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14/02/2015
Trabalhadores da Petrobras propõem “reestatização” e criticam papel da mídia
Representante eleito dos funcionários no Conselho de Administração, Deyvid Bacelar sugere ampliar presença do Estado contra a investida privatista do mercado e aponta falhas de comunicação da estatal
Por Vitor Nuzzi, da Rede Brasil Atual
Coordenador do Sindicato dos Petroleiros da Bahia, Deyvid teve apoio da Federação Única dos Petroleiros (Foto: SindpetroMG/FUP/Reprodução)
Em 12 de maio, o técnico de segurança Deyvid Bacelar, de
34 anos, completará nove na Petrobras, onde entrou por concurso. É
funcionário da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), a primeira refinaria
nacional de petróleo, instalada no Recôncavo Baiano. “Surgiu antes da
Petrobras”, lembra Deyvid, baiano de Feira de Santana. A RLAM foi criada
em 1950, enquanto a empresa veio três anos depois, em meio a campanhas
nacionalistas pela produção de petróleo no Brasil e a descrença de
muitos.
Assim, a crise atual não surpreende Deyvid. “Isso acontece
desde que a Petrobras é Petrobras”, lamenta, criticando o que considera
falhas de comunicação da empresa no esclarecimento à sociedade e
atacando o papel da mídia tradicional na cobertura das denúncias. Tudo
isso, para ele, atinge moralmente os funcionários da empresa, que acabam
incluídos na vala comum da corrupção.
Maior participação dos trabalhadores nos processos de
decisão poderia evitar, talvez, a ocorrência de parte dos recentes
episódios envolvendo a Petrobras. Mas há também muita omissão de
informação sobre os resultados obtidos pela companhia, que, muito longe
de “quebrar”, como afirmam opositores, segue apresentando bom
desempenho.
Eleito com 6.864 votos (57,83% dos válidos), Deyvid
Bacelar será a partir de abril o representante dos trabalhadores no
Conselho de Administração da empresa. Coordenador do Sindicato dos
Petroleiros da Bahia, ele teve apoio da Federação Única dos Petroleiros
(FUP). O atual representante, Sílvio Sinedino, diretor da Associação dos
Engenheiros da Petrobras (Aepet), teve 5.006 votos. No total, 12.246
funcionários participaram do processo eleitoral. O CA tem dez
integrantes, sete indicados pela União. Dois representam os acionistas e
um é eleito pelos empregados.
Em momento de maior pressão política e do mercado
financeiro envolvendo a companhia, Deyvid levará ao Conselho uma
proposta que vai na contramão do que gostariam de ouvir os chamados
analistas, que já se decepcionaram com a indicação do substituto de
Graça Foster na presidência, Aldemir Bendine. “Vamos pautar a
reestatização da Petrobras”, diz. Ele lembra que já existe uma proposta
nesse sentido parada no Congresso: o Projeto de Lei 5.891, de 2009,
assinado pelo deputado Fernando Marroni, do PT gaúcho, e mais 21
parlamentares, que restabelece o monopólio estatal no setor.
O próprio Deyvid tem ações da empresa. Muitos outros
petroleiros também têm, acreditando, como ele diz, que “a Petrobras é
maior do que tudo que está na mídia”.
O técnico pertence à “geração Lula”, como ele mesmo diz.
Funcionários que entraram depois de 2003, quando o ex-presidente iniciou
o seu primeiro mandato. Foi quando os concursos foram retomados. De
acordo com o relatório social da companhia, em 2013, de 62.692
funcionários da Petrobras, 62% tinham menos de dez anos de empresa.
Incluindo controladas, subsidiárias e coligadas, a companhia fechou o
ano com 86.111 empregados. Deyvid passou em outros quatro concursos,
inclusive de nível superior – é graduado em Administração, com
especializações em SMS (Saúde, Meio Ambiente e Segurança) e Gestão de
Pessoas –, mas disse preferir o cargo técnico na Petrobras.
A nova leva de funcionários é um dado relevante na
companhia, mas Deyvid demonstra preocupação com a saída de mais de 8 mil
trabalhadores, após um programa de demissões voluntárias na empresa, em
2014. Não há garantia de reposição. Ele teme, na verdade, ampliação da
terceirização. Hoje, a proporção é de aproximadamente quatro
terceirizados para um funcionário próprio. E quase 90% das mortes
decorrentes de acidentes acontece entre funcionários de empresas
terceirizadas, como aconteceu nesta semana, em um navio-plataforma no
Espírito Santo.
