terça-feira, 10 de abril de 2012

Contraponto 7813 - "Como Deus emerge no processo evolucionário?

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10/04/2012
Como Deus emerge no processo evolucionário?

Do Jornal O Povo - 09/04/2012 - 01h30

"A ideia de Deus surge quando colocamos a questão: o que havia antes do big bang? Quem deu o impulso inicial? O nada? Mas do nada nunca vem nada"


Leonardo Boff*

A nova cosmologia, derivada das ciências do universo, da Terra e da vida, vem formulada no arco da evolução ampliada. Esta evolução não é linear. Conhece paradas, recuos, avanços, destruições em massa e novas retomadas. Mas, olhando-se para trás, o processo mostra uma direção: para frente e para cima.

Somos conscientes de que renomados cientistas se recusam a aceitar uma direcionalidade do universo. Ele seria simplesmente sem sentido. Outros, cito apenas um, como o conhecido físico da Grã-Bretanha Freeman Dyson, que afirma: “Quanto mais examino o universo e estudo os detalhes de sua arquitetura, tanto mais evidências encontro de que ele, de alguma maneira, deva ter sabido que estávamos a caminho”.

De fato, olhando retrospectivamente o processo evolucionário que já possui 13,7 bilhões de anos, não podemos negar que houve uma escalada ascendente: a energia virou matéria, a matéria se carregou de informações, o caos destrutivo se fez generativo, o simples se complexificou, e de um ser complexo surgiu a vida e da vida a consciência. Há um propósito que não pode ser negado. Efetivamente, se as coisas em seus mínimos detalhes, não tivessem ocorrido como ocorreram, nós humanos não estaríamos aqui para falar dessas coisas.

Escreveu com razão o conhecido matemático e físico Stephen Hawking em seu livro Uma nova história do tempo (2005): “Tudo no universo precisou de um ajuste muito fino para possibilitar o desenvolvimento da vida. Por exemplo, se a carga elétrica do elétron tivesse sido apenas ligeiramente diferente, teria destruído o equilíbrio da força eletromagnética e gravitacional nas estrelas e, ou elas teriam sido incapazes de queimar o hidrogênio e o hélio, ou então não teriam explodido. De uma maneira ou de outra, a vida não poderia existir”.

Como emerge Deus no processo cosmogênico? A ideia de Deus surge quando colocamos a questão: o que havia antes do big bang? Quem deu o impulso inicial? O nada? Mas do nada nunca vem nada. Se apesar disso apareceram seres, é sinal de que Alguém ou Algo os chamou à existência e os sustenta no ser.

O que podemos sensatamente dizer é: antes do big bang existia o Incognoscível e vigorava o Mistério. Sobre o Mistério e o Incognoscível, por definição, não se pode dizer literalmente nada. Por sua natureza, eles são antes das palavras, das energias, da matéria, do espaço e do tempo.

Ora, o Mistério e o Incognoscível são precisamente os nomes que as religiões e também o Cristianismo usam para significar aquilo que chamamos Deus. Diante dele mais vale o silêncio que a palavra.

Não obstante, Ele pode ser percebido pela razão reverente e sentido pelo coração como uma Presença que enche o universo e faz surgir em nós o sentimento de grandeza, de majestade, de respeito e de veneração.

Colocados entre o céu e a terra, vendo as miríades de estrelas, retemos a respiração e nos enchemos de reverência. Naturalmente nos surgem as perguntas: Quem fez tudo isso? Quem se esconde atrás da Via-Láctea? Como disse o grande rabino Abraham Heschel de Nova York: “Em nossos escritórios refrigerados ou entre quatro paredes brancas de uma sala de aula podemos dizer qualquer coisa e duvidar de tudo. Mas, inseridos na complexidade da natureza e imbuidos de sua beleza, não podemos calar. É impossível desprezar o irromper da aurora, ficar indiferente diante do desabrochar de uma flor ou não quedar-se pasmado ao contemplar uma criança recém-nascida”. Quase que espontaneamente dizemos: foi Deus quem colocou tudo em marcha. É Ele a Fonte originária e o Abismo alimentador de tudo.

Outra questão importante é esta: o que Deus quer expressar com a criação? Responder a isso não é preocupação apenas da consciência religiosa, mas da própria ciência. Sirva de ilustração o já citado Stephen Hawking, em seu conhecido livro Breve história do tempo (1992): “Se encontrarmos a resposta de por que nós e o universo existimos, teremos o triunfo definitivo da razão humana; porque, então, teremos atingido o conhecimento da mente de Deus”(p. 238). Até hoje os cientistas estão ainda buscando o desígnio escondido de Deus.

A partir de uma perspectiva religiosa, sucintamente, podemos dizer: o sentido do universo e de nossa própria existência consciente parece residir no fato de podermos ser o espelho no qual Deus mesmo vê a si mesmo. Cria o universo como desbordamento de sua plenitude de ser, de bondade e de inteligência. Cria para fazer outros participarem de sua suberabundância. Cria o ser humano com consciência para que ele possa ouvir as mensagens que o universo nos quer comunicar, para que possa captar as histórias dos seres da criação, dos céus, dos mares, das florestas, dos animais e da próprio processo humano e religar tudo à Fonte originária de onde procedem.

O universo está ainda nascendo. A tendência é acabar de nascer e mostrar as suas potencialidades escondidas. Por isso, a expansão significa também revelação. Quando tudo tiver se realizado, então se dará a completa revelação do desígnio do Criador.



*Leonardo Boff. Teólogo/Filósofo lboff@leonardoboff.com
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