segunda-feira, 19 de abril de 2010

Contraponto 1963 - "Nem tanto Irã e bem mais Brasil"

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19/04/2010
Nem tanto Irã e bem mais Brasil

O Brasil não pode aceitar a imposição de “visitas”, “inspeções” ou controles externos em processos científicos, tecnológicos e de desenvolvimento das nações. Aceitação de tais medidas acabaria por voltar-se contra nós mesmos.

Francisco Carlos Teixeira*

Nos últimos dias as relações entre Brasil e o Irã tornaram-se o centro de um amplo debate na mídia brasileira, muitas vezes emulando a imprensa norte-americana. O centra da discussão é o pretenso apoio do Brasil ao programa nuclear iraniano. É aí que começam as dificuldades. A crítica centra-se em dois pontos fundamentais: de um lado o “apoio” brasileiro ao Irã e, de outro, o conseqüente isolamento internacional brasileiro daí decorrente. Cabe examinar as duas assertivas.

O Brasil perante o programa nuclear iraniano
Fontes da Inteligência norte-americana afirmaram, na última semana, que o Irã estaria desenvolvendo capacidade de enriquecimento de combustível fóssil capaz de dotar o país, em cinco anos, com armas nucleares. Em face de tal possibilidade, seria fundamental a votação, urgente, por parte do Conselho de Segurança da ONU de novas sanções contra o Irã. O governo brasileiro contra-argumentou o seguinte: 1. a atual capacidade iraniana é compatível com todas as afirmações de Teerã no sentindo de que seu programa possui fins pacíficos e volta-se para a produção de energia elétrica e de meios para uso civil, tais como medicina e agricultura ( conservação de alimentos ); 2. Não há qualquer evidência incontestável de desenvolvimento de um programa nuclear para fins militares no Irã; 3. As fontes – norte-americanas – que denunciam o programa nuclear do Irã são as mesmas fontes (a Inteligência dos EUA) que afirmaram, com absoluta certeza, que o Iraque possuía armas de destruição em massa capazes der lançar um ataque ao Ocidente em 45 minutos, justificando o ataque aquele país em 2003.

De posse deste diagnóstico os Estados Unidos desfecharam um ataque militar contra Bagdad que custou, até o momento, mais de 100 mil mortos e uma total desestabilização no Oriente Médio.

A “metodologia” utilizada pelos EUA no caso do Iraque entre 2002 e 2003 assemelha-se, assustadoramente, ao atual procedimento do Presidente Obama. Através de relatórios inconclusos da AIEA, somando-se a análises totalmente hipotéticas da CIA ( “... caso o Irã prossiga no atual ritmo de enriquecimento de material físsil, poderá em cinco anos... “) surge uma “certeza”no caráter belicoso do programa iraniano. Daí se intensificam as sanções impostas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Com a esperada reação negativa – orgulhosa e muitas vezes provocativas de Teerã – dar-se-iam as condições de um ataque preventivo por parte dos EUA ou, mesmo, por parte de Israel, ante a “passividade”da ONU e a “desobediência” de Teerã.

Estaríamos perante o caminho da maior crise bélica do novo século.
É em face de tais dúvidas que o governo brasileiro insiste na necessidade de prosseguir nas negociações com Irã, evitando a passagem rápida para o uso de sanções.

O Brasil e a ONU na crise iraniana
A posição brasileira – no atual momento o país é membro rotativo, sem direito à veto, no Conselho de Segurança da ONU – a partir das dúvidas acima expostas evoluiu em direção a dois pontos fundamentais: 1. A experiência recente em relações internacionais comprovaria que a utilização de sanções econômicas contra países, visando objetivos políticos, não gera, de forma alguma, os efeitos esperados, bem ao contrário. Assim, nos últimos 30 anos, Cuba, África do Sul ( do apartheid ), Somália, Coréia do Norte, entre outros, foram alvos de sanções econômicas, inclusive decretadas pelos EUA ( como no caso, injusto, de Cuba ) sem atingir seus objetivos. As sanções, ao contrário do esperado, geram em verdade uma punição coletiva para a população e uma aglutinação de forças em torno do poder central, fortalecendo as posições “nacionais” em face da pressão externa. Assim, não só as sanções seriam inúteis, como ainda contraproducentes; 2. O Conselho de Segurança da ONU arrisca-se, mais uma vez, a tornar-se instrumento da política de uma grande potência, desmoralizando-se num procedimento arriscado e sem bases materiais que justifiquem uma posição extrema porte da comunidade internacional.

