terça-feira, 6 de setembro de 2011

Contraponto 6177 - "O replay, a Fifa e Jaqueline Roriz"

O replay, a Fifa e Jaqueline Roriz

Nesta minha primeira coluna em Carta Maior pensei em falar sobre alguma novidade, em comentar algo nunca visto. Mas antes de escrever a primeira linha percebi que dar o passo inicial com uma novidade é exatamente o que todo mundo faz. Assim decidi fazer o contrário e começar falando sobre algo que todos viram e reviram: o replay.


Durante bom tempo ele não existiu. Então, para se saber se um lance havia sido pênalti ou teatro, impedimento ou jogada legal, o único modo era discutir no bar na manhã seguinte, argumentando entre a fumaça que saía dos copos e cafés com leite.

Mas as brumas se dissiparam quando o videoteipe chegou.

Hoje, no segundo seguinte a um lance, já podemos revê-lo de vários ângulos diferentes e saber com precisão o que aconteceu ou não. Acabou a subjetividade. Já não vence quem argumenta melhor. A imagem fria e límpida, inclusive com computação gráfica para auxiliar nos casos mais complexos, está lá para matar a dúvida com vinte facadas no peito.

O replay é a possibilidade quase mágica de rever o passado.

Essa cruel objetividade levou os românticos à ira. Por exemplo, ficou célebre a frase dita por Nélson Rodrigues a Armando Nogueira num programa de tevê, quando Armando pediu a repetição de um lance para mostrar que um gol do Fluminense havia sido ilegal. “O videoteipe é burro”, disse Nélson, com seu amor pelos paradoxos.

Na verdade, burro hoje em dia é quem não usa o replay. Ou seja, a Fifa e o Congresso Nacional.

Explico melhor:

A Fifa não admite usar o replay alegando dois motivos: o recurso atrasaria o jogo e não há condições de utilizá-lo em todas as partidas.

O primeiro argumento é mentira. O replay já é usado em outros esportes, como tênis e futebol americano, e usado com certa parcimônia não estraga o espetáculo.

Quanto ao segundo motivo, é de uma falta de lógica gritante. Nem todas as partidas acontecem em bons gramados, os campos têm tamanhos muito diferentes entre si e nem as bolas são as mesmas, com pesos e materiais diversos. Ora, que se use o replay quando ele estiver disponível, assim como usamos bons gramados, campos grandes e bolas novas quando é possível.

Mas recentemente o pobre videoteipe também foi desprezado pelo Congresso Nacional.

A deputada Jaqueline Roriz (PMN-DF, filha do ex-governador Joaquim Roriz) foi filmada ao lado do marido Manuel Neto recebendo 50 mil reais em dinheiro, entregues por Durval Barbosa, delator do mensalão do DEM. A gravação aconteceu em 2006, ano em que Jaqueline foi eleita deputada, aliás, usando os 50 mil em sua campanha.

Porém, nem a imagem fria e límpida serviu para que a Câmara dos Deputados cassasse Jaqueline. O crime está lá, claro como um carrinho por trás, mas mesmo assim não foi punido com o cartão vermelho.

O estranho é o julgamento deste replay. É como se ele fosse feito pelos próprios companheiros de time, os deputados. E, ainda por cima, secretamente. Tão secretamente que os congressistas pediram que o presidente da Câmara Marco Maia (PT-SP), determinasse a retirada de câmeras do plenário, a fim evitar que o voto de algum dos parlamentares fosse revelado. Felizmente o presidente voltou atrás no pedido à imprensa.

Mesmo assim ficamos sem saber ao certo quem foram os deputados que não votaram contra a cassação da deputada. Ou seja, os representantes do povo não revelaram sua opinião ao povo, o que só é aceitável numa república de bananas (república de bananas, no caso, com duplo sentido).
Mas nem tudo está perdido. Na semana passada, o procurador-geral da República Roberto Gurgel apresentou à Corte denúncia criminal contra Jaqueline, acusada de peculato.

A esperança é que os juízes do STF sejam mais eficientes que os juízes de futebol e usem o replay.


*José Roberto Torero é formado em Letras e Jornalismo pela USP, publicou 24 livros, entre eles O Chalaça (Prêmio Jabuti e Livro do ano em 1995), Pequenos Amores (Prêmio Jabuti 2004) e, mais recentemente, O Evangelho de Barrabás. É colunista de futebol na Folha de S.Paulo desde 1998. Escreveu também para o Jornal da Tarde e para a revista Placar. Dirigiu alguns curtas-metragens e o longa Como fazer um filme de amor. É roteirista de cinema e tevê, onde por oito anos escreveu o Retrato Falado.

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