04/04/2016
Resposta à coluna de Ana Maria Machado no Globo
A escritora Ana Maria Machado, colunista do Globo, escreveu um artigo há dois dias em que defende a "imprensa" e faz observações que considero equivocadas. Como achei que o artigo veio elaborado, apesar dos erros, com certa inteligência, decidi respondê-lo publicamente. Fá-lo-ei intercalando meus comentários, para facilitar para mim mesmo.
O texto dela vem em fonte normal. O meu texto vem em negrito e entre colchetes
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Para inglês ver
Por Ana Maria Machado, no Globo.
Acusam a imprensa de mentir, passando por cima do fato de que já foramlocalizados milhões de dólares no exterior
Na segunda metade do século XIX, os ingleses impuseram ao governo brasileiro a proibição do tráfico de escravos. Podiam até estar agindo apenas por seu próprio interesse, de modo a garantir a futura existência de um mercado consumidor para a produção das suas fábricas que se multiplicavam com a Revolução Industrial. Mas, nesse momento, desempenhavam um papel progressista e defendiam a dignidade humana. Para garantir o cumprimento dessa exigência aparentemente libertária, embarcações britânicas patrulhavam as águas do Atlântico Sul, aprisionando os tumbeiros que conseguissem interceptar. É claro que o contrabando negreiro continuava, às escondidas. E o Brasil fazia de conta que suspendia o tráfico. Mas agia apenas para manter as aparências. Daí a origem da expressão “para inglês ver”, usada para exibirmos uma imagem falsa aos olhos do estrangeiro. E ficarmos bem na foto, como se diz hoje.
[Até aí tudo bem, embora me cause calafrios falar em tráfico de escravos num artigo que irá defender um golpe tocado justamente pelos escravocratas de hoje! Ou alguém tem dúvida de que as forças golpistas de hoje, incluindo o Globo, não são as mesmas que sempre defenderam a manutenção da escravidão no país? Mas isso é especulação, passemos às críticas objetivas.]
Até há pouco tempo, os meios universitários estrangeiros e a imprensa internacional em geral distinguiam bastante bem a situação política brasileira da existente em seus vizinhos hispano-americanos, bem como em variados regimes ditatoriais de países emergentes em outras partes do mundo. E não apenas pelo nosso potencial econômico e pela disposição de enfrentamento e correção da desigualdade social por meio de programas de distribuição de renda e diminuição do abismo entre as classes. Mas, desde o fim da ditadura militar, o Brasil vinha mostrando a consolidação de suas instituições democráticas, eleições regulares com possibilidade de alternância de poder, imprensa livre e atuante, poderes independentes, respeito à Constituição. Incontáveis vezes, em foros de debate internacional, tive a oportunidade de ouvir desses observadores análises que destacavam a autonomia da imprensa e a soberania do Judiciário como fundamentais traços distintivos da democracia brasileira, frente aos vizinhos bolivarianos.
[Preconceitos tolos e opinião superficial. O Judiciário brasileiro é um dos piores do mundo. Há mais de 200 mil brasileiros presos sem sentença. A opinião negativa sobre o Judiciário "bolivariano" de outros países é opinião, em geral, de quem não conhece esses países e apenas externa o famigerado senso comum, que é invariavalmente fruto da campanha da mídia imperialista para atacar governos populares, que ousaram romper privilégios seculares].
É exatamente nessa área, de desmoralização da imprensa e da Justiça, que o governo resolveu atuar agora, em sua ofensiva de contranarrativa do que está acontecendo no país desde que há dois anos começaram as investigações policiais de irregularidades num posto de gasolina e lava a jato de automóveis no Paraná, trazendo à baila doleiros, sonegação fiscal, evasão de divisas, cartel de empreiteiras, licitações combinadas, desvio de dinheiro da Petrobras, propina a dirigentes e políticos, compra de apoio parlamentar, contas ilegais no exterior. E mais, ao que tudo indica, tentativa de obstrução da Justiça.
[Desculpe, Ana, mas não é verdade. A crítica à imprensa e ao judiciário vem da sociedade civil, organizada e desorganizada. Não do governo, que infelizmente é mudo. As denúncias contra a Lava Jato são feitas por juristas reconhecidos e até ministros do STF. Hoje está claro para muita gente, fora do governo, que se trata de uma operação recheada de ilegalidades, desde a sua origem. E não houve nenhuma tentativa de obstrução da Justiça - quer dizer, houve sim, por parte da mídia, que passou a ser parte integrante da operação Lava Jato, recebendo vazamentos seletivos e pressionando tribunais superiores, inclusive via chantagens de assassinato de reputação, a não contestarem as decisões de Sergio Moro. O habeas corpus, por exemplo, foi praticamente abolido na Lava Jato.]
Nessa estratégia vimos nos últimos dias uma escalada de ações para inglês ver, muitas vezes manipulando gente de bem, que não compactua com bandidos e se deixou convencer de que tudo não passa de uma perseguição pessoal do Judiciário e da mídia contra Lula ou o governo, ou de que há mesmo um complô dos inimigos do povo para tirar dos pobres tudo o que eles melhoraram nos últimos tempos ou liquidar a Petrobras para que os ianques venham se apossar dela a preço de banana.
