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20/02/2015
"É uma piada" o silêncio da Globo sobre o caso HSBC
Brasil 247 - 20 de Fevereiro de 2015 às 19:06
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Professor de Filosofia da USP
Vladimir Safatle demonstrou indignação com a "cobertura" dada pelo grupo
de comunicação da família Marinho sobre o escândalo envolvendo o banco
HSBC; "Isso é uma piada, é completamente inacreditável. Eu gostaria que
eles explicassem muito claramente qual é a noção deles de notícia,
porque é surreal"; professor criticou o vazamento seletivo de nomes dos
correntistas; “Os nomes que vazam dessa lista de brasileiros com contas
no HSBC em Genebra são de envolvidos na Operação Lava Jato, da Polícia
Federal. Quer dizer, os nomes são divulgados dependendo do interesse do
meio de comunicação. Só são esses os nomes dos 4 mil correntistas, só
são esses dez ou 15 que tiveram problemas?”
Da Rede Brasil Atual -
O HSBC é um exemplo privilegiado de como corporações que estão no
limite da criminalidade impõem na economia internacional seus
interesses. O professor de filosofia da Universidade de São Paulo (USP)
Vladimir Safatle indica a instituição financeira como exemplo de
promiscuidade entre mercado financeiro, política e mídia, com raízes no
crime, em entrevista à Rádio Brasil Atual hoje (20). “Desde sua criação,
o banco tem as piores credenciais possíveis. Essa instituição bancária
foi criada em 1860, depois da última guerra do Ópio entre Inglaterra e
China, quando os ingleses forçaram a abertura dos portos chineses para
que o tráfico da droga continuasse”, relata.
“Os chineses resolveram impedir o comércio de ópio
porque a população já estava entrando em um processo de ser dizimada
pela droga. Então, o banco foi criado exatamente para financiar o
tráfico de drogas, entre outras coisas. E ele cresceu, a partir dos anos
70, comprando bancos dos Estados Unidos e da Europa, muitos dos quais
tinham carteiras extremamente problemáticas", diz Safatle. "Foi o caso
do banco do finado Edmond Safra, que tinha entre seus clientes
traficantes de diamantes e negócios com a máfia russa. O Safra foi
assassinado em uma situação, no mínimo, bastante misteriosa. Seu banco
iria ser comprado pelo American Express e o negócio foi desfeito por
causa de problemas internos."
Esse foi o processo de crescimento do banco, segundo o
professor. "Comprou o Bamerindus aqui, um banco que estava com
problemas enormes. E não só isso, quer dizer, ele é reincidente, faz
anos que o banco tem sido julgado por várias instâncias mundiais,
exatamente por esses seus negócios com tráfico, negócios ilícitos. Foi
declarado culpado nos Estados Unidos por um caso que envolvia tráfico
com colombianos e mexicanos. Só que pagou uma mixaria de um milhão e
novecentos mil dólares de multa.”
O que ocorre com o HSBC não é novo, é uma prática
comum, para Safatle: “E não é para estigmatizar o banco, mas para
esclarecer o que é o sistema financeiro internacional. São corporações
que estão acima dos governos. Não só não se quebra como não se
regulamenta um banco como o HSBC, porque ele está tão acima dos governos
que o seu diretor à época desses chamados Swiss Leaks era pastor
anglicano e hoje é ministro do David Cameron, no governo britânico."
O professor ressalta que se percebe uma relação
incestuosa entre o sistema financeiro e a classe política. "É o diretor
do banco que vira ministro de um gabinete da Inglaterra, que, com
certeza, não vai desenvolver políticas que sejam estranhas ou contra os
interesses do sistema financeiro que ele representa muito bem. A
imprensa começou a questionar o ministro e ele não dá resposta alguma,
porque ele sabe que está numa situação de ser completamente intocado,
não há nada que possa acontecer com essas pessoas", lamenta.
Para o filósofo, todo mundo fica completamente
exacerbado por problemas como tráfico de drogas, de armas, guerras. "Se
não existissem esses bancos, que têm como uma suas finalidades lavar
esse dinheiro, com certeza o problema não seria dessa magnitude em
hipótese alguma. Só há crime nessa magnitude porque há um sistema
financeiro que é completamente conivente, cresceu dentro desse meio.”
Ele destaca que não é só a tráfico de drogas que o
HSBC está ligado, mas que há também fraudes de evasão fiscal, no momento
em que a economia mundial e os estados estão em crise, tentando segurar
o que restou de bem-estar social. “Os países da União Europeia
socorreram bancos falidos. Então, quando os bancos cometem crimes, o que
se espera é que os responsáveis sejam punidos, presos, mas não é isso o
que ocorre”, observa.
Le Monde, que mobilizou um
pouco tudo isso, chegou a brigar com seus acionistas porque um deles fez
uma declaração dizendo que achava um absurdo que o jornal expusesse
esses nomes. Ou seja, a imprensa fez o seu papel. No caso brasileiro é
inacreditável".
