domingo, 2 de novembro de 2014

Contraponto 15.216 - " 'Estamos perplexos', por Janio de Freitas"

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02/11/2014

'Estamos perplexos', por Janio de Freitas

 

Os aspectos obscuros --e, enquanto o forem, também suspeitos -- em torno das alegadas acusações do doleiro Alberto Youssef a Lula e a Dilma Rousseff, publicadas por "Veja", aumentaram em número, em gravidade e no emaranhado.
O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto, negou a notícia de "O Globo", comentada em artigo aqui, segundo a qual as acusações foram feitas como "retificação" a depoimento anterior, respectivamente, nos dias 22 e 21 últimos. O jornal atribuíra o pedido de "retificação" a "um dos advogados" de Youssef, o que Antonio Basto também nega.
Ao fazer a retificação da "retificação", "O Globo" continuou sem identificar o tal advogado e sem informar a procedência da notícia contestada. O que não é incomum nem lhe acrescenta qualquer responsabilidade. Mas obscurece um pouco mais o caso. Porque na origem da informação incomprovada havia o óbvio propósito de complicar mais o episódio, dificultar sua elucidação.
Não foi a primeira intervenção negadora de Antonio Basto, nem a mais importante. E não muda em nada os aspectos que a Polícia Federal considera necessários investigar em inquérito. Por suspeitar de indução para que Youssef, preso e dependente de benefícios prometidos, mas ainda não formalizados, fizesse as acusações para influírem no eleitorado. Possível crime não incluído na atual delação premiada.

"O Globo" foi também o primeiro jornal a noticiar as acusações publicadas por "Veja" a 48 horas da eleição presidencial. No seu texto, dia 24, à pag. 5: "O advogado de Youssef, Antonio Figueiredo Basto (...) disse não ter conhecimento da informação citada pela revista". E dá a palavra ao advogado: "Eu nunca ouvi falar nada que confirmasse isso (que Lula e Dilma sabiam do esquema de corrupção na Petrobras). Não conheço esse depoimento, não conheço o teor dele. Estou surpreso -- afirmou Basto". Os parênteses nesse trecho são do jornal.
Mais: "Ele disse que Youssef prestou muitos depoimentos no mesmo dia [21] e que o doleiro estava acompanhado de advogados de sua equipe". Palavras de Antonio Basto: "Conversei com todos da minha equipe e nenhum fala isso [a acusação]. Estamos perplexos e desconhecemos o que está acontecendo. É preciso ter cuidado porque está havendo muita especulação".
Antonio Basto "nunca ouviu falar" nas acusações atribuídas a seu cliente. Entre "todos na sua equipe", "nenhum fala isso" (ter havido acusação). E, no entanto, como o advogado quis esclarecer ao negar a notícia posterior de "retificação" acusatória, "participam dos depoimentos a Procuradoria-Geral da República, delegados da Polícia Federal e agentes, além de um advogado de defesa".
O que essa explicação transmite é a confirmação da presença, sempre, do próprio Basto ou de advogado de sua equipe, portanto não se explicando que houvesse a acusação e nenhum deles soubesse dela. Tanto mais sendo acusação tão grave, em momento tão sensível. E, Basto esclarece ainda, cada advogado da sua equipe, nas audiências e depoimentos, "confere os documentos produzidos [o que implica leitura das declarações] e as assinaturas".
A retificação do dia 22, para incluir as acusações a Lula e a Dilma, não houve. E essas mesmas acusações no depoimento do dia 21, das quais a defesa "não ouviu nada" e "nunca ouviu falar" antes de servidas ao país pela imprensa?
A resposta profissional de Antonio Figueiredo Basto, como apareceu também na Folha da véspera da eleição, é que "não desmente nem confirma". Explica-se: mesmo o advogado, se disser mais do que "não ouviu falar", e fórmulas assim, estará violando o sigilo exigido para a delação premiada do cliente e anulando-a, não importa se confirma ou se nega o que quer que seja.
O noticiário político da Folha foi cobrado, internamente, para informar sobre a retificação do depoimento --a tal que não houve. Na verdade, procurou fazê-lo, mas, como respondido à cobrança, a retificação foi negada por dois agentes e por um dos advogados do caso. E é verdade que fui avisado disso, mas já perto das 8 da noite. Não houve como localizar em tempo o advogado, nem desejei sustar o comentário sobre a notícia de "O Globo" por entender que todo este assunto das acusações, e das circunstâncias em que apareceram, precisaria ser mexido até se conhecer o seu avesso.
*Janio de Freitas é jornalista e hoje colunista da Folha de S. Paulo. Trabalhou na revista Manchete, no Jornal do Brasil, Correio da Manhã e Jornal dos Sports. Em 2002 recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, prêmio entregue pela ONG brasileira Grupo Tortura Nunca Mais a todos aqueles que se destacam na luta pelos direitos humanos e por uma sociedade mais justa.
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