terça-feira, 12 de abril de 2016

Nº 19.124 - "O day after do Brasil será na rua "


12/04/2016
 

O day after do Brasil será na rua 

 

O capítulo decisivo após a votação do impeachment será na rua, onde a onda progressista cresce, e na corrida para 2018, que Lula lidera.

 

Carta Maior - 10/04/2016 00:00

 

Ricardo Stuckert/Instituto Lula


 por: Saul Leblon


Seja qual for o placar da Câmara no domingo, 17, o day after da votação não inaugurará uma nova hegemonia com força e consentimento para repactuar as linhas mestras da sociedade e do desenvolvimento brasileiros.

Ao contrário.

Provavelmente apertado, o resultado reafirmará a natureza do impasse histórico em que se encontra o país.

Assiste-se a uma ofensiva sem volta de uma parte da  elite brasileira –com seus elos internacionais-- para derrubar o governo da Presidenta Dilma Rousseff e promover uma restauração neoliberal na oitava maior economia do planeta e principal referência da luta pelo desenvolvimento no mundo ocidental.

Se perder a sua aposta parlamentar, o golpe não desistirá.

Acionará outras modalidades com o mesmo objetivo, por uma razão bastante forte.

O conservadorismo simplesmente não dispõe de uma opção eleitoral capaz de derrotar o PT nas urnas e implantar o lacto purga de ‘livre mercado’ que preconiza para substituir o ciclo de expansão vivido desde 2004.

Nem mesmo o fuzilamento diuturno de Dilma, Lula e do PT desde a vitória presidencial de 2014 conseguiu atenuar essa limitação conservadora.

São robustas as chances de um novo revés em 2018.

Foi isso que o Datafolha alertou neste domingo   –talvez com a deliberada intenção de acelerar o pacto golpista, mas escondido do leitor no pé da pág. 8.

Ali se acoberta uma singela notícia para um  momento como o atual.

Lula lidera a corrida para 2018 em três de quatro cenários testados e empata com Marina num quarto.

Mais que isso.

Sob perseguição explícita do aparato judicial e midiático, refém de manipulações grosseiras e vazamentos seletivos, seu índice cativo de melhor presidente da história saltou para 40% em 20 dias (era 35% na pesquisa anterior, de março).

Sob massacre ininterrupto, ainda assim sua taxa de rejeição caiu de 57% para 53%, enquanto a dos rivais subiu, puxada pela de Aécio, que saltou 10 pontos, a de Temer (seis pontos) e a de Marina (cinco pontos).

O veículo dos Frias naturalmente omitiu interações que exigiriam cogitar um clima de virada no ambiente político, mas o fato é que a  taxa de apoio ao impeachment de Dilma também caiu neste último Datafolha.

E não na margem de erro.

Em 20 dias de intenso fogo midiático contra a Presidenta, o apoio ao impeachment recuou expressivos sete pontos (61% x 68%).

É tão disfuncional para a linha da Folha que seus editores acharam por bem escondê-la.

O que teria levado a essa reversão a uma semana do voto decisivo?

A explicação ajuda a entender porque o conservadorismo foge da urna como o diabo da cruz.

O que mudou nos últimos 20 dias é que Dilma foi à luta.

A Presidenta despiu a tecnocrata e se assumiu líder de um governo sob cerco golpista.-

As cerimônias no Planalto deram centralidade aos movimentos sociais.

Abriu-se a agenda para atos políticos  que de outra forma seriam sabotados pela mídia, como o encontro dos artistas, o dos intelectuais e o recente, com movimentos de mulheres.

Mais que isso.

Lula voltou às ruas.

Ao contrário do que muitos alardeavam, e alguns temiam, encontrou empolgante receptividade desde a apoteótica manifestação do dia 18, em São Paulo.

Para onde iriam as atuais taxas de rejeição do ex-presidente, em uma disputa eleitoral em que eventos como esses repetir-se-iam diariamente, sendo repercutidos no horário eleitoral para todo o país?

A resposta qualitativa sugere que para toda uma geração do PSDB, de Serra a Alckmin, passando por Aécio e Richa, a chegada ao  poder passa pela caça a Lula e depende do êxito de um golpe de Estado.

Novas e velhas gerações progressistas e democráticas, ao contrário, reaprenderam no ascendente ciclo de mobilizações dos últimos 20 dias, que o governo tem base social disposta a defende-lo; e que a  rua pode engasgar o golpe mesmo com o dispositivo midiático e o aparelho judiciário ao seu dispor.

