sábado, 23 de junho de 2018

Nº 24.450 - "Contra a chicana jurisdicional. Por Eugênio José Guilherme de Aragão"

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23/06/2018

Contra a chicana jurisdicional. Por Eugênio José Guilherme de Aragão

Do Diário do Centro do Mundo  -  23 de junho de 2018  Publicado por Larissa Bernardes

.................................................................................................Lula já está preso há mais de 60 dias


Por EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃO, ex-ministro da Justiça

Resultado de imagem para EUGÊNIO JOSÉ GUILHERME DE ARAGÃOO Brasil foi ontem surpreendido com uma repentina guinada processual no calvário imposto ao Presidente Lula por conta da quimera do Guarujá. Estava, o tribunal regional federal da 4.ª Região, há mais de cinquenta dias, a atrasar o juízo de admissibilidade sobre os recursos especial e extraordinário, interpostos ao STJ e ao STF, respectivamente, do julgamento fulminante da apelação em janeiro passado. Só com muita grita, o presidente daquela corte resolveu, depois de mais de quarenta dias com a papelada dormitando em seu disco virtual, abri-la ao ministério público para seu óbvio parecer, pela recusa do seguimento dos recursos, é claro. E, agora, já pautado pedido cautelar na 2.ª Turma do STF, para antecipar o longevo juízo de admissibilidade, a vice-presidente do trf resolve acordar de seu longo sono de bela-adormecida e, ainda bocejante, proferir sumário despacho de não admissão do recurso extraordinário. O recurso especial, é verdade, foi admitido, pois, no STJ, ao qual se destina, a mesma cautelar de antecipação do juízo de admissibilidade havia sido já barrada monocraticamente pelo relator.

Mas aí que está a esperteza, o ardil desleal. Diferentemente do que ocorreu no STJ, no STF, o relator, ainda que tenha negado a liminar para conferir efeito suspensivo ao recurso extraordinário, submeteu o pedido à Turma. O pedido cautelar estava para ser julgado na próxima terça feira, dia 26 de junho. Não há como deixar de constatar que o repentino despertar do tribunal convenientemente dorminhoco do sul se deveu unicamente ao intento de frustrar o julgamento da cautelar. É evidente que, para bloquear o caminho do pedido, que se prendia ao prospectivo julgamento do recurso extraordinário, esse recurso não foi admitido. Mais uma vez, a defesa do Presidente Lula é obrigada a segurar na brocha, com a escada fechada em última hora pela matreira jurisdição.

Impressionam essas andanças do trf. Em janeiro, às carreiras, em pleno recesso das cortes superiores que pudessem exercer alguma ação disciplinadora, o tribunal resolve pautar a apelação da sentença condenatória, proferida sem qualquer prova robusta, no já famigerado caso do Tríplex do Guarujá. Passa o processo à frente de algumas dezenas de outros, sugerindo que o interesse público demandaria fosse o feito julgado sem delonga. Acertados os votos dos julgadores na turma – tão ajustados que, no dizer do jornalista Luís Nassif, pareceriam jogral dos três sobrinhos do Pato Donald – agravou-se a pena do Presidente Lula. Houve embargos. Houve pedidos às cortes superiores para impedir a quase certa prisão. Houve ouvidos moucos. Ninguém queria ou ousava impedir essa prisão, calcada numa agressão evidente à Constituição, que determina a presunção de inocência até o esgotamento de todos os recursos. E, como era prevista, a prisão se deu a toque de caixa, tão logo rejeitados os embargos e antes mesmo de sua publicação. No melhor estilo bá-buf!

Depois… ah, depois! Depois veio o longo inverno. O Presidente Lula, preso já há mais de sessenta dias, indicado candidato à Presidência da República por seu partido e na “pole position” em todas as pesquisas eleitorais, é impedido de se articular, dar entrevistas, participar de debates com seus concorrentes, submetido à desvantagem compulsória por juízes caprichosos. Atrás do palco, ouvem-se vozes jurisdicionais a ameaçarem-no com inusitado indeferimento liminar do registro de sua candidatura se ousar querer concorrer. E ninguém tem pressa agora. Não querem adentrar o mérito da condenação engendrada antes das eleições. Sabem-no inocente, sabem que a quimera do Guarujá não se sustenta à luz do quadro probatório, sabem que foi julgado por um juiz tagarela, parcialíssimo, mas mantêm-no preso para não participar das eleições.

