Contraponto 1896 - Parabéns Fortaleza

.
13/04/2010

13 de Abril
Dia da Cidade de Fortaleza

13 de Abril
Dia da Cidade de Fortaleza

Célvio Brasil Girão
(Engº. Agrônomo e Estudioso da História do Ceará)
celvio@globo.com


Tenta-se mais uma vez induzir a Câmara Municipal de Fortaleza a aprovar a mudança da data do Aniversário da Cidade, estabelecendo o 25 de julho de 1604, data do início da contrução do Forte de São Tiago por Pero Coelho de Sousa na Barra do Ceará. Quais razões motivam o descabido ‘revisionismo’ histórico? Desejo de notoriedade e exposição na mídia, interesse eleitoreiro, partidário ou de outra natureza, por parte dos proponentes? A Câmara Municipal de Fortaleza não pode embarcar nessa ‘canoa furada’, nessa falácia, nesse delírio aventureiro de pseudopesquisadores da História do Ceará. A Imprensa local noticia novo pedido de uma audiência pública para o reexame do assunto.

Lembremo-nos que na legislatura anterior, a argumentação utilizada –- uma versão histórica, resultante da ação de evidente indigência intelectual e de uma megalomania delirante e fantasiosa, sobre o desenvolvimento da cidade de Fortaleza a partir da Barra do Ceará –- foi duramente contestada pelos historiadores, geógrafos e estudiosos da matéria, presentes à audiência pública que precedeu a Sessão de 11 de novembro de 2008, na qual a maioria expressiva dos vereadores votou acertadamente pela não aceitação da mudança da data e, conseqüentemente, contra o projeto de lei apresentado à época.

O Fortim de São Tiago construído por Pero Coelho de Sousa em 1604 teve vida efêmera, sendo substituído pelo Forte de São Sebastião, levantado sobre os escombros do primeiro em 1612 por Martim Soares Moreno, tendo este último permanecido sob o domínio português até 1637. Neste último ano, com a denominação de Forte do Siara (Arx in Siara), passou ao domínio dos holandeses quando da primeira invasão flamenga, passando estes a comandá-lo até 1644, ano em que foi totalmente destruído por uma revolta da indiada. Esta revolta transformou a cidadela em escombros, deixando mortos todos os seus ocupantes batavos, encerrando-se aí o círculo histórico da fortificação da Barra do Ceará, sem que dela tenha advindo qualquer povoamento que, no futuro, viesse a se transformar em Vila ou muito menos em Cidade.

Pode-se afirmar com toda isenção e segurança que a margem direita do rio Ceará foi palco de sucessivas tentativas de colonização do Ceará, porém todas fracassaram: a começar por Pero Coelho de Sousa (1603-1606), depois pelos jesuítas Francisco Pinto e Luís Figueira (1607-1608), mais tarde pelo Capitão-mor Martim Soares Moreno (nos períodos de 1612-1613 e 1621-1631) e seus sucessores e, por fim, entre 1637 e 1644, pelo holandês Gedeon Morris de Jonge, na já referida primeira ocupação flamenga. De 1644 a 1649 ficou o Ceará totalmente despovoado de qualquer europeu ou iniciativa civilizatória. Neste último ano é que aqui aportou Matias Beck para plantar, à margem esquerda do riacho Pajeú, a semente daquilo que viria a se transformar na futura cidade de Fortaleza. Pela segunda vez o território cearense era ocupado pelos filhos dos chamados Países Baixos, a serviço da Companhia das Índias Ocidentais.

É erro histórico grosseiro, mistificação ou má-fé confundir aquelas malogradas experiências ou tentativas de colonização ocorridas na margem direita do rio Ceará e o posterior nascimento e em outro local (margem esquerda do riacho Pajeú, bem mais ao leste daquele, no entorno do Forte Schoonenborch), do povoado que viria a se transformar, nos dias atuais, na quinta cidade brasileira em população, a nossa Fortaleza, a “Loira desposada do Sol”, no conhecido epíteto de Paula Ney.

Vejamos o que escreve o Mestre Thomaz Pompeu Sobrinho no Prefácio ao livro Matias Beck – Fundador de Fortaleza, de Raimundo Girão, Coleção História e Cultura nº 5 do Instituto do Ceará, de 1961: “Um documento de 1645 diz que o Ceará (barra do Ceará) é ‘hua Praça dezerta abbitada ssó de gentios’. No ano seguinte, o Capitão-mor para ela nomeado em vez de ir tomar posse do seu cargo ‘embarcou-se para o Rio de Janeiro’. Em 1648, pretendeu-se mandar guarnecer o Ceará, mas a caravela que fora a este fim perdeu-se.”

