domingo, 28 de novembro de 2010

Contraponto 4084 - "Amorim: É mais importante Dilma ir à Argentina do que aos EUA"

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28/11/2010


Amorim: É mais importante Dilma ir à Argentina do que aos EUA

Vermelho - 28 de Novembro de 2010 - 11h57

Em entrevista à jornalista Patrícia Campos Mello, publicada neste domingo no jornal O Estado de São Paulo, o ministro das Relações Exteriores faz um balanço de sua gestão, rebate críticas por omissão do País em temas polêmicos e sugere uma definição estratégica mais precisa das relações entre Brasil e China.


O chanceler se prepara para deixar o circuito das grandes questões mundiais e se recolher à ponte aérea entre Brasília, onde vive sua mulher, e a Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde pretende dar aulas quando acabar o governo Lula. Ele não deixou sem respostas as perguntas do jornal conservador, que em geral refletem as críticas da direita neoliberal e tucana ao posicionamento altivo do Itamaraty no relacionamento com as potências imperialistas, a priorização do comércio Sul/Sul, a amizade com Cuba e Irã.

Amorim acha que a maior visibilidade do Brasil no cenário internacional veio para ficar. "Como o Brasil quer ser membro do Conselho de Segurança, não podemos nos omitir dessas (grandes) questões", afirma o chanceler. "Não vamos fazer uma nova política de isolacionismo, só cuidar do nosso. Como dizia o Silveira (Antônio Azeredo da Silveira, chanceler de Ernesto Geisel), o Brasil pode renunciar a tudo, menos à sua grandeza."

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Estadão - O Itamaraty argumenta que é melhor não fazer condenações públicas de violações a direitos humanos para manter o canal de comunicação aberto e influenciar os países dessa maneira. Não dá para fazer as duas coisas ao mesmo tempo, evitando desgastar a imagem da democracia brasileira?
Celso Amorim - Não dá certo fazer as duas coisas. Se você ficar condenando, você se descredencia como interlocutor. Precisamos ter uma atitude que propicie o diálogo e nossa estratégia deu certo.

No caso da francesa Clotilde Reiss (civil francesa que estava presa no Irã, acusada de espionagem, e foi libertada), não há dúvida. As críticas são totalmente injustas. Ontem mesmo o responsável por direitos humanos no Irã disse que o país está revendo a sentença de morte por apedrejamento de Sakineh. Até que ponto isso se deve à pressão internacional e até que ponto aos apelos do presidente Lula e de outras pessoas que tenham diálogo direto com ele, eu não sei, essas coisas são difíceis de medir.

Estadão - O Brasil se alinhar com países que têm histórico antidemocrático não compromete nosso "soft power", poder de influenciar sem recorrer à força bruta?
CA - Eu não acho que o nosso "soft power" tenha sido comprometido ao longo desses anos, nem essa é a opinião de nenhum comentarista internacional. Não somos "soft" em direitos humanos, só não condenamos porque a grande maioria dos países que condenam é de ex-potências coloniais que estão purgando os seus complexos de culpa. E não quer dizer que nós privadamente muitas vezes não falemos. E se eu quisesse posar de amiguinho do Irã ia votar contra, ia dizer que a resolução (da ONU) não tem cabimento. Nós nos abstivemos.

Estadão - Olhando para esses últimos oito anos, o que o senhor teria feito de diferente?
CA- Pode parecer presunçoso, a minha tendência é ver acertos, os historiadores terão visão mais equilibrada. Eu não me arrependo da Alca (negociação que não avançou).

Estadão - O sr. acha que a atribuição de comércio exterior tem de ficar no Itamaraty ou deve ser criado um escritório comercial subordinado à Presidência, como nos EUA?
CA- Pergunte à Fiesp o que eles acham - à Fiesp mesmo, não a ex-diplomatas que estão na Fiesp. Nós temos uma visão de País mais completa, levamos em conta outros fatores que não são aqueles de ganho imediato.

Estadão - Um problema que está ganhando cada vez mais importância é a competição da China. Não deveria haver maior assertividade em relação à China, além de defesa comercial?
CA- Nós estamos com superávit de quase US$ 7 bilhões com a China.

Estadão - Mas o que exportamos são commodities.
CA- Quando chega a hora de defender o interesse do etanol, do açúcar, é muito importante, mas quando está dando certo, aí tudo vira commodities. Dito isso, eu não quero dizer que não tenhamos de ser mais assertivos em relação à China. Esse é um desafio.

Estadão - O Brasil é muito mais enfático ao criticar a política monetária americana, dentro da guerra cambial, do que a desvalorização do iuan. Isso não é ideológico?
CA- A China adotou uma política que nos prejudica, mas a raiz do problema está na política monetária dos EUA, não tenho dúvida sobre isso. Como estou em final de governo, estou de saída, dou minha opinião: se um país quer ser tratado como economia de mercado, não pode ter política cambial que não seja de mercado. Essa política de constante desvalorização nos atinge. Eu acho que o relacionamento com a China será um dos maiores desafios do Brasil daqui para a frente.

