21/10/2014
Estereótipos marcam debate eleitoral sobre política externa
Em evento na PUC-SP, professores e o assessor de Relações Internacionais
da Presidência, Marco Aurélio Garcia, defenderam a integração da
América do Sul promovida na última década
As conquistas sociais, para o assessor da
Presidência da República Marco Aurélio Garcia, singularizaram o Brasil
no âmbito internacional
O
projeto de política externa brasileira presente no debate eleitoral é
marcado por estereótipos em relação aos países em desenvolvimento, na
opinião de professores de Relações Internacionais que estiveram no
evento “Política Externa Brasileira nas eleições presidenciais de 2014:
Caminhos Possíveis” que ocorreu na Pontifícia Universidade Católica
(PUC) em São Paulo, na sexta-feira 17. O evento contou com o apoio de CartaCapital.
O maniqueísmo pode ser ilustrado pela forma
discriminatória como é vista a aproximação do Brasil aos países da
América do Sul, na opinião da professora do Instituto de Relações
Internacionais da USP Deisy Ventura. “É uma grande ignorância da
história do nosso continente, e é um comportamento do Brasil ao longo do
tempo”, afirmou.
Para Gilberto Maringoni, professor da Universidade
Federal do ABC e ex-candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL, o
projeto de política externa é o que deixa mais claro as diferenças entre
Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). Maringoni leu a proposta
contida no programa de governo de Aécio para assinalar algo que, na sua
visão, indica a desarticulação do Mercosul. No trecho do item VI.II. do
programa há a afirmação de que, se eleito, Aécio irá "flexibilizar as
regras do Mercosul a fim de poder avançar nas negociações com terceiros
países". "Ou seja, vão implodir o Mercosul. Vão implodir com uma
integração regional de mais de um década, que não é só comercial”, diz
Maringoni. (Os grifos em verde negritado são do ContrapontoPIG)
Ventura também criticou as propostas do PSDB em
relação ao bloco sul-americano. “É uma proposta que consiste na
aproximação com o Pacífico, no estreitamento de relações com a Europa e
com os EUA. No final, o Mercosul será uma mera área de comércio,
persistirá a velha ideia de que a integração na América do Sul deve se
dar pelo comércio.”
A questão migratória também foi lembrada por
Maringoni. “Qualquer governo que ganhar as eleições precisará dar
resposta sobre a política migratória. Qualquer deslize em relação à essa
política trará um alto custo político para o governo, seja ele qual
for.”
Para Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência da
República em Assuntos Internacionais, existe na imprensa um discurso
contrário às ações do governo do PT em relação ao resto do mundo. “O que
se tem se dito é que, nos últimos 12 anos, abandonamos a política
externa como política de Estado e que começamos a desempenhar uma
política de governo, controlada por fatores ideológicos. Isso é ofensivo
ao Itamaraty.”
Garcia explicou que a diferença da
política de aproximação com países em desenvolvimento, adotada por Lula,
se deu, principalmente, em razão das prioridades do projeto de governo.
“Não houve, nem poderia haver, nenhuma ingerência política e
partidária. (...) Houve uma percepção, pelos diplomatas ligados a uma
tradição progressista dentro do Itamaraty, de uma política externa
independente.
Resolveram não mais tirar os sapatos nos aeroportos de
países desenvolvidos”, comentou, em referência ao episódio no qual, em
2002, o chanceler brasileiro Celso Lafer foi obrigado a tirar os sapatos
para entrar nos EUA, em um procedimento de segurança.
Extremismo. O assessor
da Presidência fez uma mea-culpa em relação ao crescimento do
comportamento extremista do eleitorado, que favorece o olhar marcado por
estereótipos em relação à América Latina e a outros países em
desenvolvimento. “O problema é de natureza política mais geral.” diz
Garcia. “Existe um mal-estar na sociedade, ligado, fundamentalmente, ao
fato de que o governo, tendo realizado transformações importantes, não
realizou uma ação que procurasse enquadrar essas transformações num mais
longo prazo, com mudanças políticas-culturais.”
Maringoni destacou a falha da nova política externa,
não só do Brasil, mas de todos os países latino-americanos, em impor
suas pautas econômicas ao mundo. “Embora nós tenhamos tido afirmação de
governos que reforçam e requalificam o papel do Estado, nós não
conseguimos mudar nosso papel de exportador de commodities”, afirma. “A
política externa deve ser um fator para que a gente volte a se colocar
como um exportador de produtos industrializados.”
Ainda assim, a promoção da igualdade social, para
Garcia, foi uma das ações mais positivas também no âmbito da política
externa brasileira. “Nós não teríamos presença no mundo se não
tivéssemos feito esse tipo de transformação. Isso singularizou o
Brasil.” O assessor de Relações Internacionais fez críticas às
alegações, tanto de Marina Silva quanto de Aécio, de que o Brasil deve
avaliar as relações de um país com direitos humanos antes de se
relacionar. “Evidentemente, para Marina e Aécio, nesses países não devem
estar incluídos os EUA, nem uma série de outros países desenvolvidos
nos quais a situação de direitos humanos é, no mínimo, problemática.”
Livro. Participou da
mesa, também, o professor Sebastião Velasco, da Unicamp. O evento marcou
o lançamento do livro “2003-2013: Uma nova política externa”.
Organizado por Maringoni, Giorgio Romano Schutte e Gonzalo Berron, o
trabalho traz uma compilação das reflexões de uma série de entidades,
partidos políticos, ONGs e instituições acadêmicas a respeito da
política externa praticada pelo Brasil nesse intervalo de dez anos.
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