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04/08/2010
Carta Maior - 04 de Agosto de 2010
De forma realista e pragmática, uma operação militar no Irã, ou mesmo bombardeios aéreos a instalações nucleares que seriam identificadas como riscos, é inviável no atual quadro regional, uma vez que colocaria em xeque as retiradas no Iraque e no Afeganistão e sinalizaria novos engajamentos em um momento no qual a opinião pública dos EUA se mostra contrária a operações externas. Dentro da lógica ofensiva de certos setores, e da perspectiva indicada por Emmanuel Todd de “teatralização” dos conflitos e da necessidade de “bater no fraco por não poder enfrentar o forte”, é preciso avaliar que nem sempre as motivações que impelem os norte-americanos à guerra são aquelas que se encontram mais visíveis. O artigo é de Cristina Soreanu Pecequilo.
Cristina Soreanu Pecequilo *
No último dia 2 de agosto, o presidente Barack Obama anunciou oficialmente que as tropas de combate norte-americanas no Iraque iniciarão sua retirada a partir do dia 31 de agosto, com previsão de saída total até dezembro de 2011. O encerramento da Guerra do Iraque, uma das principais peças de campanha do então candidato, que a definia como a “guerra de escolha” que drenava recursos dos Estados Unidos (EUA) da “guerra da necessidade” contra o terrorismo no Afeganistão (e Paquistão), surge em um momento sensível da administração democrata.
Tal momento é simbolizado pela proximidade das eleições legislativas de meio de mandato de novembro de 2010, para a qual as pesquisas de opinião indicam perda da maioria democrata em pelo menos uma das casas do Legislativo (ou nas duas inclusive), pela desaceleração da economia dos EUA e de uma intensa batalha no campo da legislação para a imigração. A catastrófe ambiental da British Petroleum e o que alguns definiram como fraqueza do governo em lidar com o caso, associado ao vazamento de informações sobre a Guerra do Afeganistão no site Wikileaks, igualmente compõem este quadro.
Depois de algumas importantes vitórias como a aprovação da reforma do sistema de saúde e de bem estar, o avanço da reforma financeira e o lançamento da nova Grande Estratégia de Segurança Nacional, Obama encontra-se na defensiva pressionado não só pelos republicanos, mas pelas forças democratas, dentro e fora do gabinete.
A “confirmação” da retirada das tropas no Iraque representa uma tentativa de recuperar o poder de iniciativa de Washington, e recolocar o debate em termos mais favoráveis. Neste quadro, ainda se insere a prometida ofensiva na Guerra do Afeganistão, visando minar as forças da Al-Qaeda, estando subjacente a este esforço intensivo dos EUA e de seus aliados da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma projeção adicional de desengajamento militar, com início previsto para 2011 e término em 2014.
Mais do que motivadas por questões estratégicas, as retiradas com data programada respondem a necessidades políticas norte-americanas e, no caso do Afeganistão, às demandas dos aliados, que gradualmente já vem diminuindo sua participação na guerra (pressões internas, custos excessivos, desgaste eleitoral). No caso dos EUA, os processos de “Iraquização” e “Afeganização”, que correspondem na retórica à transferência de responsabilidades de defesa às tropas locais, remontam à experiência da “Vietnamização” da década de 1970, e da saída honrosa, sem derrota, de um cenário de instabilidade que permanece em aberto.
Paradoxalmente, porém, os ecos do Vietnã e de uma possível síndrome do Iraque ou do Afeganistão, e o questionamento dos porquês destas operações (em sua origem desenvolvimento e possível fim próximo) restringem-se aos setores mais críticos nos EUA, o que se repete pelo sistema internacional.
É questionável que estes cronogramas correspondam ao “sucesso” militar das operações no que se refere ao combate a focos de terrorismo, disseminação da democracia e consolidação de um cenário estável no Iraque e Afeganistão (ou especificamente no Iraque, o encerramento de um conflito “errado”). Estes rearranjos estratégicos de tropas norte-americanas, transitando do Oriente Médio à Eurásia respondem a um esgotamento duplo, político e militar, revelado na superextensão. Ao mesmo tempo, não se pode desconsiderar que o rearranjo esteja relacionado a um reposicionamento de presença, vide as declarações do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas dos EUA, Mike Mullen, de que existe uma opção militar de intervenção no Irã caso o país prossiga com seu programa nuclear. As declarações de Mullen foram realizadas menos de uma semana depois da Casa Branca ter anunciado que estaria disposta a retomar negociações com Teerã sobre a questão da proliferação, retomando o acordo tripartite conduzido por Brasil, Turquia e Irã.
Este acordo tem sido objeto de inúmeras idas e vindas na Casa Branca: inicialmente os esforços de Brasil e Turquia foram bem recebidos e incentivados por serem considerados essenciais para destravar o processo diplomático, concluído o acordo, contudo, o texto foi rejeitado pelos EUA que investiram em sanções unilaterais e via Conselho de Segurança das Nações Unidas, as quais se agregaram sanções da UE e, nas últimas semanas, sinalizações positivas ressurgiram no campo diplomático, as quais se seguiram às declarações de Mullen. As hipóteses de guerra no Irã são recorrentes em Obama tanto quanto foram em W. Bush, mesmo que sob um referencial diferente, proliferação nuclear e guerra contra o terror respectivamente, uma vez que respondem a pressões de grupos de interesse e à visão militarista e messiânica compartilhada por falcões republicanos e democratas.
A consequência destas oscilações de posições é o reforço preventivo da postura do Irã, respondendo ao seu estrangulamento na região, e o favorecimento de suas correntes radicais (em detrimento das forças reformistas que haviam alcançado grande relevância nos anos 1990 com Khatami e sua proposta do Diálogo das Civilizações). No cenário asiático, a despeito da diferença de tratamento e postura dos EUA diante da Coréia do Norte e seu programa de proliferação (vide as Conversações das Seis Partes que agregam EUA, Rússia, China, Japão, Coréia do Norte e Coréia do Sul em esforços multilaterais), resultado similar se observa, de maior fechamento do regime norte-coreano.
De forma realista e pragmática, uma operação militar no Irã, ou mesmo bombardeios aéreos a instalações nucleares que seriam identificadas como riscos, é inviável no atual quadro regional, uma vez que colocaria em xeque as retiradas no Iraque e no Afeganistão e sinalizaria novos engajamentos em um momento no qual a opinião pública dos EUA se mostra contrária a operações externas. Dentro da lógica ofensiva de certos setores, e da perspectiva indicada por Emmanuel Todd de “teatralização” dos conflitos e da necessidade de “bater no fraco por não poder enfrentar o forte” (Depois do Império, 2003), é preciso avaliar que nem sempre as motivações que impelem os norte-americanos à guerra são aquelas que se encontram mais visíveis.
Temas contundentes do Oriente Médio pelos quais passam o futuro deste cenário como a retomada do processo de paz Israel-Palestina surgem em segundo plano, invertendo a equação dos anos 1970 quando se avaliava que a estabilidade da região iniciava-se pela reinserção equilibrada de todos os Estados e povos pela acomodação, respeito e coexistência (e da qual resultaram acordos como Israel-Egito em Camp David e os Tratados de Oslo na década de 1990). Permanece um contexto de crises, no qual o desengajamento militar norte-americano de 2011, 2014 ou, eventualmente, um novo cronograma para novos conflitos, demonstra a volatilidade estratégica regional, e o vácuo diplomático e político de soluções mais duradouras, sujeitas às mudanças de compromisso e das prioridades dos atores envolvidos.
* Cristina Soreanu Pecequilo. Doutora em Ciência Política e Professora de Relações Internacionais
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