quarta-feira, 21 de março de 2012

Contraponto 7639 - "Campello: 'Brasil Sem Miséria' deve superar partidarismo"


Por Marco Antonio L.

Do Valor Econômico

Governos de oito Estados e DF embarcam no plano Brasil sem Miséria

Tereza Campello: “O Brasil sem Miséria tem cada vez mais peso no governo; de tudo que o Mantega fala, 50% é sobre social”

Luciano Máximo | Valor

Em acordos fechados nos últimos seis meses com o governo federal, oito Estados e o Distrito Federal colaram a marca de seus programas de transferência de renda no Bolsa Família como forma de garantir que os benefícios recebidos fiquem acima de R$ 70 per capita mensal, marca que delimita a situação de pobreza extrema no país. Para a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, a superação de diferenças políticas e a construção de uma unidade em torno dessa agenda social são as marcas mais expressivas do Brasil sem Miséria, plano em vigor desde junho de 2011 com a missão de tirar 16,2 milhões de brasileiros da extrema pobreza até 2014.

p>A adesão dos Estados ao plano, comemora a ministra, atingirá cerca de 4 milhões de pessoas nesses Estados nos próximos três anos, o que representa 25% da meta final. "É um grande esforço político que garante a superação da pobreza extrema sob a óptica da renda e ajuda a unificar as ações governamentais de inclusão voltadas à educação, saúde, ao consumo", avalia Tereza.

O Brasil sem Miséria está baseado nas políticas de transferência de renda do Bolsa Família e, agora, dos Estados. A ministra destaca que o plano tem cada vez mais importância dentro do governo, a ponto de situar a agenda social como um dos principais pilares do desenvolvimento econômico do país. "40%, 50% de tudo que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fala é sobre social e sua importância para o crescimento do país."

Além do aspecto da transferência de renda, o Brasil sem Miséria está sustentado em maciças ações de qualificação profissional nas cidades e projetos de inclusão produtiva de pequenos agricultores. Das 8 milhões de vagas em cursos profissionalizantes previstas no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), o público do Brasil sem Miséria terá direito a 1 milhão delas, o que configura um dos maiores desafios do plano: até agora apenas 82 mil vagas foram contratadas.

"Estamos aprendendo, o Brasil nunca teve a experiência de ofertar cursos profissionalizantes para uma população extremamente pobre. O MEC sempre trabalhou com alfabetização de jovens e adultos, professores nunca deram aula para um público com esse perfil", reconhece Tereza. Dos 16,2 milhões de brasileiros extremamente pobres, 26% deles (com 15 anos ou mais) são analfabetos e mais da metade não concluiu o ensino fundamental.

Na entrevista a seguir, a economista paulista Tereza Campello, que fez carreira nos governos petistas do Rio Grande do Sul, admite que o governo federal não é capaz de dar conta da ascensão social de todos os enquadrados no Brasil sem Miséria sem o envolvimento de Estados e municípios e também aborda o desempenho do plano nas áreas rurais do país.

Valor: O atual modelo brasileiro de transferência de renda, baseado no Bolsa Família, vai completar uma década neste ano. Em vigor há nove meses, o plano Brasil sem Miséria já deixou alguma marca?

Tereza Campello: O Brasil sem Miséria tem algumas ideias que reorganizam toda nossa política social. Associa essa agenda diretamente ao desenvolvimento econômico. Não será naturalmente que vamos conseguir superar a pobreza extrema no país. Não basta só crescer para que os 16,2 milhões de brasileiros nessa condição sejam incluídos. Nesse sentido, o Brasil sem Miséria estrutura um conjunto de ações aliado à transferência de renda: no ambiente urbano há um plano de qualificação profissional e inserção no mercado de trabalho; no rural, o foco é a assistência técnica para a inclusão produtiva atrelada ao forte poder de compra do Estado.

Valor: O que é novo nessa ideia?