O Brasil é, a princípio, o nono país em número de
contas nessa filial genebrina do HSBC. São 8.667 contas, das quais 55%
são contas de nacionais, ou seja, são mais de 4 mil pessoas. "A pergunta
que eu gostaria de fazer é quem são essas pessoas. O sujeito não abre
uma conta em um banco suíço com esse histórico à toa. Quem são as
pessoas que fizeram evasão fiscal, fraude fiscal e coisas dessa
natureza?”, questiona.
Alguns nomes de brasileiros que possuem contas no
HSBC com depósitos sem origem comprovada na agência em Genebra foram
conhecidos por intermédio de sites angolanos. “Aí apareceu o nome do rei
do ônibus do Rio de Janeiro, o nome da família Steinbruch, que é do
grupo Vicunha. Essas pessoas cometeram crimes, quais foram os crimes? É
muito estranho que não só a imprensa, mas, ao que parece, a própria
Receita Federal adiou a análise de coisas desse tipo."
Para Safatle, isso demonstra um dado muito evidente:
"A elite rentista brasileira é completamente blindada, sabe que é e tem
uma relação incestuosa entre poder político e estrutura de comunicação,
que faz com que em última instância seja um grupo só, de uma forma ou de
outra, que sabe que pode fazer o que quiser, porque sabe que não existe
nenhuma possibilidade de a Justiça pegar, a não ser existam embates
internos, em brigas internas, aí sim vão pegar um ou outro".
O professor da USP se pergunta como ampliar essa
discussão oculta na imprensa tradicional. “Os nomes que vazam dessa
lista de brasileiros com contas no HSBC em Genebra são de envolvidos na
Operação Lava Jato, da Polícia Federal. Quer dizer, os nomes são
divulgados dependendo do interesse do meio de comunicação. Só são esses
os nomes dos 4 mil correntistas, só são esses dez ou 15 que tiveram
problemas? Isso é uma brincadeira.”
A extrema gravidade da história exige que se faça
algo. “Se tem algo que destrói a moralidade é a parcialidade, é você
começar a perceber que há um uso estratégico do discurso sobre a
moralidade, porque é um uso que serve simplesmente para você voltar suas
atividades contra seus inimigos. Nesse momento, a moralidade perde
completamente seu valor. Eu diria que na política brasileira isso
acontece a torto e a direito, é um traço característico da política
brasileira."
Safatle lembra: "A moralidade exige a simetria
completa dos julgamentos. É julgar todos da mesma forma, independente do
que vá acontecer. Isso falta dentro da política brasileira. É por isso
que não se consegue fazer com que essas indignações se transformem em
saltos qualitativos da política. E aí vira simplesmente um jogo em que
se tenta colocar um ou outro contra a parede.”
Safatle identifica que há um processo de desgaste
constante do governo pela mídia e, por isso, os nomes envolvidos em
negócios ilícitos no HSBC são seletivos. “Se a gente quisesse mesmo
fazer uma limpeza geral no que diz respeito ao caso Petrobras, por
exemplo, todos denunciantes falaram: 'Olha, desde 1997 eu recebo
propina'. Ou seja, tem um dado estrutural, não existe um caso de governo
ou de partido, é um caso de estrutura, em que vai todo mundo. E nessa
situação o mínimo que se espera é que se mostre claramente a extensão do
processo e a necessidade geral de punição. Mas isso nunca ocorre, isso
desgasta toda a força da indignação moral”, lamenta. “Todo mundo que
conhece um pouco da sociedade brasileira sabe que lá você vai encontrar
alguns dos nossos empresários mais conhecidos, alguns dos políticos mais
conhecidos.”
Quanto ao silêncio que a Rede Globo dedica ao caso do
HSBC, Safatle comenta: "Isso é uma piada, é completamente
inacreditável. Eu gostaria que eles explicassem muito claramente qual é a
noção deles de notícia, porque é surreal. Você pode pegar as páginas
do The Guardian, jornal britânico, ou do francês Le Monde, e a televisão de maior audiência não dá nada? O que é isso? Eles transformam o jornalismo em uma grande brincadeira".
Para a secretária-geral do Sindicato dos Bancários de
São Paulo, Osasco e Região, Ivone Maria da Silva, é uma "vergonha" que
esse caso só apareça em alguns sites e blogs e seja ignorado pelos
grandes meios de comunicação, que não têm interesse em divulgar os nomes
de brasileiros que estão nessa lista com depósitos sem origem
comprovada no HSBC em Genebra. “Um dos clientes que já apareceu na lista
foi o Clarín, da Argentina. Não vamos ficar surpresos se os
meios de comunicação aqui do Brasil também aparecerem na lista, ou se os
donos desses meios estiverem guardando dinheiro lá fora para não pagar
impostos. Talvez por isso essa lista não seja divulgada. Começaram a
soltar os nomes seletivamente, e por isso surgem os nomes relacionados
com a Lava Jato. Mas tinha que soltar o nome de todo mundo”, diz.
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