[Ana, a expressão "gente de bem" me causa novamente arrepios. Se há "gente de bem", então deve haver "gente do mal", e fica subentendido no texto que essas são as pessoas que não concordam com suas opiniões. Esse tipo de postura, a meu ver, está na raíz da emergência da intolerância e truculência política que vemos hoje. Não, Ana. Essa não é uma postura democrática. Não existe essa coisa de "gente do bem", pelo amor de Deus. Existe gente, só. E viva Clarice Lispector, que sabia disso. Ana, há sim perseguição pessoal à Lula e ao governo, por parte de uma mídia que, você sabe muito bem, é historicamente golpista. Aliás, você sabe mas finge não saber porque escreve para o jornal mais golpista de todos. E você só escreve aí porque tem essa opinião. Se tivesse outra, não escreveria. E suas observações sobre os ianques e a Petrobrás são de uma superficialidade terrificante. O governo americano, através da NSA, espionou a Petrobrás. O governo americano destruiu praticamente o oriente médio inteiro, para se apossar de seu petróleo. Então sejamos um pouco mais objetivos e realistas ao falar de geopolítica do petróleo, ok? Ela existe e ela é brutal. Outra coisa: o seu texto finge que não existe política. Nesse ponto, ele é despolitizante. Há setores que pretendem remover o PT do poder e eliminar Lula. Parte disso é do jogo. Lula sabe disso. Os métodos usados, porém, tem sido perigosamente antidemocráticos. Perseguir Lula por causa de pedalinhos e reforma de apartamento que não é dele teve um custo alto para a Lava Jato e a mídia: se auto ridicularizaram.]
Para isso, desqualificam as investigações. Acusam a imprensa de mentir, passando por cima do fato de que já foram localizados e bloqueados milhões de dólares no exterior, para não falar dos milhões de reais já recuperados. Repetem que impeachment é golpe — por mais que ministros e ex-ministros do STF já tenham negado essa interpretação, desde que os preceitos constitucionais sejam respeitados. Prendem-se a tecnicalidades e firulas jurídicas, esquecendo o ensinamento de tantos outros juristas, como Evandro Lins e Silva, citando Nélson Hungria, por ocasião do impeachment do Collor: “O sigilo não protege o crime.”
[Não, Ana. As investigações se auto-desqualificam. As críticas chegam de toda a parte, inclusive da imprensa internacional. Não feche os olhos às críticas. As críticas são democráticas e saudáveis. Pare de ler o Globo por um momento e olhe a internet. Já aconteceram milhares de atos, no Brasil e no mundo, contra a justiça partidária e contra o golpe. Nenhum desses atos, ou quase nenhum, foi organizado pelo governo ou pelo PT. Até o Porta dos Fundos fez um vídeo engraçadíssimo sobre esse processo de perseguição seletiva. Intitula-se Delação. Procure no youtube. Gregorio Duvivier não é "governo". Marcelo Freixo, deputado estadual pelo PSOL, oposição ao governo, também critica a justiça partidária.]
Então, a presidente dá entrevista à imprensa internacional, e faz comício no Planalto diante de embaixadores estrangeiros para angariar apoios à sua tese de que o Brasil não está funcionando de modo democrático. Um diplomata usa canais oficiais para atacar as instituições do país. Intelectuais respeitáveis, por mais bem intencionados que possam ser, abrem mão de qualquer análise menos rasteira e se precipitam em assinar manifestos que enfileiram palavras de ordem sem compromisso com os fatos ou qualquer sutileza. Ao colocar sua própria inteligência a serviço de um palavrório que não assinariam individualmente, embarcam na manada, esquecem sua responsabilidade e acham que estão prestando um serviço à democracia e ao Brasil.
[Aí você insulta os intelectuais! Quer dizer que apenas você, uma colunista do jornal Globo, tem razão? Os intelectuais assinam manifestos sem lê-los, sem fazer análise, sem entender a conjuntura? Ora, Ana. Me desculpe, mas os intelectuais me parecem entender de política e direito muito mais do que você. Ou você acha que os milhares de cientistas políticos, juristas, escritores, artistas, que assinam manifesto contra o golpe, são todos estúpidos e só você, do alto de sua coluna no Globo, sabe o que está acontecendo? Mais uma vez, você está sendo, apesar dos trajes elegantes de colunista platinada, intolerante e ajudando a aumentar o caldo de intolerância política e fascismo que temos visto crescer no país. Respeite quem pense diferente, Ana!]
A investigação contra Collor foi possível, entre outras coisas, porque ele mesmo acabara com a possibilidade de emissão de cheque ao portador, obrigando à identificação do beneficiário. A Lava-Jato vai em frente, entre outras coisas, porque a Constituição de 88 deu poder ao Ministério Público e no próprio governo Dilma uma lei instituiu a colaboração premiada. Não é a Inquisição do Moro. Por mais que a chamem de delação, é uma ferramenta poderosa para revelar crimes ocultos — se eles existem e depois são comprovados. Isso não é perseguição nem golpe. É fato. Para qualquer um refletir, e não apenas inglês ver.
[Ana, a Constituição de 88 criou um monstro. Quem o disse não foi Lula ou ninguém do governo. Foi Sepúlveda Pertence, referindo-se ao Ministério Público. Ele se tornou corporativo e vulnerável ao surgimento de núcleos conspiradores. O ódio à política dentro do Ministério Público, por sua vez, nasce do patrimonialismo e autoritarismo históricos de nosso país. Endeusar o Ministério Público ou o Judiciário não me parece democrático. A imprensa não deveria ser crítica? Não deveria veicular críticas e visões plurais sobre todas as instituições? Por que esse chapa branquismo súbito em relação ao Ministério Público? Estamos sim diante de um golpe, apoiado pelo mesmo jornal no qual você escreve. A verdade é dura, Ana, a Globo apoiou a ditadura. E ainda apoia. ]
Ana Maria Machado é escritora
[Eu também sou escritor, e blogueiro.]
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