Em resumo: se vencer dia 17, o golpismo enfrentará uma crescente, tenaz e diversificada resistência de partidos, movimentos sociais, sindicatos, intelectuais, artistas e classe média democrática.

É apenas um pálido retrato do que pode ocorrer.

Mas já se configura uma espiral só equivalente à de 2002, quando a esperança venceu o medo em concentrações e massa pelo país; ou às gigantescas manifestações pelas Diretas Já; ou ainda às demonstrações de contestação à ditadura militar, posteriores ao golpe de 1964, até a edição do AI-5, em 1969.

É essa a filiação do impressionante movimento que em poucas semanas –desde o quase sequestro de Lula por Moro, em 4 de março--  catalisou um sentimento difuso de indignação, sacudiu a classe média democrática, reaglutinou a intelectualidade progressista, articulou-a aos movimento sociais e às centrais de trabalhadores  e começa a ganhar capilaridade organizada, com o florescimento de centenas de comitês pela defesa a legalidade, unificados na Frente Brasil Popular.

E não só em universidades.

Neste final de semana, intensificou-se a irradiação da resistência nas periferias das grandes capitais.

Em São Paulo, Brigadas Populares Contra o Golpe visitaram bairros como Jardim Miriam, Vila Prudente, Itaquera, São Miguel Paulista etc.

Trata-se de somar à resistência democrática a barragem popular contra o arrocho social e fiscal envelopado no programa do impeachment, ‘Uma ponte para o Futuro’.

Portanto, não há trégua à vista.

O que pretende o conservadorismo é incompatível com a legalidade, a Constituição e as urnas.

Significa que ao terceiro turno em curso, suceder-se-á um quarto, um quinto, um sexto até que se defina o novo ponto de coagulação política que dará forma a outro arranjo de poder e de desenvolvimento.

Interesses antissociais e  antinacionais viram nesse vazio conflagrado a chance de se impor à sociedade por um atalho permeável a projetos de reduzida chance eleitoral.

 
Passo a passo vem promovendo os requisitos ao seu objetivo histórico, a saber:

1. destruir o Partido dos Trabalhadores e tornar suas lideranças sentenciadas e inelegíveis; 

2. fazer a economia gritar:  paralisar o mercado,  sabotar o crescimento,  congelar o investimento, gerar desemprego, insuflar incerteza, pânico e ódio, sobretudo na classe média;

3. desqualificar políticas públicas e avanços obtidos na organização da economia, do mercado de trabalho, das políticas sociais e da soberania geopolítica, corroendo  na prática o espírito e os objetivos da própria Constituição de 1988.

A crispação se vale daquele que talvez tenha sido o erro superlativo dos governos liderados pelo PT: manter intocado o aparato de comunicação nas mãos da direita brasileira, ademais de supor que seria aceito como sócio remido no clube da lambança eleitoral.

A cobrança atual mostra o custo mortal dos dois erros.

Definitivamente, o arranjo de poder que sustentou os governos do PT desde 2003 não existe mais.

E não há viagem de volta na história.  É preciso afrontar o projeto de país embutido no golpe com um outro projeto e uma outra governabilidade.

Dispor de base parlamentar continua vital.

Ela terá que ser recomposta. Mas não será mais capaz – se é que um dia foi - de sustentar a coerência e a eficácia de um governo determinado a avançar na construção de uma democracia social no país.

Novos atores (frentes populares, mesas de pactos setoriais) e novas formas de participação democrática (conferências nacionais deliberativas, plebiscitos etc) terão que ser construídas. A informação plural terá que romper a blindagem do monopólio conservador, ou será impossível debater alternativas aos impasses do desenvolvimento.

A pedra de toque dessa trajetória consiste em restaurar transparência aos dois campos em confronto na sociedade para expor o agendamento conservador ao céu que o protege: os interesses da elite dominante.

Não há saída puro sangue.

Será preciso negociar pactos, metas, salvaguardas que preservem conquistas, admitam concessões temporais e garantam ganhos estruturais .

Saber onde estão as respostas e reunir a energia política capaz de validá-las é a fronteira que divide a derrota da inauguração de um novo ciclo histórico.

A hegemonia necessária à retomada do desenvolvimento nascerá desse encontro entre  ideias e os fatos criados nas ruas e nas mesas de negociação.