A História não se inventa, nem uma cidade nasce da mente visionária de qualquer parahistoriador como num passe de mágica. O povoamento da nossa cidade teve origem, após cinco anos de total abandono do território cearense, com a construção de novo Forte denominado de Schoonenborch, pelo capitão holandês Matias Beck, tendo sido fincada a sua primeira estaca no dia 10 de abril de 1649, no morro Marajaitiba, na margem esquerda do rio Marajaik, hoje Pajeú, em ponto localizado 9 km a leste do não mais existente forte da Barra do Ceará. “O Forte Schoonenborch no Ceará - no conceito de Luís da Câmara Cascudo - foi realmente o elemento de fixação da posterior cidade de Fortaleza”. Com ele concordam historiadores e intelectuais da envergadura de Raimundo Girão, Gustavo Barroso, Thomaz Pompeu Sobrinho, José Aurélio Saraiva Câmara, José Antônio Gonsalves de Mello (PE), General Carlos Studart Filho, Cruz Filho, Hugo Catunda, Renato Braga, Denizard Macedo, Padre Antônio Gomes de Araújo, Mozart Monteiro, Quixadá Felício, José Bonifácio de Sousa, Lauro Ruiz de Andrade, Joaryvar Macedo, Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez), entre outros, além de grande lista de abalizados estudiosos dos nossos dias.

É forçoso dizer: não fora a intolerância de intelectuais ligados à Igreja Católica cearense e a “ira santa” que se apoderou dos “Torquemadas cabeças-chatas” nos anos 1960; não fora Mathias Beck calvinista e sim católico; não fora ele flamengo e sim português – a data aniversária de Fortaleza de há muito estaria definida como 10 de abril de 1649 e a nossa cidade estaria completando neste ano, mansamente e sem nenhuma celeuma, os seus verdadeiros 361 anos de evolução ininterrupta. O Schoonenborch teve vida intensa até que, em decorrência da rendição holandesa no Recife, foi tomado em 1654 pelos portugueses, recebendo a denominação de Fortaleza de Nossa Senhora de Assunção, passando então a ser comandado pelo lusitano Álvaro de Azevedo Barreto. Estudos de João Brígido (A Fortaleza de 1810) e de Antônio Bezerra de Menezes (Descrição da Cidade da Fortaleza, de 1895) demonstram de maneira inequívoca a expansão da nossa cidade a partir no núcleo beckeano.

Em 13 de abril de 1726, setenta e sete anos após o início da construção do Schoonenborch, ao adensamento humano que se desenvolveu ao seu redor, efetivou-se o reconhecimento oficial com a instalação da Vila da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção pelo Capitão-mor Manuel Francês, com direito à instalação solene do “pelourinho”. É esta a data atualmente usada como referência para assinalar as comemorações do aniversário da nossa cidade. Por quase um século permaneceu Fortaleza na sua condição de Vila, até que, através da Ordem Imperial de 17 de março de 1823, assinada por D. Pedro I, foi ela elevada à categoria de Cidade sob a denominação de Cidade da Fortaleza da Nova Bragança. A desinência ‘da Nova Bragança’ nunca se fixou, nem mesmo nos documentos oficiais da época.

O mesmo Pompeu Sobrinho, no já referido intróito ao estudo de Girão, igualmente nos ensina: “Durante 300 anos, ou três centúrias [grifo nosso], a ‘vila velha’ vegetou apartada completamente da ‘Vila do Forte’, da Fortaleza de N. S. da Assunção. Entre uma e outra estava um pequeno deserto; terreno desabitado, inculto. Ainda em 1925, a viagem desta Capital à Barra do Ceará, que não passava de um pequeno grupo desordenado de casinholas e choupanas, era penosa e difícil. Não havia o caminho atual em prolongamento da Avenida Francisco Sá. Depois da construção do pontilhão sobre o Riacho de Jacarecanga (o antigo Timbó) foi que se abriu esta via de comunicação direta, visando estabelecer a conexão da cidade com as oficinas do Urubu (R.V.C.). Ia-se anteriormente à Barra pela praia, calcando as areias do Arpoador ou, menos frequentemente, pela estrada de Caucaia (Soure) e mais raramente ainda pelo caminho do Açude do João Lopes, cortando o sítio Urubu e outros”.

No entanto, o 13 de abril de 1726, dia em que Fortaleza ganhou a condição de Vila, constitui-se também data aceitável para a comemoração do Dia da Cidade (a palavra aniversário não nos parece adequada), por assinalar uma verdade factual. Saliente-se, ademais, a tradição já estabelecida, uma vez que esta data já vinha sendo oficiosamente celebrada há décadas, bem antes da sua legalização, por decreto de 1994, mesmo sem as programações cívicas obrigatórias, incluindo o feriado municipal. Os periódicos locais sempre assinalaram o 13 de Abril, com destaque. Já em 1926 era condignamente celebrado o 2º Centenário de Fortaleza.

Espera-se que a nossa atual Câmara Municipal de Fortaleza, a exemplo da Legislatura anterior, esteja atenta ao cometimento de um grave erro histórico, em aprovando nova Lei que venha a mudar o aniversário da Cidade para 25 de julho de 1604. Evitará o Legislativo Fortalezense, desta maneira, passar à posteridade um colossal e injustificado atestado de desconhecimento da História de sua própria urbe. Que permaneça o dia 13 de Abril a data comemorativa da nossa Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção.


Fortaleza, 13 de abril de 2010.

_________________

PITACO DO ContrapontoPIG

Folder de autoria do editor do ContrapontoPIG publicado no Dia da Cidade de Fortaleza
__________________
.