Deyvid critica os ataques especulativos à Petrobras, mas
avalia que a própria empresa não se comunicou como deveria. Ele
considera que a ex-presidenta Graça Foster não deu as informações
necessárias sobre a refinaria de Pasadena e a respeito do último balanço
trimestral da campanha. “Eu pessoalmente fiz essas críticas. Cada
declaração era uma desgraça. Às vezes (ela) solta uma informação não
incorreta, mas sem os detalhamentos necessários”, comenta.
A FUP lançou recentemente um manifesto em que defende o
patrimônio representado pela companhia, ao mesmo tempo em que pede
punição de corruptos e corruptores, com a ressalva de que esse processo
“não pode significar a paralisia da Petrobras e do setor mais dinâmico
da economia brasileira”. O próximo representante dos trabalhadores no
Conselho de Administração pede transparência e mais participação. E no
lugar do “deus mercado”, como ele diz, o Estado.
Leia alguns tópicos da entrevista.
Clima entre os funcionários
É importante destacar que isso, infelizmente, acontece
desde que a Petrobras é Petrobras. É claro que se intensifica nos
governos militares, Collor, Sarney, FHC. A grande diferença foi o
trabalho sujo que a mídia faz, dando ênfase demasiada a um problema que
sempre existiu, com algumas informações distorcidas. Devido a isso, os
trabalhadores petroleiros se sentiram afetados. Eles sabem que estão em
uma grande empresa, que participam do desenvolvimento do país. Mas ele
teve a moral atingida. Ouve piadinhas na rua, teve até marchinha, como
se todos fossem corruptos.
Esse desgaste, essa moral ferida, se deu também pela falta
de comunicação da própria empresa. Para o público interno e, muito mais
ainda, externo. Somente agora ela vem com uma campanha de defesa, e
mesmo assim dando dinheiro para a Globo e para as mídias que sempre a
atacaram. O blog Fatos e Dados (mantido pela Petrobras) também já teve uma utilização muito maior.
Participação dos trabalhadores na governança
A lei (12.353, de 2010, sobre participação dos trabalhadores nos conselhos das estatais)
dá pelo menos esse espaço. Mas a Petrobras não divulga da maneira que
poderia a importância dessa participação. Que poderia ser maior, já que
hoje o trabalhador não pode participar de reuniões que discutam pautas
trabalhistas e previdenciárias (existe na Câmara um projeto de lei, o PL. 6.051, de 2013, que acaba com essa restrição).
Além disso, a gente tem um viés (criado pelo atual coordenador da FUP,
José Rangel) de um comitê SMS. É uma linha para aumentar o interesse e a
participação das pessoas.
(Hoje, 12, a FUP solicitou uma reunião extraordinária
com o novo presidente da empresa, Aldemir Bendine, para discutir
mudanças na política de SMS da companhia.)
Acidentes
Tivemos um em janeiro na Bahia (uma explosão na RLAM deixou três feridos), e
agora esse no Espírito Santo (explosão em navio-plataforma, com cinco
mortes e 25 feridos confirmados até agora). Isso tem de ser discutido
pela alta administração. Só em 2014, foram 15 mortes. Isso demonstra a
falta de compromisso dos gestores.
Terceirização
A relação é de quatro para um dentro da empresa. São 85
mil funcionários e mais de 300 mil terceirizados. De 85% a 88% das
mortes são de trabalhadores terceirizados. A terceirização destrói a
relação de trabalho.
Transparência
É um pleito antigo nosso. Há uma proposta antiga dos
sindicatos de terem acesso aos processos de contratação. Além de
proteger o trabalhador e a trabalhadora, a gente estaria ajudando na
fiscalização. Infelizmente, a empresa não dá espaço. Algumas gerências
permitem, mas é algo muito pontual. O Conselho poderia criar um comitê
específico que se debruce sobre os relatórios. Temos bons auditores
internos. Talvez a gente pudesse evitar (alguns dos episódios que agora
estão sendo investigados).