A seguir, algumas diretrizes extraídas de documentos produzidos por intelectuais engajados em pensar o day after da nação brasileira:

‘...a preservação do emprego e da renda dos trabalhadores é crucial para estancar o retrocesso social e para a consolidação de um mercado interno de consumo de massas capaz de sustentar o crescimento econômico e, por consequência, revigorar a arrecadação governamental, baseada, em grande parte, nas contribuições sobre a folha de salário ... são necessárias medidas emergenciais de curto prazo: o Programa de Preservação do Emprego deve ser ampliado, ter sua duração estendida. A utilização de crédito direcionado dos bancos públicos, condicionado a acordos de manutenção dos empregos, é outro exemplo nessa direção’;

... a definição de meta fixa ou rígida para superávit primário desconsidera que as receitas são afetadas pelo comportamento do quadro macroeconômico nacional, internacional e do cenário político (...) O estabelecimento de “bandas” em torno de meta do superávit, ao invés da fixação de uma taxa fixa, especialmente num período de “travessia” onde reinam incertezas sobre os resultados, é o mais recomendável’;

‘...a retirada de parte ou da totalidade dos investimentos públicos das metas de superávit primário, é recomendável, uma vez que tais investimentos geram receitas futuras e se financiam no médio e longo prazo’; o desbloqueio do investimento público pode ser capaz de reativar o circuito do gasto privado, ajudando a economia a reverter sua atual situação recessiva e aumentando a receita fiscal’;

‘...em diversos países a meta para a inflação é distribuída num intervalo de 24  meses ou a uma variação de longo prazo, o que dá mais margem à política monetária (juros) para responder apenas às elevações permanentes de preços’;

‘...combater uma inflação de múltipla origem exige a adoção de políticas e instrumentos econômicos mais refinados e sofisticados que a simples manipulação da taxa básica de juros da economia. Não é com desemprego que se combate inflação’;

‘...Banco Central brasileiro deve ter um mandato duplo, centrado no combate à inflação e à geração de emprego, com a utilização de outros instrumentos de política monetária para a obtenção simultânea destes objetivos’;

‘... a taxa de câmbio real/dólar é umas das mais voláteis do mundo, com um mercado de câmbio extremamente permeável à especulação financeira. As altas taxas de juros têm grande responsabilidade na atração de capitais especulativos que provocam rápidas ondas de valorização e desvalorização cambial, mas há no país também uma institucionalidade que favorece essa especulação; aqui, os movimentos da taxa de câmbio não refletem o fluxo de moeda, mas sim o mercado de derivativos onde se negocia múltiplas vezes o volume de dólares do mercado à vista. A opção por uma taxa de câmbio menos volátil, que reflita as condições reais da economia, exige a regulação ampla do mercado de câmbio, não apenas para disciplinar o fluxo de moeda, mas também a operação com derivativos’;

‘...para voltar a crescer é preciso reverter a atual política monetária; taxas tão altas de juros não encontram nenhuma justificativa numa inflação que é preponderantemente de custos (desvalorização cambial, aumento de preços de bens e serviços monitorados pelo governo, e a própria elevação dos juros), além de alguns problemas de sazonalidade (alta dos alimentos devido à seca etc.). No longo prazo, juros como os atuais alimentam a desindustrialização e estagnação da economia com o consequente flagelo do desemprego. O Brasil vive  uma recessão em processo avançado, com rápido aumento do desemprego e queda do rendimento médio do trabalho, ademais de índices crescentes de inadimplência e recuo no grau de utilização da capacidade produtiva da indústria. O déficit primário (sem o custo dos juros da dívida pública) representa pouco menos de 10% do resultado nominal global (que inclui o peso dos juros). A principal responsabilidade pela magnitude do déficit nominal, no Brasil, portanto, reside na manutenção desnecessária de taxas de juros excessivamente elevadas e nas rotineiras intervenções do Banco Central no mercado de câmbio, com a venda de swaps cambiais. Juntos, os juros e as perdas do BC com essas operações, já são responsáveis por despesas financeiras da ordem de  7% do PIB, ou seja, cerca de 90% de todo o déficit nominal. Mantido essa dinâmica não há como a relação dívida bruta/PIB deixar de crescer, asfixiando o lado real da economia em nome do combate a uma inflação que não é de demanda’;