Estadão - A China está entrando em áreas de influência nossa, como América do Sul e África. Mas a China segue um modelo de negociação sem impor condições com Zimbábue, por exemplo, país notório por violações.
CA- Vamos competir com nossos méritos, o Brasil transfere conhecimento da maneira que eles não transferem, em agricultura tropical, por exemplo. Não queremos seguir o modelo chinês, em absoluto, não perco uma oportunidade de conversar com meus interlocutores do Zimbábue sobre o que eu acho que eles deveriam fazer, que envolve tratamento adequado da oposição. Mas não somos a favor de isolamento comercial, algo que não dá resultado.

Estadão - Quais são os grandes desafios em política externa do próximo governo?
CA- Precisamos dar uma forma importante ao relacionamento com a China. Não desenvolvemos um conceito pleno de como vai ser nossa relação com a China. Essa é uma autocrítica. Não deu tempo. Precisamos pensar mais profundamente nisso.

Estadão - E com os EUA, em que pé estamos?
CA- Estamos bem. Nossa cooperação no Haiti foi muito boa, há vários países onde cooperamos no etanol.

Estadão - Seria positivo a presidente eleita Dilma Rousseff se encontrar com o presidente americano Barack Obama em Washington antes de sua posse?
CA- Ah, esse conselho eu só dou a ela se ela me pedir. E ela não me pediu. Mas, na minha opinião, indispensável não é. Ela terá tempo de ir depois, receber o Obama aqui depois. É mais importante ela ir à Argentina, porque simboliza as realizações com a América do Sul.

Estadão - Os EUA têm a visão certa do papel do Brasil no mundo?
CA- Há uma visão mais aproximada, apesar de tropeços. Em uma matéria recente, a própria (secretária de Estado) Hillary Clinton falou da necessidade de intensificar as relações com China, Índia e Brasil.

Estadão - Mas, por enquanto, intensificou com a Índia.
CA- A Índia tem para eles um valor estratégico em função da região onde está, ao lado da China e Rússia.

Estadão - Seria esperado, quando o presidente Obama vier pra cá, que ele manifeste apoio à pretensão do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU, como fez com a Índia?
CA- Ah, eu esperaria, se o presidente Obama vier pra cá, depois de ter ido à Índia, seria normal ele dizer a mesma coisa do Brasil.

Estadão - Apesar dos nossos percalços com os EUA nos últimos tempos.
CA- Sim, seria normal. Se o preço para entrar no CS é dizer sim a tudo, pode até não valer a pena.

Estadão - Em Trinidad Tobago em 2009, na Cúpula das Américas, Obama fez um discurso prometendo uma nova política para a América Latina. Ele correspondeu às expectativas de mudança da política americana para a região?
CA- O governo republicano (do presidente George Bush) cometeu muitos erros em relação à América Latina - pôs Cuba no eixo do mal, apoiou o golpe na Venezuela. Mas em outros casos o governo Bush agiu de maneira mais sensata, ouviu o Brasil em muitas coisas. Nós tínhamos uma enorme expectativa com o presidente Obama, mas ele teve de se concentrar em outros problemas, internos e do Oriente Médio. Algumas vezes isso não é mau. A melhor política que os americanos podem ter para a América Latina é a "negligência benigna".

Estadão - O que o sr. pretende fazer quando acabar o governo Lula?
CA- Não tenho nenhum plano muito claro, tenho vários convites vagos, para fazer seminários, cursos, o mais específico é para dar aula na UFRJ. Pretendo fazer isso, vou morar entre Brasília e o Rio, minha mulher mora aqui.

Estadão - O sr. teria gostado de permanecer no governo Dilma?
CA- Dizer não soaria arrogante, dizer sim parece que estou pleiteando alguma coisa. Eu me sinto realizado. Os nomes que ouço falar todos são de pessoas boas.

Estadão - O sr. acha que haverá continuidade na política externa?
CA- Eu não creio que haja mudanças de curso muito importantes, mas desafios novos sempre aparecerão, a China é uma relação que terá de ser pensada.

Estadão - O sr. vê o mesmo tipo de atuação intensa em questões controversas, como Oriente Médio e Irã?
CA- O Brasil é percebido como um interlocutor válido no Oriente Médio, eu recebi pedidos para receber autoridades da Síria, da Autoridade Palestina, de Israel. Independentemente de quem seja o presidente, o Brasil é um país que tem um peso. Essas situações vão se repetir caso a gente queira ou não queira, e a gente não pode fugir delas. Como o Brasil quer ser membro do CS, mesmo não permanente, não podemos nos omitir dessas questões. Não vamos fazer uma nova política de isolacionismo, só cuidando do nosso. Como dizia o Silveira (Antônio Azeredo da Silveira, chanceler de Ernesto Geisel), o Brasil pode renunciar a tudo, menos à sua grandeza.

Fonte: O Estado de São Paulo
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