Tereza: O pensamento de primeiro crescer para depois distribuir o bolo ficou para trás, é um antigo debate econômico sobre o Estado forte, desenvolvimentista. Se o país cresce, obviamente vai gerar empregos e incluir, mas não é uma tese compatível com um projeto sólido de desenvolvimento econômico com inclusão. A novidade é a ideia de que incluir faz o país crescer. A presidenta Dilma diz que precisamos dos 190 milhões de brasileiros para o país continuar crescendo. Os 16 milhões na pobreza extrema estão nessa conta, mas não são alcançados pelo crescimento por diversas razões: são pessoas mais vulneráveis, ao longo de toda vida tiveram menos acesso à saúde, educação, qualificação profissional, menos tempo no mercado de trabalho. A inclusão de milhões e milhões de brasileiros nos últimos anos permitiu que o Brasil não descesse tão fundo na crise de 2008 e também que a gente saísse mais rápido dela. Então, transferência de renda deixa de ser só uma estratégia de desenvolvimento social e passa a ser uma estratégia de desenvolvimento econômico. Isso é novo e tem uma aceitação natural. Os empresários não acham isso estranho, acreditam que o Brasil sem Miséria é socialmente justo e bom para o desenvolvimento econômico do país.

"Todo mundo quer grudar no Bolsa Família, então dividimos o cartão com o programa de renda de cada Estado''
Valor: Como essa "nova" visão é vista pela equipe econômica?

Tereza: Nas palestras que costuma fazer para investidores, empresários, membros do governo, 40%, 50% de tudo que o ministro Guido Mantega fala é sobre a agenda social do governo. Quando o assunto é crédito imobiliário, obrigatoriamente ele fala do crédito popular como agenda impulsionadora da indústria da construção civil. No Orçamento da União os quatro principais gastos são saúde, educação, Bolsa Família e Previdência Social, depois vêm infraestrutura e outras áreas. O centro do gasto social tem um elemento estratégico para o desenvolvimento econômico. Isso é novo, como é novidade ter uma ministra economista no Desenvolvimento Social e um ministro da Fazenda falando do social como agenda estratégica para o crescimento, não um mero discurso para resolver conflitos, como era no passado.

Valor: No início, o Bolsa Família enfrentou rejeição em alguns Estados por causa de questões políticas e partidárias. Como está a aceitação do Brasil sem Miséria?

Tereza: Aconteceram três movimentos importantes: todos os governadores aderiram ao plano, sem exceção. Nos últimos seis meses fechamos acordos com nove Estados [AP, DF, ES, GO, MT, RJ, RO, RS e SP] - e outros dois estão estudando [AM e BA] - para a complementação estadual do Bolsa Família, garantindo que a renda per capita familiar fique acima dos R$ 70 da marca da pobreza extrema. Além disso, governo federal, Estados e municípios estão unificando suas bases de dados, o que representa ganho enorme de gestão.

Valor: Os Estados colocam recursos próprios no Brasil sem Miséria?

Tereza: Não, usam seus próprios programas de transferência de renda para complementar o que falta para o Bolsa Família tirar a família da pobreza extrema na perspectiva de renda. A média de benefícios do Bolsa Família é de R$ 119, e se uma família tem muitos filhos, seu benefício final fica abaixo dos R$ 70 per capita. Os Estados estão entrando para completar o hiato ou ampliá-lo para R$ 80, como é o caso de Amapá e Rondônia, ou para R$ 100, exemplo do programa Renda Melhor, do governo do Rio de Janeiro. Já Espírito Santo e Rio Grande do Sul estão contribuindo com R$ 50 fixos.

Valor: Politicamente isso não acaba sendo mais vantajoso para o governo federal?

Tereza: O Bolsa Família é uma grife reconhecida no mundo todo e todo mundo quer grudar nele. Criamos um espaço político para evitar esse tipo de interpretação. Dividimos o cartão com o programa de renda de cada Estado. Mas o principal é que criamos unidade em torno do combate à miséria e estamos unificando cadastros. Tem gente em São Paulo que recebia o Renda Cidadã, gente que recebia o Bolsa Família, gente que recebia os dois, e nem nós nem o governo estadual sabíamos disso. Isso é uma tragédia do ponto de vista de gestão pública, um grande ônus. Cada informação que município, Estado e União compartilham significa conhecer a real situação da família e trabalhar a partir de uma única ferramenta de gestão para ajudar a melhorar sua vida. Essa mobilização é boa para todo mundo, para o [governador de São Paulo] Geraldo Alckmin, Alagoas e a União.

Valor: Além do aspecto renda, como está esse alinhamento para pôr o Brasil sem Miséria em prática?

Tereza: No contexto urbano, o governo federal não dá conta sozinho de implementar o plano. Estados e prefeituras têm que intervir. Organizar a população localmente, saber quem está apto a ser qualificado e para que áreas gerar vagas de emprego são os maiores desafios. O Brasil sem Miséria tem 1 milhão de vagas em cursos profissionalizantes reservadas no Pronatec. Vamos pagar os cursos, mas isso é o que menos importa. Interessa é que os programas tenham vínculo com a realidade. Por isso estamos sentando com Estados e municípios que têm obras, indústrias chegando, vamos mobilizar a rede Sine [Sistema Nacional de Emprego] e o Sistema S para abrir os cursos de qualificação certos.