‘... a melhor alternativa ao arrocho fiscal é a recomposição da capacidade de financiamento do Estado e a melhor alternativa à recomposição dessa capacidade de financiamento é o crescimento da economia, que potencializa as receitas governamentais. Dado o atoleiro no qual o país mergulhou, porém,  deve-se aproveitar ainda os espaços existentes para recompor a capacidade de financiamento público pela revisão dos incentivos fiscais, o combate à sonegação e, principalmente, pela realização de reforma tributária que enfrente a vergonhosa injustiça do sistema brasileiro, altamente regressivo e ineficiente. A revisão da política de renúncia fiscal nos casos em que não produziu o resultado previsto também se impõe. O Brasil é vice-campeão mundial em sonegação de impostos (13,4% do PIB). Perdemos apenas para a Rússia (14,2% do PIB). Em valor, a evasão fiscal em 2011 foi de US$ 280 bilhões, só atrás dos EUA, de US$ 337 bilhões (o valor da sonegação norte-americana, no entanto, corresponde a somente 2,3% do PIB). A recriação (mesmo com alíquota reduzida) de um imposto sobre transações financeiras contribuiria assim  para a definição de uma base de dados transparente, que dificultasse  a evasão fiscal, concentrada nos setores mais ricos da sociedade’;

‘...o Brasil é uma das sociedades mais desiguais do mundo. O topo da pirâmide social, formado por 71.440 pessoas com renda mensal superior a 160 salários mínimos, totalizou rendimentos de R$ 298 bilhões e patrimônio de R$ 1,2 trilhão em 2013. Essa minúscula elite (0,05% da população economicamente ativa) concentra 14% da renda total e 22,7% de toda riqueza declarada em bens e ativos financeiros. Esses extremamente ricos apresentam elevadíssima proporção de rendimentos isentos de imposto de renda. Outra face da injustiça do sistema tributário brasileiro reside na inexistência de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos. Entre os 34 países da OCDE, apenas a Estônia adota semelhante bizarrice. Em média, a tributação total do lucro (integrando pessoa jurídica e pessoa física) chega a 43% nos países da OCDE (sendo 64% na França, 48% na Alemanha e 57% nos EUA). No Brasil, a taxa é inferior a 30%. As raízes desse descompasso remetem às reformas realizadas ditadura militar, ampliadas no ciclo neoliberal dos anos 90. Nenhum governo ousou mudar essa equação, que se transformou em fonte de degenerescência da estrutura tributária e em obstáculo para o crescimento econômico e a justiça fiscal. Não se justifica condenar os deserdados a pagarem os custos do desajuste fiscal recessivo para preservar o privilégio tributário dos ricos: é possível simultaneamente fazer justiça fiscal e justiça social’;

‘...é preciso construir uma rápida resolução das crises no setor de engenharia e petróleo e gás no Brasil, fundamentais para a retomada do investimento. Sem se contrapor às investigações de corrupção, o governo deve convergir para uma proposta de curto prazo: punir os corruptores e multar as empresas, sem retirar destas a capacidade de ação e investimento. Outra opção é  terceirizar o controle e a gestão, com a troca do seu controle acionário quando a  direção estiver desabilitada por crimes comprovados. A possibilidade de pagamento das multas judiciais com ações garantiria a saúde financeira dos grupos e possibilitaria uma saída negociada para alterar seu controle acionário, mantendo-se os  investimentos e a capacidade de gerar emprego’;

11.’...é vital preservar a política salarial para garantir expansão do mercado interno de consumo de massas; esse é um dos pilares do ciclo de crescimento recente e constitui em importante vetor da impulsão da economia; também para a retomada do crescimento econômico e industrial é fundamental que não se retroceda na política de valorização do salário mínimo. O fortalecimento do mercado interno deve ser harmonizado com políticas monetária, cambial, comercial e industrial para evitar que seu dinamismo resulte apenas em aumento das importações, em detrimento da industrialização brasileira’;

‘...o gasto social brasileiro é um importante vetor da demanda agregada. Por seus efeitos multiplicadores, o sistema de proteção social se constitui em instrumento para, simultaneamente, impulsionar o crescimento e reduzir as desigualdades. Um incremento de 1% do PIB nos gastos com educação e saúde, por exemplo, gera crescimento do PIB de 1,85% e 1,70%, respectivamente; o aumento de 1% do PIB nos gastos dos programas Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada e Previdência Social eleva a renda das famílias de 2,25%, 2,20% e 2,10%, respectivamente; um choque de 1% do PIB no gasto com saúde enseja uma diminuição de 1,5% no índice de Gini’;

‘... É preciso barrar qualquer proposta que vise retirar (ou desvincular, como consta do programa do golpe, ‘Uma ponte para o Futuro’) recursos destinados aos investimentos sociais e aos serviços públicos, em particular aqueles com potencial dinamizador mais elevado. A melhoria da gestão dos recursos pode ser fonte de economia de recursos para a União, desde que não impliquem em redução da qualidade e do acesso’.
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