31/03/2010
Lula, Galileu e a elite que não digeriu o sapo barbudo
Tijolaço - terça-feira, 30 março, 2010 às 13:59
Brizola Neto
Eu cresci numa época em que era muito difícil perceber onde estava a direita brasileira. Tirando os personagens folclóricos, todo mundo se dizia centro-esquerda. Vejam vocês, até o PSDB tinha esta “Social-Democracia” no nome.
Tudo se diluía na “geléia” da modernidade. Os tempos eram outros, “a história tinha terminado”, na frase célebre daquele tal Francis Fukuyama, a quem a história, felizmente, já esqueceu.
Vivíamos o mundo do neoliberalismo. Defender a importância do Estado era antiquado, “jurássico”.
Não havia mais diferença entre nacional ou estrangeiro, público ou privado, e a palavra “social” foi substituída por uma vaga idéia de “inclusão”, que viria, com o tempo, do “politicamente correto”, da “responsabilidade social” e da “eficiência” e dos “ganhos de produtividade”.
A resistência ao império destas idéias era, além de antiquada, tachada de obtusa, quase uma cegueira ideológica: chata, ranzinza, desinteressante.
Os políticos que as defendiam tinham dois caminhos: ceder à ideologia dominante ou verem, progressivamente, suas lideranças definharem.
Para sobreviver, era preciso mostrar-se “adaptado” e “respeitoso” com as “leis do mercado”, que substituíam o ser humano como valor supremo.
A Carta aos Brasileiros de Lula não foi um pouco isso?
Nos tempos da Inquisição, o matemático e astrônomo Galileu Galilei para evitar a morte na fogueira teve de proclamar a um tribunal que a Terra, e não o Sol, era o centro do Universo conhecido e era fixa no espaço, tal – como dizia a Igreja – Deus a teria criado . Mas diz a lenda que, ao sair do julgamento, teria sussurrado: contudo, ela se move.
E a Terra se moveu. Aceito pelas elites, Lula pôde chegar ao Governo, embora para chegar – e para ficar – tivesse de fazer muitas concessões e- por que não confessar? – decepcionado muitos de nós que esperávamos mudanças mais radicais e velozes.
Porém se, de um lado, Lula tinha certa razão ao pretender “comer o mingau pelas beiradas”, de outro isso lhe custou um certo desgaste político. Teve, para fugir do dilúvio, como Noé e Getúlio, de embarcar uma fauna heterogênea e até bizarra na arca de sua aliança.
Mas hove algo diferente do que costuma acontecer. Lula refinou-se, é verdade. Ele próprio o reconhece, brincando, numa fala muito engraçada:
“Gente, eu estou aqui falando da nova era que tem início hoje , falando de uma transcendência incomensurável”. “Vocês estão acreditando que estou dizendo isso? Nem eu estou crendo em mim mesmo. Agora pouco falei concomitantemente, daqui a pouco vou falar en passant e ainda nem usei o sine qua non. Para quem tomou posse falando menas laranja tá bom demais”
A própria brincadeira mostra que esse refinamento não lhe deformou as origens e a ligação atávica com o povo brasileiro.
Como naquela frase que Brizola disse antes de dar seu apoio a Lula em 1989, não foi “uma maravilha ver nossas elites tendo que engolir um sapo barbudo?”
Sim, engoliram-no. Mas não o digeriram no suco gástrico de seus salões como fizeram a Fernando Henrique, que se acreditou príncipe.
Ontem à noite eu fiquei escrevendo e pensando nisso.
Quando falei do tal “Comando Marrom”, estava pensando não especificamente nesta ou naquela pessoa. Mas no traço comum do discurso virulento que vem assumindo, totalmente desprovido de laços com a realidade.
A toda hora estou lendo nos jornais frases sobre “cubanização” do Brasil, “chavismo” de Lula, atentados à “liberdade de expressão”, às instituições e à democracia. Pelo simples de receber o presidente do Irã, quase que o associam a um “terrorismo islâmico”.
Faça a si mesmo uma pergunta: em que você está sendo coagido? Você conhece alguém que esteja sendo coagido em sua liberdade pelo Governo? Alguém foi demitido, perseguido, preso? Evidente que não.
Mas nossos jornais – e logo as televisões, escreva – assumem um discurso furibundo, falando em ameaças, em perigos à democracia. Porque democracia, para eles, é o seu governo, o governo dos seus grupos, não um governo que, se ainda não é do povo, está do lado do povo. Como na histórica frase de Getúlio, em 50: “hoje estais com o Governo, amanhã sereis governo”, o Governo Lula, por ser uma mudança de rumos, é o início de um novo caminho.
Nada os deixa mais apavorados do que a possibilidade de L ula ser sucedido por Dilma, que domina as ferramentas ideológicas e a compreensão histórica das lutas sociais do povo brasileiro, embora não tenha o carisma e a identidade carnal que Lula mantém com elas. Temem que, por isso, ela possa aprofundar as mudanças que Lula, no seu empirismo e sensibilidade política, soube encaminhar e iniciar.
É esta a ideia que deixa a direita em polvorosa. Na verdade, essa é a razão da histeria que origina estes espasmos que se assemelham ao discurso das forças que prepararam a derrubada de João Goulart no pré-64. Embora ele não fosse, pessoalmente, acusado de “comunista”, seu governo era “comunizante”. Ele, “populista”, “demagogo”.
Jango era, dizem-me todos, um homem avesso a conflitos, mas impregnado do espirito de justiça que marca o trabalhismo. O que assistimos hoje, em boa parte da mídia conservadora, assemelha-se ao discurso moralista – e falso – da UDN e ao fundamentalismo moralista e religioso da TFP (Tradição, Família e Propriedade). Hoje ela teria outra sigla, onde só a propriedade ficaria, trocando a tradição e a familia pela “modernidade” e o “capital”.
Substituindo Deus pelo Mercado, quem sabe não estarão logo organizando uma Marcha?
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