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19/06/2017
O analfabeto midiático, por Celso Vicenzi
Jornal GGN - qua, 18/06/2014 - 15:18
- Atualizado em 18/06/2014 - 15:57
Do Outras Palavras
O pior analfabeto é o analfabeto midiático.
POR CELSO VICENZI
Ele
ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não
participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas
usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o
mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os
fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. Nas passeatas e
na internet, pede liberdade de expressão, mas censura e ataca quem
defende bandeiras políticas. Ele não sabe que o custo de vida, o
preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do
remédio dependem das decisões políticas. E que elas – na era da
informação instantânea de massa – são muito influenciadas pela
manipulação midiática dos fatos. Não vê a pressão de jornalistas e
colunistas na mídia impressa, em emissoras de rádio e tevê – que também
estão presentes na internet – a anunciar catástrofes diárias na
contramão do que apontam as estatísticas mais confiáveis. Avanços
significativos são desprezados e pequenos deslizes são tratados como se
fossem enormes escândalos. O objetivo é desestabilizar e impedir que
políticas públicas de sucesso possam ameaçar os lucros da iniciativa
privada. O mesmo tratamento não se aplica a determinados partidos
políticos e a corruptos que ajudam a manter a enorme desigualdade social
no país.
Questões iguais ou semelhantes são
tratadas de forma distinta pela mídia. Aula prática: prestar atenção
como a mídia conduz o noticiário sobre o escabroso caso que veio à tona
com as informações da alemã Siemens. Não houve nenhuma indignação dos
principais colunistas, nenhum editorial contundente. A principal
emissora de TV do país calou-se por duas semanas após matéria de capa da
revista IstoÉ denunciando o esquema de superfaturar trens e metrôs em 30%.
O analfabeto midiático é tão burro que se orgulha e estufa o peito para dizer que viu/ouviu a informação no Jornal Nacional e leu na Veja,
por exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se
escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma
delas vai se pronunciar. Não desconfia que, em muitas tevês, revistas e
jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando ouvir as
pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e,
principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a
verdade dos fatos. Para isso as notícias se apoiam, às vezes, em fotos e
imagens. Dizem que “uma foto vale mais que mil palavras”. Não é tão
simples (Millôr, ironicamente, contra-argumentou: “então diga isto com
uma imagem”). Fotos e imagens também são construções, a partir de um
determinado olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas
“ao gosto do freguês”. Há uma infinidade de exemplos. Usaram-se imagens
para provar que o Iraque possuía depósitos de armas químicas que nunca
foram encontrados. A irresponsabilidade e a falta de independência da
mídia norte-americana ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma
guerra com milhares de inocentes mortos foi deflagrada.
O analfabeto midiático não percebe que o
enfoque pode ser uma escolha construída para chegar a conclusões que
seriam diferentes se outras fontes fossem contatadas ou os jornalistas
narrassem os fatos de outro ponto de vista. O analfabeto midiático
imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo de esforço
intelectual. Não se apoia na filosofia, na sociologia, na história, na
antropologia, nas ciências política e econômica – para não estender
demais os campos do conhecimento – para compreender minimamente a
complexidade dos fatos. Sua mente não absorve tanta informação e ele
prefere acreditar em “especialistas” e veículos de comunicação
comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e econômicos.
Lê pouquíssimo, geralmente “best-sellers” e livros de autoajuda. Tem
certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e corresponde à
realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a
prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o
político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas
nacionais e multinacionais.”
O analfabeto midiático gosta de criticar
os políticos corruptos e não entende que eles são uma extensão do
capital, tão necessários para aumentar fortunas e concentrar a renda.
Por isso recebem todo o apoio financeiro para serem eleitos. E, depois,
contribuem para drenar o dinheiro do Estado para uma parcela da
iniciativa privada e para os bolsos de uma elite que se especializou em
roubar o dinheiro público. Assim, por vias tortas, só sabe enxergar o
político corrupto sem nunca identificar o empresário corruptor, o
detentor do grande capital, que aprisiona os governos, com a enorme
contribuição da mídia, para adotar políticas que privilegiam os mais
ricos e mantenham à margem as populações mais pobres. Em resumo:
destroem a democracia.
Para o analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última observação a fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
—
O analfabeto político
O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilantra, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilantra, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.
Bertold Brecht
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