20/02/2010
Onde está a direita no Brasil?
Carta Maior 20/02/2010
Emir Sader*

Parece que se teria criado um consenso progressista tão forte, que mesmo a oposição teria que incorporar teses centrais do governo. Seria isso? Ou a direita teria se camuflado atrás de um candidato que tem uma imagem não direitista? Ou o governo Lula incorporou as teses centrais da direita, neutralizando-a?
Nem uma coisa, nem outra. Quem olha para o campo de enfrentamento político e ideológico, quem olha a imprensa brasileira, quem conversa com as pessoas, se dá conta de quanto a direita conseguiu conquistar espaços e mentes no Brasil de hoje.
A direita política está enfraquecida, seus partidos debilitados, provavelmente devem sofrer uma derrota grave nas eleições deste ano. No entanto, contam com o monopólio privado da mídia, que comanda, de forma antidemocrática, a formação da opinião pública. Conta com um grande poder econômico, tantos no sistema bancário, quanto nas grandes empresas internacionalizadas e nas exportadoras.(O grifo em verde negritado é do ContrapontoPIG)
Mas, principalmente, onde mais avançou a direita no Brasil foi no plano dos valores, no estilo de vida fundado no consumo, que a influência da direita – que no nosso tempo é neoliberal, mercantil. O “modo de vida norteamericano”, centrado no consumo, no shopping-center, nas marcas, no marketing, no mercado. No individualismo consumista, na visão da ascensão individual, mediante a disputa no mercado, para ter acesso a bens de consumo.
Essa visão se construiu ao substituir o consenso surgido na luta democrática contra a ditadura. Esta esvaziou o impulso democratizador com o fracasso do governo Sarney em fazer da transição algo mais do que o restabelecimento institucional da democracia liberal, sem afetar as relações de poder econômico, social e midiático.
Os governos Collor, Itamar e FHC promoveram a construção de um novo consenso, contra a política, contra o Estado, a favor do consumo e do mercado, privilegiando o individualismo no lugar das soluções coletivas. Ao longo dos anos 90 o consenso nacional foi se tornando conservador, seja por reafirmar teses liberais como a do Estado mínimo e da exaltação do mercado, seja por pregar que a ascensão social é um processo individual e se dá via mercado.
Serra não é o candidato dos sonhos da direita brasileira, que preferiu Alckmin, um neoliberal duro e puro, há quatro anos. A força de Serra para convencê-los de que seria o homem para impedir a continuidade do governo Lula, foi a sua continuada liderança nas pesquisas. Qualquer via seria boa para tentar retomar o controle do Estado brasileiro. Além disso, a direita empresarial, política e midiática se deu muito bem com Serra como governador de São Paulo, com a continuidade de todos os planos de privatização que haviam sido colocados em prática nos governos tucanos anteriores.
Serra manifesta, ainda que às vezes de maneira camuflada, suas diferenças com o governo, que se centram nos gastos estatais, na política externa de alianças com o Sul do mundo e nas políticas sociais. Na campanha – caso se confirme como candidato – tentará a todo custo a polarização entre continuação e aprofundamento do governo atual ou retomada de projetos do governo FHC. Mas disso se trata. Daí o forte caráter plebiscitário que a eleição ganha, independentemente de quem prefira ou tente rejeitá-lo. E é um plebiscito entre direita e esquerda.
*Emir Sader. Sociólogo e cientista político
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