Valor: A partir disso, quanto tempo leva para os beneficiados entrarem em sala de aula?

Tereza: Estamos fazendo algo prático. Em novembro do ano passado fizemos uma grande rodada de conversas em Brasília com todos os Estados, 160 municípios e o Sistema S. Discutimos quantas vagas para qualificação profissional estão disponíveis no país, com o Sistema S controlando a grade de ofertas. Há cursos para o nosso público, outros que não servem e alguns que precisam ser adaptados. Um exemplo: hoje exige-se nível médio para cursos de pintor e jardineiro. Isso exclui a maioria dos beneficiados do Brasil sem Miséria.

Valor: Como resolver isso?

Tereza: O Brasil de hoje não permite essa situação. Como antes sobrava mão de obra exigia-se escolaridade elevada para essas funções. Com alguma aptidão, sabendo ler e escrever, tendo noções de aritmética, uma pessoa pode ser um bom auxiliar de cozinha, pintor ou jardineiro, levando em conta um curso adequado. Os programas precisam ser adaptados para um público de baixa escolaridade, muitos analfabetos. Dos 16 milhões do Brasil sem Miséria, 55% são adultos e a grande maioria tem ensino fundamental incompleto, gente que pisou pela última vez na escola há 30 anos.

Valor: Essas adaptações já estão em marcha?

Tereza: O Brasil nunca teve a experiência de atuar maciçamente com oferta de cursos profissionalizantes para uma população extremamente pobre. O MEC trabalhava com alfabetização de jovens e adultos. Além do desafio de mobilizar localmente esse pessoal, estamos modificando currículos e conteúdo, remodelando materiais. As aulas para os beneficiados do Brasil sem Miséria terá carga maior de português e matemática, os alunos terão acolhida diferente, serão recepcionados por assistentes sociais dos municípios. Isso ocorrerá porque é um público mais frágil, o risco de evasão é alto.

Valor: O Brasil sem Miséria vai conseguir preencher 1 milhão de vagas do Pronatec até 2014?

Tereza: Estamos aprendendo, tem coisa rolando. Fizemos alguns cursos que serviram como prova. Não é simples abrir 1 milhão de vagas. Não queremos abrir um monte de vagas de manicure, cabeleireiro, embora sejam profissões com demanda. Estamos em contato com Estados e municípios e também com associações empresariais para conhecer melhor o que o mercado precisa. Estamos com 82 mil vagas contratadas, com aulas iniciadas em março. Vamos contratar mais vagas para o resto do ano.

Valor: O combate à pobreza extrema avança mais no campo?

Tereza: A principal estratégia em áreas rurais é também aumentar a qualificação profissional - não dando cursos, mas assistência técnica continuada. Às vezes colocar um profissional da Embrapa por um dia na roça de feijão do agricultor pobre é mais eficiente que levá-lo para uma capacitação na Embrapa. Cada técnico acompanhará cem famílias durante dois anos. Até 2014, 250 mil famílias - cerca de 1 milhão de pessoas - serão beneficiadas e poderão receber recursos do Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais [até R$ 2,4 mil por família]. O técnico avaliará se o agricultor precisa do dinheiro, para construir um poço, comprar uma vaca ou construir uma cerca, atividades que permitam que ele entre num processo de aumento e regularização de sua produção e, por fim, venda para o governo pelo PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar].

Valor: Há avanços concretos?

Tereza: Com o PAA organizamos as compras públicas privilegiando os agricultores pobres. Até 2011, comprava-se deles R$ 600 milhões, este ano vamos comprar mais de R$ 1 bilhão. Tínhamos 66 mil de agricultores familiares pobres vendendo para o PAA, este ano vamos chegar a 139 mil. A aceleração se deve à aplicação de mais recursos, forte articulação com Estados e municípios, o que não ocorria antes. Governos estaduais e prefeituras passaram a ser parceiros para melhorar a capilaridade. Também estamos melhorando a gestão (os agricultores que vendem para o governo terão cartão bancário e receberão em conta corrente) e trabalhando com a rede assistência social na distribuição dos alimentos em escolas, creches, hospitais e aos beneficiários do Brasil sem Miséria.

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