sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Contraponto 6270 - "Guinada na política econômica"

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16/09/2011
Guinada na política econômica

A decisão do Banco Central (BC) de iniciar o processo de redução da Selic surpreendeu o mercado financeiro, que esperava que isso não fosse ocorrer neste ano apesar da crise internacional em processo contínuo de deterioração e a economia brasileira já sendo afetada, com quedas sistemáticas na taxa de crescimento. No início do ano era prevista em 5% e agora tende para 3%, com os resultados do PIB do 2º trimestre.

O mercado financeiro apostou suas fichas na tese do crescimento da inflação no País, o que faria com que o BC não reduziria a Selic, para conter a demanda. Essa análise peca, pois a Selic não controla a demanda. O que pode influenciá-la são as taxas de juros bancárias, que estão descoladas da Selic, podendo ser mais de dez vezes maior, como no caso do cheque especial de 188%, que é 17 (!) vezes a Selic.

Na China, por exemplo, a taxa básica de juros equivalente à Selic é de 3% e a cobrada pelos bancos ao consumo de 6%. Quando é alterada a taxa básica, repercute na taxa ao consumidor. Assim, a taxa básica tem eficácia no controle da demanda. Na quase totalidade dos países é isso que ocorre. Aqui temos essa jabuticaba de ter, por mais de uma década, as mais elevadas taxas de juros básica e bancária do mundo.

A análise do mercado financeiro peca, também, ao desconsiderar que a Selic influi significativamente sobre a decisão das empresas em investir, pois oferece aos investidores ganhos financeiros sem risco e com liquidez imediata, ao passo que investir num negócio tem baixa liquidez e riscos. Ao inibir investimentos, freia a ampliação da oferta, criando inflação futura.

Em síntese, a Selic em vez de atenuar a inflação a agrava. Mas o dano causado à economia é muito maior. Por ser elevada, a Selic causa um rombo gigantesco nas contas públicas.

Isso ocorre nos juros pagos pelo governo aos aplicadores em títulos do governo federal, que atinge cerca de 6% do PIB por ano e no custo de carregamento das reservas internacionais, que pelos dados do balanço do BC neste primeiro semestre, atingiu R$ 46,2 bilhões. Neste ano deverá ultrapassar R$ 100 bilhões!

Além desses danos, a Selic distorce o câmbio supervalorizando o real, criando rombo nas contas externas e desindustrialização ao tornar menos competitivas as empresas face à concorrência externa.

Apesar disso, ainda existem analistas que, usando o falso argumento do controle da inflação, querem que a Selic permaneça elevada. A inflação pode até permanecer em patamar acima da meta de 4,5% por um período prolongado devido aos preços internacionais dos alimentos em ascensão e da inflação de serviços, que pode alcançar 9% neste ano, mas a Selic não interfere nisso.

O BC usou a repercussão da crise internacional sobre a atividade no País como um dos argumentos para abaixar meio ponto na Selic. Mas o mercado financeiro e as consultorias dependentes dele usaram como argumento que a crise não é tão ameaçadora quanto a de 2008, com a quebra do Lehmon Brothers. Ou seja, seria necessária nova crise da intensidade da ocorrida em 2008, para o BC justificadamente reduzir a Selic!

A Selic reduzida para 12,0%, descontando a inflação prevista para os próximos doze meses, atinge 6,2%, que é mais do dobro (!) do segundo colocado, a Hungria, com 2,8%. A média para uma amostra representativa de 40 países está negativa em 0,8%. A Selic se caísse de 12% para 8,5% ainda seria a mais alta do mundo.

As taxas de juros transferem recursos do governo, no caso da Selic, e da sociedade, no caso dos juros bancários, para o sistema financeiro. Para reverter essa sangria o governo deve enfrentar o poderio do mercado financeiro, reduzindo a Selic ao nível internacional e limitando as taxas de juros e tarifas bancárias.

A decisão do Copom é o primeiro sinal de que o governo face à tendência de encolhimento da economia, juntamente com um cenário internacional desfavorável, resolveu fazer o que devia ter feito há muito tempo, que é tomar decisões macroeconômicas de forma integrada, olhando não apenas a inflação, mas também o câmbio e o crescimento econômico.

Dia 29 último o governo anunciou sua estratégia para enfrentar a crise internacional. Elevou o esforço fiscal em R$ 10 bilhões passando o superávit primário de R$ 81,8 bilhões para R$ 91,8 bilhões. Esses R$ 10 bilhões são de excesso de arrecadação. Não é o que as análises ortodoxas querem. Defendem a redução das despesas do governo para diminuir a demanda, o que permitiria ao BC reduzir a Selic. Mas, sob o ponto de vista macroeconômico uma elevação da receita pública tem o mesmo efeito que uma redução do mesmo montante na despesa.

Ao elevar o superávit primário o governo comprou, em parte, a tese do mercado financeiro de que a Selic só vai cair se houver melhor desempenho fiscal. É o contrário: a Selic caindo é que permite o maior e mais rápido desempenho fiscal.

A sinalização do governo de aperto fiscal pode ser a estratégia do possível tentando contornar o enfrentamento dos interesses do mercado financeiro de manter a Selic elevada. Na verdade, o mercado financeiro reagirá sempre à redução da Selic. É seu lucro em jogo.

Ao juntar controle da expansão das despesas de custeio com a redução das despesas com juros pela queda da Selic, o governo conseguirá notável desempenho fiscal, que será tanto melhor quanto maior for o crescimento econômico que repercute na arrecadação.

Resta ver se a manutenção da inflação a nível superior à meta de 4,5% não irá mudar a estratégia do governo. Os analistas ortodoxos estão apostando que a inflação mantida em níveis superiores à meta irá desacreditar o BC, forçando o governo a ceder.

Ao que tudo indica o governo joga uma cartada perigosa contra o mercado financeiro, mas não tem como recuar. Se persistir tem forte chance de reduzir a força do rentismo no País e criar os espaços fiscais necessários ao financiamento das suas atividades, como a da expansão das despesas com a saúde e educação.

Será uma guinada na política econômica, que tem tudo para fortalecer o governo e diferenciá-lo dos que o antecederam. Vamos aguardar.

(*)Amir Khair. Mestre em Finanças públicas pela FGV e consultor.

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