasados, populações indígenas – as Nações Originais no Canadá, os
aborígenes australianos, pessoas que ainda vivem em tribos na Índia. E
quem acelera a destruição? Os mais privilegiados, os chamados
‘avançados’, os letrados, as pessoas cultas e educadas do mundo.”
Se Mayr acertou, estamos no fim de uma
tendência, acelerada pela Revolução Industrial, que nos jogará para o
outro lado de uma montanha, ambientalmente e economicamente. Esse
evento, aos olhos de Chomsky, nos oferece uma oportunidade e, ao mesmo
tempo, traz um perigo. Já várias vezes Chomsky repetiu, como alerta,
que, se temos de nos adaptar e sobreviver, é preciso derrubar o poder da
elite-empresa-corporação, mediante movimentos de massa; e devolver o
poder a coletivos autônomos que são focados em manter as comunidades, em
vez de explorar comunidades. Apelar às instituições e mecanismos
estabelecidos de poder não vai dar certo.
“Podem-se extrair muitas boas lições,
do período inicial da Revolução Industrial” – disse ele. – “A Revolução
Industrial decolou aqui perto, no leste de Massachusetts, em meados do
século 19. Foi o período quando fazendeiros independentes estavam sendo
conduzidos para dentro do sistema industrial. Homens e mulheres – as
mulheres deixaram as fazendas para ser “operárias de fábrica” –
lastimaram amargamente a mudança. Foi também período de imprensa muito
livre, a mais livre que os EUA jamais conheceram, em toda sua história.
Havia quantidade enorme de jornais e lê-los hoje é experiência
fascinante. O povo que foi arrastado para o sistema industrial via
aquilo tudo como um ataque à sua dignidade pessoal, aos seus direitos de
seres humanos. Eram seres humanos livres, forçados para dentro do que
chamavam ‘trabalho assalariado’, e que, aos olhos deles, não era muito
diferente da escravidão. De fato, essa era a impressão dominante entre o
povo, a tal ponto, que havia um slogan do Partido Republicano: ‘A única
diferença entre trabalhar por salário e ser escravo é que o salário
acaba.’”
Chomsky diz que essa deriva, que forçou
os trabalhadores agrários para longe da terra e para dentro das fábricas
nos centros urbanos, foi acompanhada por uma destruição cultural. Os
trabalhadores, diz ele, haviam sido parte da “mais alta cultura da
época”.
“Lembro-me disso, lá nos anos 1930s,
com minha própria família” – diz ele. – “Aquilo nos foi tirado.
Estávamos sendo forçados a nos tornar, de certo modo, escravos. Diziam
que você trabalhava como artesão e vendia um produto que você produzia,
então, como assalariado, o que você passou a fazer foi vender você
mesmo. E isso soava como ofensa profunda. Eles condenavam o que chamavam
de ‘novo espírito da época’, ganhar dinheiro e esquecer-se
completamente de si mesmo. É velho e, ao mesmo tempo, soa hoje muito
familiar aos nossos ouvidos.”
É essa consciência radical, que deitou
raízes em meados do século 19 entre fazendeiros e muitos operários de
fábrica, que Chomsky diz que temos de recuperar para conseguirmos
avançar como sociedade e como civilização. No final do século 19,
fazendeiros, sobretudo no meio-oeste, livraram-se dos banqueiros e dos
mercados de capitais, e constituíram seus próprios bancos e
cooperativas. Entenderam o perigo de virar vítimas de um processo
vicioso de endividamento, comandado pela classe capitalista. Os
fazendeiros radicais fizeram alianças com os ‘Knights of Labor’
[Cavaleiros do Trabalho], que entendiam que os que trabalhavam nos
moinhos deviam ser também proprietários dos moinhos.
“À altura dos anos 1890s, operários
estavam tomando cidades e governando-as, no leste e no oeste da
Pennsylvania. É o caso de Homestead” – Chomsky lembrou. – “Mas foram
esmagados à força. Demorou um pouco. O golpe final foi o ‘Medo Vermelho’
de Woodrow Wilson [orig. Woodrow Wilson’s Red Scare].”