O trf esticou a corda ao máximo. Segurou o juízo de admissibilidade pelo tempo que pôde e só soltou a rapadura quando se abriu a perspectiva de o STF tomar a si a competência. Aí, novamente, como menino travesso, o tribunal a quo aumentou o ritmo para não levar bronca do professor.

Enquanto isso, o dito professor tem se portado com espantosa leniência. A presidente do STF não se fez de rogada e declarou, em convescote empresarial, que não se podia dar ao Presidente Lula tratamento diferenciado. Logo, não haveria qualquer consideração urgente de seu caso. Ora, ora! Tratamento diferenciado é o que sempre lhe deram, com a imprensa no pescoço. O interlúdio da pressa oportunista e do vagar maroto para impedir qualquer atuação eficiente da defesa, as declarações públicas de juízes e procuradores sobre seu caso, os pré-julgamentos lançados na mídia por alguns que ainda poderão dizer sobre sua situação jurídica, tudo isso denota, sim, um tratamento completamente fora do padrão. Mais ainda: a própria presidente do STF esmerou-se à vista de todos em não pautar ações declaratórias de constitucionalidade que pudessem reestabelecer o primado do princípio da presunção de inocência. E o fez claramente para que o Presidente Lula não pudesse se beneficiar de eventual reposicionamento jurisprudencial.

Quando anunciaram que a 2.ª Turma do STF poderia vir a reexaminar a prisão do Presidente Lula ao julgar o pedido cautelar de antecipação do efeito suspensivo do recurso extraordinário interposto, a maioria de brasileiras e brasileiros com discernimento, leigos ou não, reagiram com muito cuidado, com medo de demonstrar esperança, pois, num quadro em que o judiciário se porta de forma tão tortuosa, a decepção era quase certa. E foi: em pouco mais de quarenta minutos depois de vir a público o despacho da vice-presidente do trf, negando admissão ao recurso extraordinário, solta-se despacho do relator do pedido cautelar, julgando-o prejudicado e frustrando seu conhecimento pela 2.ª Turma do STF, já pautado para terça feira próxima. Como conseguem ser tão previsíveis nas suas manigâncias!

O timing do despacho que extingue o pedido cautelar sugere que o jogo foi combinado. Afastaram dos ministros do STF um amargo cálice. Na undécima hora, preservaram-nos de terem que decidir se soltassem o Presidente Lula ou não. Ninguém disfarça. E, no entanto, a extinção do pedido cautelar não é um corolário necessário da decisão que deixou de admitir o recurso extraordinário. O próprio STF tem decidido que, proferido o juízo de admissibilidade, positivo ou negativo, instaura-se a instância ad quem. Diante da evidente manobra do trf, deveria o STF reagir e manter a pauta, pois magistrados finórios não merecem ser homenageados com a retração da instância que lhes pode colocar freios. E, para manter a pauta, bastava se socorrer do princípio da fungibilidade dos meios recursais, prevalente em nosso processo penal, e receber o pedido cautelar já como agravo de instrumento, para forçar a subida do recurso extraordinário. Poderia dar prazo de até vinte e quatro horas para a defesa se manifestar e garantir o julgamento na terça feira. É o mínimo que se esperaria de um Tribunal Supremo a quem incumbe zelar pelo respeito aos direitos fundamentais, notadamente o do devido processo legal, o do julgamento justo e o da duração razoável do processo, pois, do contrário, ao se frustrar a pauta, qualquer nova decisão sobre a admissibilidade ficará para agosto, depois do recesso judicial. Até lá, prolongar-se-á o calvário do Presidente Lula, preso em afronta à Constituição.

Ainda é tempo. Pode e deve a defesa pedir reconsideração para manter a pauta, mas a pergunta que não quer calar é: o STF se dobrará à chicana ou colocará ordem no processo para devolver a respeitabilidade à tão abalada justiça brasileira? As próximas horas o dirão.

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