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02/06/2014
Ricardo Melo: STF precisa autopsiar período em que Justiça foi justiçamento
Do Viomundo - publicado em 2 de junho de 2014 às 12:46
Já vai tarde
Ricardo Melo, na Folha de S.Paulo
Um desastre. Se considerada à luz dos fatos, essa é a forma de encarar a gestão de Joaquim Barbosa como presidente do Supremo Tribunal Federal.
Para não dar muito na vista, mesmo os que enaltecem esse período destilam críticas laterais ao ministro que vai se aposentar. Tinha temperamento instável, era ríspido com os adversários, não suportava críticas. Fossem esses os problemas da gestão de Barbosa, só teríamos a comemorar.
Mas não é disso que se trata. Sob sua batuta, o Supremo Tribunal Federal cometeu indecências renegadas até por juristas absolutamente insuspeitos de serem de situação ou oposição.
A lista de despautérios é imensa. Algumas: a recusa em adicionar como prova ao processo do mensalão o inquérito 2474, que jogava por terra boa parte das “provas” apresentadas contra os acusados. A admissão, em público, de que ampliou penas artificialmente para prejudicar réus. A aceitação de um julgamento que misturava ao mesmo tempo acusados atingidos pelo chamado foro privilegiado com réus com direito a tramitação em instâncias inferiores ao STF –maiores esclarecimentos com Eduardo Azeredo, do PSDB, símbolo do mensalão mineiro.
A maior das extravagâncias talvez tenha sido a adoção do escândalo jurídico apelidado de domínio do fato.
Primeiro, pela covardia. Se é para condenar alguém pela ação penal 470 porque, se não sabia, deveria saber – traduzindo em miúdos, o sujeito é culpado até que prove sua inocência, o inverso do Direito mais elementar –, o primeiro réu a ser arrolado deveria ser o então presidente Lula. Mas cadê coragem? O Torquemada nacional refugou.
Depois, pelo oportunismo: a transformar-se em jurisprudência, o domínio do fato colocaria na cadeia gente como Silvio Santos (como não sabia que o banco dele tinha um rombo de mais de R$ 4 bilhões?), Fernando Henrique Cardoso (como ignorava que sua reeleição fora comprada a céu aberto, fato registrado em gravações?), empreiteiros de diversos sobrenomes (que história é essa de desconhecer doações milionárias em troca de favorecimento em licitações?) etc. etc.
Tamanhos absurdos são muito mais importantes que o apego midiático demonstrado por Barbosa. A caravana aérea dos condenados na ação penal 470, a insistência em manter José Dirceu trancafiado, as investidas contra José Genoino - tudo isso é apenas cortina de fumaça.
Ao comunicar seu afastamento, Barbosa afirmou: “Esse assunto está completamente superado. Sai da minha vida a ação penal 470 e espero que saia da vida de vocês. Chega desse assunto”.
Nada disso, pelo contrário. A melhor coisa que o STF tem a fazer para resgatar alguma credibilidade é realizar a autópsia desse período em que a noção de Justiça foi trocada pela de justiçamento. A propósito: alguém poderia citar numa tacada só uma única medida do Supremo nestes anos de gestão Barbosa que tenha de fato servido ao povo contra os poderosos?
FÍGADO E MEMÓRIA
Políticos em sua totalidade, sem distinção partidária, costumam responder aos críticos das alianças heterodoxas de que participam com uma frase padrão: “Política não se faz com o fígado”. Tudo bem, mas se faz também com memória. Cada vez que um candidato do PT aparece numa foto com olhar subserviente diante de um Paulo Maluf, uma legião de gente bem-intencionada torce o nariz. Por essas e por outras eu repito o que disse certa vez: em dia de eleição, só saio da cama depois das cinco da tarde.
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