Jornal GGN - sex, 13/06/2014 - 08:47
- Atualizado em 13/06/2014 - 09:19
Sugerido por Alexandre Tambelli
Do Blog da Milly
por Milly Lacombe
Neymar faz o gol da virada, a torcida
comemora por alguns segundos e então decide mandar a presidente tomar no
cú. Nada poderia definir melhor a nossa elite.
Elite que conheceu Itaquera hoje. Elite
que, se posso chutar, frequenta estádios com a mesma regularidade que o
Halley passa por aqui. Elite que, ao escutar que ganharia ingresso para
ir ao jogo da Copa que ela há quatro anos critica furiosamente, não
apenas aceitou o ingresso como saiu correndo para comprar uma camisa da
seleção.
A elite foi para o estádio de van,
sabendo que estava segura porque não haveria povo no jogo. A
arquibancada estava higienizada. E fodam-se as criticas à Copa, se
ganhei ingresso vou mesmo e depois volto a reclamar do Brasil e da Copa e
da roubalheira. Como chega lá nessa Itaquera, alguém sabe?
Hino à capela. Bonito, mas para que
mesmo? Começa o jogo. Brasil!, Brasil! e silêncio e silêncio. O tempo
passa, mais silêncio. Gol dos croatas. Silêncio se aprofunda. Empate de
Neymar, cantoria começa e, depois de segundos, acaba. Educados que são,
sentam-se.
Intervalo. Hora de instagramar e
facebucar fotos da festa. Mulheres de salto, maquiadas, jeans
justíssimos. Homens de gel, calças igualmente justas e mocassim.
Reclamam das filas para lanchonete e banheiro e da conexão ruim. Volta o
jogo. Brasil consegue um penalti suado e roubado. Comemoram por
segundos e decidem xingar outra vez a chefe de estado.
É nesse ponto que minha indignação ganha ritmo e é sobre isso que quero falar.
Depois de um gol você comemora, e não dá
as costas ao jogo para xingar. A questão é menos a manifestação
coletiva, por mais deselegante que tenha sido, do que o momento em que
ela aconteceu. Porque o momento – logo depois de um gol suado e decisivo
– fala muito sobre quem somos.
É um sintoma da alienação.
Estamos desconectados da realidade, não conseguimos nos ligar à emoção
nenhuma. Estamos infectados de pragmatismo e carentes de alma. Somos,
desde o berço, mimados e mal acostumados.
Em campo, a seleção reflete bravamente a
burguesia paulista: acovardada, dissimulada, agressiva, preferindo
enganar do que lutar. Fred poderia ter tentado matar a bola no peito e,
quem sabe, fazer um golaço, mas escolheu se jogar bisonhamente no chão.
Alguém tuitou que xingar um chefe de
estado coletivamente é fácil, e que duro é ir sabendo que será xingado.
Nada poderia ser mais verdadeiro. Imaginemo-nos no lugar de Dilma,
gostando ou não dela; quantos de nós teríamos ido ao jogo?
Ao lado dela, Sepp Blatter, o homem que
comanda uma das corporações mais sujas mundo. Se Dilma estava sendo
xingada porque a elite supõe que ela comande uma administração corrupta
(vamos imaginar que seja por isso), por que Blatter foi poupado? Que
tipo de ética seletiva é essa?
Foi poupado porque é homem, e o machismo é também uma característica de nossa classe mais alta.
Sempre que vejo um membro dessa elite
indignado com o Brasil pergunto o que piorou na vida dele nos últimos
dez anos. Eles não sabem responder e referem-se de forma geral à
violência, ao trânsito e à educação, mas sem sacar direito do que estão
falando, e quando tento me aprofundar não querem mais papo. Embora
estejam hoje mais ricos do que jamais foram, seguem reclamando dessas
generalidades.
Hoje, xingaram a chefe de estado por
comandar uma instituição corrupta, porque não aceitam a corrupção de
forma alguma ao que parece, mas gostaram de ganhar roubado, uma
contradição que a alienação impede de detectar.
Eu me pergunto também se se naquele
estádio houvesse apenas faxineiras, operários, motoristas, metroviários,
sacoleiros etc etc etc Dilma seria xingada como foi.
Acho que não seria.
Acho que não seria porque eles sabem que
muita coisa mudou para melhor nos últimos dez anos. Porque sabem que um
jogo de Copa é importante e é preciso entrar nele com a alma. Porque
quando essa galera vai ao estádio, gosta de ver o jogo e gritar e pular,
especialmente em gols suados e decisivos. E porque a verdade com V
maiúsculo é que esse povão que está excluído dos estádios é muito mais
elegante do que a gente.
.
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