“A ideia, hoje, ainda deve ser a dos
Knights of Labor,” he said. “Os que trabalham nos moinhos devem ser
também donos dos moinhos. Há muito trabalho em andamento. Haverá mais.
Os preços da energia estão caindo nos EUA, por causa da massiva
exploração de combustíveis fósseis, que destruirá nossos netos. Mas, sob
a moralidade capitalista, o cálculo é: os lucros de amanhã são mais
importantes que a existência ou não dos seus netos. Estamos conseguindo
preços mais baixos de energia. Eles [os empresários] estão
entusiasmadíssimos, porque podem oferecer preços inferiores aos que a
Europa oferece, porque nossa energia é mais barata. E assim, os EUA
conseguimos fazer fracassar os esforços que a Europa tem procurado
fazer, para desenvolver energia sustentável...”
Chomsky espera que os que trabalham na
indústria de serviços e na manufatura possam começar a organizar-se para
começar a tomar o controle de seus próprios locais de trabalho. Observa
que no ‘Cinturão da Ferrugem’ [orig. Rust Belt], inclusive em estados
como Ohio, há crescimento no número de empresas que pertencem aos
trabalhadores.
O crescimento de poderosos movimentos
populares no início do século 20 mostrou que a classe empresarial já não
conseguia manter os trabalhadores subjugados por ação exclusiva da
violência. Os interesses empresariais tiveram de construir sistemas de
propaganda de massa, para controlar opiniões e atitudes.
O crescimento da indústria de ‘relações
públicas’, iniciada pelo presidente Wilson, que criou o Comitê de
Informação Pública [“Creel Committee”], para instilar sentimentos
pró-guerra na população, inaugurou uma era não só de guerra permanente,
mas também de propaganda permanente. O consumo foi instilado também, com
compulsão incontrolável. O culto do indivíduo e do individualismo
tornou-se regra. E opiniões e atitudes, passaram a ser talhadas e
modeladas pelos centros de poder, como o são hoje.
“Uma nação pacífica foi transformada em
nação de odiadores, fanáticos por guerras” – diz Chomsky. – “Essa
experiência levou a elite no poder a descobrir que, mediante propaganda
efetiva, aquelas elites poderiam, como Walter Lippmann escreveu, usar
“uma nova arte na democracia, e fabricar o consentimento.”
A democracia foi destripada. Os cidadãos
tornaram-se ‘público’, ‘audiência’, telespectadores, não participantes
no poder. Os poucos intelectuais, entre os quais Randolph Bourne, que
mantiveram a independência e recusaram-se a servir à elite no poder
foram expulsos para fora do sistema, como Chomsky.
“Muitos dos intelectuais dos dois lados
estavam apaixonadamente dedicados à causa nacional” – disse Chomsky,
falando a 1ª Guerra Mundial. “Houve só uns raros dissidentes. Bertrand
Russell foi preso. Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg foram mortos.
Randolph Bourne foi marginalizado. Eugene Debs, preso. Todos esses se
atreveram a questionar a magnificência da guerra.”
Aquela histeria pró-guerra jamais
cessou, movida sem alteração, do medo de um bárbaro germânico, para o
medo de comunistas e, daí, para o medos de jihadistas e terroristas
islamistas.
“As pessoas vivem aterrorizadas demais,
porque foram convencidas de que nós temos de nos defender nós mesmos” –
diz Chomsky. – “Não é inteiramente falso. O sistema militar gera forças
perigosas para nós, que nos ameaçam. Veja, por exemplo, a campanha
terrorista dos drones de Obama – a maior campanha terrorista de toda a
história. Esse programa dos drones de Obama gera novos terroristas e
terroristas potenciais muito mais depressa, do que destrói suspeitos. É o
que se vê agora no Iraque. Volte lá, aos julgamentos de Nuremberg. A
agressão entre estados foi definida como o supremo crime internacional.
Foi considerado diferente de outros crimes de guerra, porque a agressão
entre estados reúne, como crime, todos os demais danos que outros crimes
subsequentes causarão.
