segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Contraponto 15.428 - "Voltando ao mapa da conspiração desenhado pela CIA, por J. Carlos de Assis"

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24/11/2014


Voltando ao mapa da conspiração desenhado pela CIA, por J. Carlos de Assis






O jornalista Sérgio Léo fez um longo comentário sobre meu artigo anterior a respeito de um eventual incentivo do governo norte-americano à promoção de um golpe jurídico-midiático no Brasil. Nele me contesta em basicamente dois pontos: primeiro, no que diz respeito à participação dos Estados Unidos no golpe que derrubou Allende há 41 anos; segundo, o que é mais importante, negando a relevância dos BRICS para a estratégia norte-americana, o que afastaria qualquer interesse da parte dos EUA em desestabilizar o Brasil.

Vamos por partes. A participação direta dos EUA na deposição e assassinato de Allende, assim como na carnificina posterior sob o comando de Pinochet, está demonstrada de forma inequívoca no artigo de Peter Kornbluh da edição de setembro/outubro da “Foreign Affairs”. Esse artigo desmonta ponto por ponto o publicado anteriormente por essa mesma revista, sob o título “What Really Happened in Chile”, pelo antigo espião da CIA Jack Devine que estava baseado em Santiago na época dos eventos, encarregado de pagar propina ao principal jornal do país, “El Mercurio”.

Sérgio Léo cita o artigo de Devine em apoio a sua tese de inocência americana no golpe final contra Allende, mas aparentemente desconhece o artigo retificador de Kornbluh, baseado todo ele em documentos desclassificados do Departamento de Estado e da Assessoria de Segurança Nacional dos EUA. Aliás, o que a CIA fez na preparação do golpe – por exemplo, no assassinato do comandante do Exército, General Schneider, a fim de remover um obstáculo no caminho dos golpistas – seria suficiente para inculpá-la totalmente no desfecho.

Relativamente ao eventual desinteresse norte-americano em relação aos BRICS, Léo talvez não preste muita atenção nos desdobramentos estratégicos das articulações desse grupo. Se ele concorda que o centro dos interesses estratégicos dos EUA é, em primeiro lugar, como eu próprio tentei demonstrar relativamente à crise da Ucrânia, conter a Rússia e, secundariamente, conter a China, qualquer coisa que fortaleça os BRICS coloca um aliado até há pouco incondicional do país, o Brasil, numa rota contrária aos interesses norte-americanos.

Algum tempo atrás, ainda antes da decisiva reunião que formalizou a criação do Banco dos BRICS, a embaixadora Maria Edileuza, então encarregada no Itamaraty da área dos BRICS, me relatou o incômodo que os países ocidentais manifestavam com relação à criação do banco. A União Europeia pediu uma reunião especial com o Brasil para conhecer o projeto; na reunião representantes dos grandes países não se manifestaram abertamente; mas as objeções vinham sintomaticamente dos pequenos. “Por que, em lugar de criar um banco, não fortalecer as instituições existentes, como o Banco Mundial?”, perguntavam.

A resposta poderia ser encontrada, agora, em recente artigo de Eric Toussaint, na série “Os setenta anos de Bretton Woods, do Banco Mundial e do FMI (parte 12)”, sob o título “As mentiras teóricas do Banco Mundial”. Trata-se de um libelo irrespondível sobre a atuação do Banco, que, ao longo do tempo, atendeu principalmente aos interesses dos Estados Unidos e dos países desenvolvidos em lugar de favorecer o desenvolvimento dos pobres. Se alguém tem dúvida, consulte o Relatório de 1914 do banco, sob o título “Risco e Oportunidade”: é puro charlatanismo ideológico em favor do livre-cambismo e do Consenso de Washington.

O Banco dos BRICS, ao contrário do que pensa ingenuamente Sérgio Léo, é a primeira grande tentativa em 70 anos de se romper com a estrutura financeira internacional criada no pós-guerra com foco nos interesses dos ricos. É evidente que o banco terá condicionalidades financeiras rígidas, pois afinal é um banco, não uma agência de fomento a fundo perdido; mas a simples ausência de condicionalidades políticas ou macroeconômicas será suficiente para dar-lhe um caráter desenvolvimentista real, ao contrário do Banco Mundial e do FMI.

Finalmente, Sérgio Léo alega que, se há risco de promoção de golpe no Brasil, deve ser procurado nas forças internas, e não na CIA. É outra ingenuidade. Não há diferença entre forças golpistas internas e externas. São as mesmas. A primeira coisa que algum golpista interno faz é buscar apoio externo. E a primeira coisa que uma força externa pró-golpe faz é buscar forças internas para que assumam um papel ostensivo e aparentemente hegemônico. O que a “Veja” faz é puro golpismo, eventualmente amparada financeiramente pela CIA, como foi o caso de “El Mercurio” no golpe contra Allende. Os que tem olhos para ver, vejam.

Quanto ao suposto desinteresse dos EUA de ver desestabilizada uma área tão tranquila, como o Brasil, volta-se de novo ao terreno da ingenuidade. São forças internas, no nosso caso da mídia, que preparam a intervenção externa. A Ucrânia estava tranquila antes que ONGs financiadas pelos EUA iniciassem o processo de sua desestabilização. Não há, nesse jogo, espaço para escrúpulos de qualquer natureza. O que importa para a política externa norte-americana são os seus interesses estratégicos de curto e longo prazos. Para isso são capazes de tudo. Inclusive de violar a democracia que pregam em seus discursos e fragmentar os países em lutas fratricidas, como ocorreu em quatro países na chamada “Primavera Árabe” e no golpe ucraniano.

J. Carlos de Assis - Economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor da Economia Internacional da UEPB.
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