segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Contraponto 2976 - "O beco sem saída dos EUA no Afeganistão"

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09/08/ 2010
O beco sem saída dos EUA no Afeganistão

Carta Maior - 08/08/2010

A ambiguidade paquistanesa, por um lado, o bloqueio iraniano por outro, a reaparição de certa instabilidade no Iraque com a recusa dos xiitas – apoiados pelo Irã – em obedecer o resultado das eleições...Tudo se passa como se as guerras de Bush tivessem levado Barack Obama a um beco sem saída. Mas a verdade é que não existe, nem os Estados Unidos nem na Europa, uma reflexão alternativa que gere uma estratégia melhor sobre o terreno. Esse é, sem dúvida, o motivo pelo qual, mais por resignação que por convicção, a guerra do Afeganistão vai continuar como está até agora. O artigo é de Jean-Marie Colombani.

Jean-Marie Colombani *

O assunto dos documentos secretos sobre a Guerra do Afeganistão no período 2004-2009, publicados por Wikileaks, Guardian, Der Spiegel e New York Times, pode ser avaliado em função de três aspectos: as próprias revelações contidas nestes documentos, a atitude dos parceiros dos Estados Unidos na guerra e, talvez, sua possível influência na estratégia estadunidense para a região.

Como “revelações”, não há dúvida de que constituem um magnífico golpe jornalístico, mas não aportam nenhum elemento que transtorne por completa a idéia que podíamos ter do conflito afegão. Em 1973, o Washington Post publicou os extratos de um volumoso documento elaborado a pedido do ministro da Defesa, que permitiu estabelecer a origem da Guerra do Vietnã e mostrar que, desde o princípio, esse conflito tinha partido de bases falsas.

Os documentos obtidos pelo site Wikileaks não contém nada parecido: nos informam que as vítimas civis são provavelmente mais numerosas do que afirmam os balanços oficiais, que as autoridades afegãs são corruptas e que os serviços secretos paquistaneses mais utilizam os talibãs do que os combatem. Mas tudo isso já era conhecido e figurava inclusive em informes oficiais.

Por outro lado, pode-se estabelecer uma relação entre esses elementos e a mudança de estratégia estadunidense decretada por Barack Obama e que já está sendo implementada pelo general Petraeus (verdadeiro autor dessa mudança). A partir de agora a ordem é trabalhar para ganhar “corações e mentes”.

Mas é preciso levar em conta as repercussões políticas destas revelações. Como costuma acontecer, a publicação destes papéis pode servir para formar as opiniões e, em qualquer caso, suscita emoções que, por sua vez, se convertem em elementos da realidade política. Por isso foram reabertos os debates na Europa, em países onde a opinião pública rechaça há muito tempo a idéia da Guerra no Afeganistão. É o que acontece na Alemanha, por exemplo, onde freqüentemente se questiona a presença de quase 5 mil soldados alemães naquela região. Essa situação se complica ainda mais na medida em que, nos documentos, fica evidenciado o papel das forças especiais estadunidenses, que escapam de qualquer controle e que estão alojadas, em parte, em um acampamento militar do exército alemão.

Do mesmo modo, esse debate ressurgiu com força na Inglaterra, país onde a opinião pública ainda está impactada pelo “erro” (termo utilizado pelo vice-primeiro ministro, Nick Clegg) que justificou a participação inglesa na guerra do Iraque. Por esse motivo, foi feita a promessa de abrir e ampliar uma investigação parlamentar sobre os segredos da Guerra do Afeganistão, apesar de o governo ter se comprometido a retirar seus 9 mil soldados até 2015. Dependendo do resultado da investigação, o governo poderia ver-se obrigado a antecipar essa data de retirada. O primeiro país a anunciar sua saída foi a Holanda, cujos 2 mil soldados já começaram a se retirar. Na França, a comoção é menor. Salvo pela tomada de posição de um ex-ministro de Defesa socialista, Paul Quilès, que exigiu a retirada das tropas francesas, não ocorreu nada que seja comparável ao que, há dois anos, seguiu-se à morte de 10 soldados franceses em uma emboscada.

Os olhares agora estão muito mais dirigidas aos Estados Unidos, onde a publicação destes documentos ocorre em um momento em que se multiplicam as dúvidas sobre a estratégia estadunidense para a região. Ocorreu um debate muito enérgico no Congresso, concluído com a aprovação, por grande maioria, da renovação dos fundos para a guerra. Em troca, muitos se preocupam se os Estados Unidos já não se encontram em uma situação impossível.

É evidente que, no essencial, trata-se de uma estratégia herdada de George W. Bush. Lembremos que este último inventou a ameaça das armas de destruição em massa no Iraque para justificar o começo da guerra neste país, apesar de se saber que uma boa parte das bases de apoio da Al Qaeda estavam não só no Afeganistão, mas também no Paquistão, que segue sendo o epicentro e o calcanhar de Aquiles dos Estados Unidos. Os norteamericanos esperam que os paquistaneses intensifiquem sua luta contra os talibãs. Mas está claro que o Paquistão pensa muito mais no que acontecerá depois da guerra e tenta antecipar-se controlando uma parte do país que, é de imaginar, no futuro estará repartido entre a influência do Paquistão, por um lado, e do Irã, por outro. Não é de se estranhar, portanto, que os serviços secretos paquistaneses sigam apoiando por completo ou em parte os talibãs, ao mesmo tempo que concedem, aqui e ali, algumas detenções ou eliminações cuja veracidade sequer pode ser comprovada.

O primeiro ministro inglês David Cameron cometeu uma gafe ao exigir do Paquistão que escolhesse um lado, sem distinguir, como deveria ter feito, entre o governo civil e o aparato militar, provocando uma crise diplomática com Islamabad. Cameron fez a declaração na Índia, onde estava em viagem oficial. O Exército paquistanês tem uma única obsessão: impedir qualquer influência da Índia e, de modo mais geral, qualquer avanço da Índia na região.

A hipótese paquistanesa, por um lado, o bloqueio iraniano por outro, a reaparição de certa instabilidade no Iraque com a recusa dos xiitas – apoiados pelo Irã – em obedecer o resultado das eleições...Tudo se passa como se as guerras de Bush tivessem levado Barack Obama a um beco sem saída. Mas a verdade é que não existe, nem os Estados Unidos nem na Europa, uma reflexão alternativa que gere uma estratégia melhor sobre o terreno. Esse é, sem dúvida, o motivo pelo qual, mais por resignação que por convicção, a guerra do Afeganistão vai continuar como está até agora.

* Jean-Marie Colombani foi diretor do Le Monde. Artigo publicado originalmente no jornal “El País”, de Madri.

Tradução: Katarina Peixoto
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