A invasão que EUA e Grã-Bretanha
cometeram contra o Iraque é como um manual de crime de agressão entre
estados. Pelos padrões de Nuremberg, os governantes dos EUA e da GB
teriam, todos, de ser condenados à morte e enforcados. E um dos crimes
que cometeram foi incendiar o conflito sunita versus xiitas.”
Esse conflito, que agora novamente
inflama a região, é “um crime cometido pelos EUA, se acreditamos que
sejam válidas as sentenças que Nuremberg proclamou contra os nazistas.
Robert Jackson, promotor-chefe no tribunal de Nuremberg, em sua fala aos
jurados, disse que aqueles acusados haviam bebido de um cálice
envenenado. E que se algum de nós algum dia bebêssemos daquele mesmo
cálice teríamos de ser tratados do mesmo modo, ou tudo não passaria de
grande farsa.”
As escolas e universidades da elite
inculcam hoje em seus alunos a visão de mundo endossada pela elite no
poder. Treinam alunos para serem reverentes ante a autoridade. Para
Chomsky, a educação, na maior parte das grandes escolas, inclusive em
Harvard, a poucos quarteirões de distância do MIT, não passa de “um
sistema de profunda doutrinação”.
“Há um entendimento de que há certas
coisas que não se dizem nem se pensam” – diz Chomsky. – “É assim, entre
as classes educadas. E é por isso que eles todos apoiam fortemente o
poder do estado e a violência do estado, apenas com uma ou outra pequena
‘restrição’. Obama é visto como crítico contra a invasão do Iraque. Por
quê? Só porque disse que seria erro estratégico. É argumento que o põe
no mesmo nível moral de um general nazista que entendesse que o segundo
front era erro estratégico. Isso, para os norte-americanos, é ‘ser
crítico’.”
E Chomsky não subestima o ressurgimento de movimentos populares.
“Nos anos 1920s, o movimento
trabalhista estava praticamente destruído” – disse. – “Havia sido
movimento trabalhista forte, muito militante. Nos anos 1930s ele mudou, e
mudou por causa do ativismo popular. Houve circunstâncias [a Grande
Depressão] que levou à oportunidade de fazer alguma coisa. Vivemos
constantemente com isso. Considere os últimos 30 anos. Para a maioria da
população, foram tempos de estagnação, ou pior que isso. Não é a
Depressão profunda, mas é uma depressão semipermanente para a maior
parte da população. Há muita lenha lá fora, esperando para ser
queimada.”
Chomsky entende que a propaganda
empregada para fabricar consentimentos, mesmo na era das mídias
digitais, está perdendo efetividade, com a realidade cada vez menos
parecida com o ‘retrato’ dela inventado pelos órgãos da imprensa-empresa
de massas. Embora a propaganda feita pelo estado norte-americano ainda
consiga “empurrar a população para o terror e o medo e para a histeria
de guerra, como se viu nos EUA antes da invasão do Iraque”, ela já
começa a fracassar na tarefa de manter fé não questionada nos sistemas
de poder. Chomsky credita ao movimento Occupy, que ele descreve como uma
tática, ter “disparado uma fagulha iluminadora” a qual, mais
importante, atravessou toda a sociedade, apesar da atomização”.
“Há todos os tipos de esforços e
projetos para separar as pessoas umas das outras” – diz ele. – “A
unidade social ideal [no mundo dos propagandistas do estado-empresa] é
você e sua tela de televisão. As ações de Occupy puseram abaixo isso,
para grande parte da população. As pessoas reconheceram que poder nos
juntar e fazer coisas por nós mesmos. Podemos ter uma cozinha comum.
Podemos ter um palanque para discussões públicas. Podemos formar nossas
próprias ideias. Podemos fazer alguma coisa. E esse é ataque importante
contra o núcleo dos meios pelos quais o público é controlado.
Você não é só um indivíduo tentando
maximizar o consumo. Você descobre que há outros interesses na vida,
outras coisas com as quais se preocupar. Se essas atitudes e associações
puderem ser sustentadas e mover-se em novas direções, será muito
importante.”
.
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