Reconstrução
A gestão em si da Petrobras é muito fechada. As decisões acabam sendo muito concentradas. É o que se chama de top-down,
sempre de cima para baixo. Essa linha hierárquica é muito pesada. Mas
aquilo que vem de cima não tem participação da base, daqueles que estão
construindo a empresa todos os dias. E a empresa moderna prevê isso. A
gestão deveria ser mais participativa, mais democrática. Tem ferramentas
para isso. Para que o trabalhador participe do planejamento estratégico
da companhia. É notório que essa estrutura não se sustenta mais. Quem
conhece de fato os problemas é o trabalhador na ponta. Essa construção
se dá, a nosso ver, na maior participação dos trabalhadores na gestão.
Novo presidente
Há uma falta de participação nas questões decisórias. Para
uma indicação dessas, deveria se ouvir o mínimo possível as pessoas que
trabalham na companhia. Nesse caso, da forma como foi escolhido, não há
participação nenhuma. Deveria pelo ser feito de uma forma que um
perfil fosse direcionado pelos trabalhadores. Mas esse é o mundo ideal.
Como a gente não tem, (a outra alternativa) eram os acionistas
minoritários, com o deus mercado, impondo seu presidente. Apesar de não
haver essa participação (dos trabalhadores), a categoria sentiu um
alívio por não ter sido o deus mercado que indicou o presidente. Foi
pelo menos uma sinalização positiva.
Governança/nova diretoria
Infelizmente, as sinalizações até então foram todas essas. Primeiro, a gente já questiona a direção de Governança (em
janeiro, o Conselho de Administração aprovou a indicação de João
Adalberto Elek Junior para o cargo recém-criado de diretor de
Governança, Risco e Conformidade). Segundo, a forma de escolha, de
buscar uma pessoa de fora, ligada ao mercado, para tratar da segurança
de informações estratégicas. Nossa esperança (com Bendine) é que se
tenha um maior equilíbrio em relação a isso.
Exclusão de empresas
Se for para punir alguém, tem de ser os gestores. Se tem
um problema de contratos, que se melhore a fiscalização. Toda uma cadeia
produtiva está sendo afetada. É uma decisão absurda (excluir empresas
brasileiras). A gente espera que a nova diretoria, o novo conselho, mude
essa decisão. Se vierem a parar os estaleiros, vai atingir de 70 mil a
80 mil pessoas. Se a decisão for mantida, é muito ruim para o país.
No Conselho
Uma proposta que a gente vai pautar é a da reestatização
da Petrobras. Agora que o valor das ações está baixo, o governo deveria
estar comprando ações do jeito que fosse necessário. Basta ter interesse
e não ceder às pressões do mercado. Até porque tem um projeto de lei de
iniciativa da FUP, construído com as centrais, que não anda (o PL
5.891). Se a sociedade tomar consciência da importância disso, de uma
reserva de 23 bilhões de barris, do retorno que o pré-sal vai trazer,
esse projeto estaria sendo aprovado. Na capitalização da Petrobras, o
governo comprou muitas ações. Eles (opositores) veem a possibilidade de o
Congresso acabar com o regime de partilha. Petroleiros têm comprado
ações. Essas 85 mil pessoas que acreditam na empresa, que sabem que ela é
mais do que está na mídia. É hora do governo fechar o capital da
empresa, 100% estatal.
A empresa “quebrou”?
Tem a questão política. Mas é omissão de informação, na
verdade. Em 2002, a empresa tinha 36 mil empregados. Não se fazia
concurso há 15 anos. Em 2014, chegou a 85 mil. Saiu de um valor de
mercado de US$ 15 bilhões (2002) para US$ 108 bilhões. O pior é que a
sociedade acaba se contaminando. As pessoas não sabem que o pré-sal já
produz 700 mil barris por dia, que a empresa bateu recordes de produção
nos últimos três anos (em 2014, a Petrobras obteve marca histórica na produção total de petróleo e gás). Nenhuma
petrolífera do mundo faz isso. Mas o trabalhador sabe que tudo isso não
passa de um grande jogo político. E sabe que o que está por trás de
tudo isso é o financiamento empresarial de campanhas políticas. Não
adianta a gente fazer todo essa discussão agora se não vai no cerne da
discussão, que é a reforma política.
(Foto de capa: Juarez Cavalcanti)
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