10/11/2010
Órfãos de 1932
Do Direto da Redação - Publicado em 10/11/2010
Mair Pena Neto*
Uma das piores sequelas da recente eleição presidencial foi a onda conservadora, preconceituosa e racista, que sentiu-se à vontade para se expressar diante da campanha agressiva e fundamentalista do candidato tucano. Tal postura, revelada, sobretudo, por uma estudante paulista de Direito, não nasceu com a campanha eleitoral, mas percebeu no processo uma oportunidade ímpar de destilar sua aversão ao nordestino, simbolizando o ignorante, que não contribui para o destino do país. O nordestino simboliza, na verdade, o preconceito contra o pobre, o preto, o desvalido, enfim, todos aqueles que não participam da vida rica de uma certa área de São Paulo, não tão além dos Jardins.
Sim, em primeiro lugar é preciso diferir os paulistas dessa minoria elitista míope, herdeira dos órfãos de 1932, que não entende São Paulo como parte indissociável do Brasil e dos brasileiros. A revolução de 30 rompeu o poder oligárquico paulista, que acreditava sustentar a nação e não desejava sua transformação em um país urbano, moderno e industrial. Os inconformados com essa guinada na vida do país, que dele usufruiam, se levantaram em armas, num movimento que tinha como lema "Tudo por São Paulo". Até hoje, esse levante é comemorado em São Paulo, por maior que tenha sido o seu equívoco histórico.
A derrota em 32 não tirou de São Paulo seu papel de carro-chefe na industrialização que queria evitar e com o avanço do capitalismo, até o seu ápice financeiro, o estado tornou-se ainda mais poderoso, levando certos setores a perderem a noção do nacional. Os jovens universitários que integram o movimento "São Paulo para os paulistas" são como os órfãos de 32, só que ainda não perderam nada, pois nada construíram, já que estão na faixa de 18 a 23 anos. Ao contrário, vivem num país que reduz suas desigualdades, e com um Nordeste em crescimento, o que diminui consideravelmente os fluxos migratórios para o Sudeste.
Obtusos, não percebem que a pujança de São Paulo foi construída com o suor de muitos brasileiros, em grande número nordestinos, e acham que os maiores responsáveis pelo desenvolvimento do estado foram os empresários. Desconhecem a dialética e trabalham com princípios equivocados e perigosos. Essa turma, assim como alguns movimentos separatistas, é minoritária e tende a ser ignorada pela sociedade. Seus pontos de vista, embora precisem ser observados e punidos quando incitam publicamente o crime, como no caso da estudante paulista, são desprezíveis e não teriam o menor eco se não fossem sustentados por algo maior.
E é aí que mora o perigo. A campanha presidencial brasileira levantou uma onda neoconservadora no país, jamais vista desde a redemocratização. O candidato tucano José Serra, com seu discurso excessivamente religioso, apegado a valores morais ultrapassados e enfaticamente paulista - colocou o estado contra o resto do país quando afirmou que o PT não gostava de São Paulo -, possibilitou o afloramento desse tipo de idéia. Aqueles que acham que "São Paulo não deve nada ao Brasil", como declarou um porta-voz do movimento São Paulo para os paulistas, encontraram uma liderança política capaz de proclamar parte de seus anseios.
O movimento conservador e de direita vem tendo um crescimento mundial. É capaz de eleger presidentes na Europa e nos Estados Unidos, baseando-se não apenas no liberalismo econômico, mas em questões religiosas e xenófobas. O nordestino daqui é o estrangeiro de lá. Essa elite "iluminada", que angaria apoio lá fora com a questão do emprego, aqui aplica outros argumentos como uma superioridade intelectual. Reproduz a frase mais infeliz de Pelé, a de que o brasileiro não sabe votar, e encontra respaldo para seus preconceitos até em editoriais e colunas de veículos de expressão nacional.
O conservadorismo brasileiro de matiz fascista, que não se manifestava de forma tão aberta desde o movimento integralista e da Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, encontrou um caminho aberto e pôs as asinhas de fora. O PSDB é candidato a ficar com ele se prosseguir na diretriz estabelecida pela campanha de Serra. Será um passo para se estabelecer definitivamente como o partido da direita brasileira, já que o DEM, antigo PFL, é apenas um resquício de legenda, fadado à extinção.
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*Mair Pena Neto. Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
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