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24/08/2015
Quando as imagens explicam melhor a política do que as palavras
Se reunissem todas as análises que têm sido escritas desde o começo do ano sobre o momento político e as razões das manifestações contra o governo Dilma Rousseff, provavelmente esses escritos lotariam as prateleiras da Biblioteca Real de Alexandria.
Há alguns meses, porém, circulam pela internet – a meu ver, timidamente – duas fotos que, justapostas, são muito mais eficientes para explicar o processo político-ideológico em curso no país do que todas essas análises juntas.
Antes que alguém venha contra-argumentar que há diferenças fundamentais entre os dois momentos da vida nacional, quero dizer que concordo. O país em que vivemos hoje impede que essa gente que saiu às ruas em 1964 dizendo as mesmas bobagens que hoje obtenha os mesmos resultados que obteve cinco décadas atrás.
As instituições e as garantias constitucionais são muito mais sólidas, apesar de combalidas pelas prisões arbitrárias e pelo uso da lei de forma seletiva que têm sido vistos nos últimos dois anos e pouco.
Não existe hoje no mundo condições para um país da importância do Brasil sofrer uma quartelada sem se isolar dramaticamente da comunidade internacional – um golpe militar, hoje, afundaria o país, que seria alijado de todas as instâncias multilaterais do mundo.
Então para que serve comparar essas fotos?, perguntará o leitor. Será só pela coincidência perfeita entre as frases que exibem?
Em primeiro lugar, não há coincidência. Quem manufaturou a faixa vista nas manifestações antigoverno deste ano certamente inspirou-se em dizeres que foram levados às ruas nas marchas “da família com Deus pela liberdade” de meio século atrás, as quais, paradoxalmente, levaram o país à maior falta de liberdade que sofreu no século XX.
Uma falta de liberdade que durou 21 anos, diga-se.
Em segundo lugar, a comparação serve para explicar a motivação de quem está protestando contra o governo.
Mais uma vez, outra comparação de imagens mostra que atribuir “repúdio à corrupção do PT” como razão para protestar, não passa de balela.
Mas se repúdio à corrupção não é a verdadeira motivação dessas manifestações antigoverno, então o que move essa gente?
Aí é que entram as duas fotos que encabeçam este texto. Tanto em 1964 quanto hoje, o que move essa uniformidade étnica e de classe social que quer derrubar o governo é a preservação da desigualdade que essas pessoas conseguiram ampliar ao longo de 21 anos de ditadura.
O aumento da desigualdade durante os anos do Milagre Econômico foi tema de diversos estudos de economistas. Veja o que especialistas escreveram, naquela época, sobre a concentração de renda no país.
Alberto Fishlow, professor da universidade de columbia
Em 1972, escreve artigo publicado na ‘American Economic Review’, mostrando o aumento da concentração de renda no Brasil entre 1960 e 1970. Era o período que a repressão do regime militar alcançava seu auge.
— De certa maneira (Carlos) Langoni replicou meu artigo, mas não utilizou as rendas maiores e mostrou uma situação um pouco melhor dos habitantes — afirma.
Carlos Langoni, doutor pela Universidade de Chicago
A pedido do então ministro da Fazenda Delfim Netto, ele fez um estudo sobre o tema e concluiu que a educação era fator preponderante para explicar a piora na distribuição de renda:
— Todos reconhecem que a educação é um fator fundamental para reconciliar desenvolvimento com melhoria da distribuição de renda — afirma o ex-presidente do Banco Central Carlos Langoni.
Rodolfo Hoffmann, doutor em Economia Agrária /USP
No Brasil, na mesma época que Fishlow, Hoffmann também constatou o aumento da desigualdade.
—Todos nós deduzimos, matematicamente, que (o aumento da concentração) tinha a ver com a ditadura. O espantoso no livro do Langoni é que ele não fala do golpe. É o erro básico, como se o mercado funcionasse independentemente da política.
Vale ressaltar que quem diz isso não é este blogueiro, mas o jornal O Globo.
Assim, recorremos de novo a uma imagem para explicar por que a extrema-direita, após mais de 50 anos, voltou a protestar com virulência ímpar contra um governo brasileiro.
O que preocupa o autor desta análise, pois, é que quando imagens explicam melhor a política do que as palavras é porque a sociedade abandonou o campo do diálogo e mergulhou no da imposição de vontades.
É simples assim.
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