O risco, mais uma vez, reside em que a ONU acabe seguindo, como fato consumado, as exigências da política interna dos EUA, quando o Presidente Obama, em virtude do seu público interno e de parte de popularidade, e em face da aproximação das eleições de meio de mandato, queira mostrar-se como um governante capaz de defender o país e recorrer ao “hard Power”americano.

É neste sentido que Brasília exige, mais uma vez, a “democratização” dos organismos internacionais e desconcentração de poder em escala mundial.

Um caminho alternativo
Para o Brasil ainda existe espaço, e tempo, suficientes para o prosseguimento de negociações. No caso da Coréia do Norte – que efetivamente já fez testes nucleares – os EUA aceitaram participar diretamente, das chamadas negociações de Beijing ( envolvendo as duas Coréias, Rússia, Japão ). Parece um total contrasenso de Washington aceitar negociações diretas com um país que concretamente desafiou a AIEA e a comunidade internacional explodindo artefatos nucleares e negar-se a negociar com o Irã ( que “poderá “ fazê-lo em cinco anos... ). Assim, o endurecimento da política externa americana em relação ao Irã assemelha-se, cada vez mais, a busca de meios para viabilizar uma mudança de regime em Teerã, nos mesmos termos ( catastróficos ) do que foi feito no Iraque.

O Brasil espera que o tema possa ser discutido ainda mais intensamente, incluindo aí a visita de Lula ao Irã em maio próximo, quando esperar-se-á uma declaração definitiva e clara de Teerã.

Aceitando o fato de que ainda há espaço para negociações, o Brasil apóia a proposta feita pela AIEA, endossada pela Rússia, pela qual o urânio iraniano seria enriquecimento no exterior – talvez na própria Rússia – e reenviado para o país, existindo um efetivo controle sobre o uso do material físsil. Em principio Teerã aceitou a sugestão. O problema aqui reside na garantia de retorno do material enriquecido – na última vez que o Irã fez isso o material foi embargado na França – e no prazo estipulado para o processo. Assim, este seria um caminho plausível para a resolução da crise, feitas as garantias necessárias.

Além disso, o Irã exige, tal qual Cuba, a suspensão das sanções decretadas por Washington contra o país desde a Revolução Islâmica de 1979 e, em especial, de quando da tomada de reféns americanos em Teerã. Ou seja, existe, por detrás da crise, um passivo EUA/Irã que envenena, desde muito, as relações bilaterais, independente da capacidade nuclear desenvolvida no Irã.

O Brasil isolado?
De forma muito afoita, seguindo muito, muitíssimo em verdade, de perto a mídia norte-americana, muitos críticos do governo brasileiro, afirmaram o isolamento “internacional” do Brasil. Este não é o fato. Na verdade as relações Brasil/EUA nunca foram tão boas e firmes. Nos últimos dias o Brasil assinou dois tratados estratégicos com Washington, um voltado para o combate ao narcotráfico e outro de cooperação militar. Da mesma forma, em visita ao Oriente Médio, o presidente Lula assinou o primeiro tratado de livre comércio do Brasil com Israel, evidenciando as ótimas relações com Tel Aviv ( para além dos achaques de mal humor do ministro do exterior daquele país, o mesmo que ofendeu o vice-presidente dos EUA, Joe Biden ).

A questão central em relação ao Irã hoje reside, de um lado, em uma postura firme da defesa direito dos países desenvolverem para fins pacíficos a energia atômica – como EUA ou a Europa o fazem – e, de outro, moderar, através de aconselhamentos e negociações, posturas irresponsáveis de Teerã, quando, por exemplo recusa, de forma absurda, a reconhecer a catástrofe do Holocausto.

O Brasil não pode aceitar a imposição de “visitas”, “inspeções” ou controles externos em processos científicos, tecnológicos e de desenvolvimento das nações. Aceitação de tais medidas acabaria por voltar-se contra nós mesmos. Aceitando as imposições contra as usinas iranianas, corremos o risco de nos obrigarmos a abrir nossas próprias instalações.

*Francisco Carlos Teixeira é professor Titular de História Moderna e Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
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