segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Nº 22.820 - "E se não der?, por Fernando Horta"

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27/11/2017


E se não der?, por Fernando Horta



Jornal GGN - SEG, 27/11/2017 - 18:33


E se não der?

por Fernando Horta

A história do presidente Lula poderia ser narrada em forma de epopeia. O juiz Moro tem ajudado muito no final do enredo. Pensava ele que passaria para a História como a luta do “bem contra o mal”, sendo ele – obviamente – o “bem”. Acontece que a História é uma senhora velha, culta e que não se deixa enganar. Lula já estava nela como um dos três maiores presidentes do Brasil, e pode vir a ser o maior. De fato, Lula é o único com reais possibilidades de se tornar três vezes presidente pelo voto popular. Só não ocorrerá em caso de um segundo golpe sobre a democracia brasileira. Este segundo golpe é aposta de uma parte da elite que nunca estudou à fundo a história do mundo ou do próprio país. Lula, hoje, representa a única forma de reunificação do país. É o único candidato que teria condições de fazer voltar o jogo da democracia, também por isto sua rejeição despenca e é a menor entre todos os candidatos.

Mas e se não der? E se, em algum destes degraus que se tornam cada dia mais perigosos, o presidente ficar retido, certamente contra a sua vontade?

Esta é uma pergunta recorrente que a direita se faz e a esquerda também. E a resposta a ela coloca no mesmo lado posturas políticas antípodas, mostrando como e porque Lula é hoje o único caminho viável para a reconstrução institucional do país.

Existe uma direita doidivana e fascista, que foi apelidada por um jornalista ex-doidivano e fascista de “direita xucra”. Aquela que acha que vai matar, vai bater e vai arrasar com todos aqueles que não pensam como eles. Esta direita nunca leu um livro de História na vida e morre de medo de um dia ter que fazer. Se tivesse lido, veria que nunca a humanidade compartilhou deste pensamento. Mesmo impérios na antiguidade eram forjados em consensos e acordos e todos aqueles que quiseram se impor pela força das armas acabaram mortos. Como recurso didático sugiro procurar na internet a foto do corpo de Mussolini quando de sua morte. Para esta direita Lula não será presidente pela força das armas e da violência. Uma violência mantenedora do status quo, racista, preconceituosa, machista e ignorante. Que parte da ideia de que o mundo é plano, passa pela noção de que armas aumentam a segurança urbana e termina, com chave de ouro, dizendo que o fascismo era de esquerda e que não é bom jogar xadrez com pombos. Eu fico de má-vontade, confesso, em conversar com alguém que já jogou xadrez com pombos e usa esta experiência como argumento. Acho, também, que deveríamos ver com muito cuidado se alfafa não tem algum poder alucinógeno.

O que impressiona é que um ponto de vista semelhante é defendido pela esquerda radical. Aquela para quem o aumento da violência contra a população (seja ela econômica, política ou mesmo jurídica) nos trará a redenção revolucionária. Estes, cometem o mesmo erro de Trotsky em Brest-Litovsky (1917). Em nome de uma teorização para lá de especulativa, acreditam que “quanto pior melhor”. Da violência econômica e política máxima (a fome e a guerra) nasce a consciência de classe revolucionária. Lula seria um “agente da burguesia” por impedir este processo redentor. Trotsky foi indicado para negociar a paz com os alemães em 1917, e tudo o que conseguiu, depois de mais de 30 dias de conferência, foi sacrificar todos os sovietes e trabalhadores ucranianos, quando os generais alemães se cansaram da brilhante retórica trotskysta e mandaram suas tropas avançarem. Lênin e Stalin, que haviam advertido Trotsky do erro desta estratégia, pouco puderam fazer para salvar os ucranianos e quase não salvaram a própria revolução. Acreditar no mito a “fênix” da esquerda, que renasce das próprias cinzas, é muito bonito dentro de um escritório de universidade ou como epílogo de algum livro apologético revolucionário. Mas não passa disto.

Lula é o único candidato capaz de fazer extensas alianças. Alianças, esta palavra que deixa a esquerda ruborizada e a direita moralista desesperada é o que permite que não nos matemos nas ruas. O capital internacional sabe muito bem disto, desde a segunda guerra mundial, quando fez com que comunistas e capitalistas fizessem aliança entre si e com colonialistas para vencer o nazi-fascismo. Se não for Lula o capital no Brasil também sofrerá. Não falo aqui das figuras emblemáticas do grande capital que já estão lucrando com o golpe e provavelmente continuarão a lucrar. Falo da massa de pequenos e médios empresários que serão varridos para a pobreza assim como altos funcionários que terão sua qualidade de vida despencando por conta de uma crise política. A opção inteligente, mesmo para a direita liberal brasileira é Lula. Com pactos exigindo que o presidente ceda em alguns pontos ... enfim, alianças. Sem elas podemos nos preparar para um 2018 que não vai acabar.

“Mas alianças a que preço, Fernando?”. Ora, se você já está pensando em “preço” então é porque já temos um início de negociação. Eu acho que nem eu, nem você podemos ter a petulância de querer colocar um preço moral em alianças. Pergunte àquela mãe que perdeu vários bebês para a fome, nos anos 90, qual o preço de alianças. Pergunte olhando nos olhos dela, e não pensando em algum moralismo difuso que se baseia nos escritos do século XIX de algum europeu branco e gordo. O mundo é aqui e a vida é agora. E são muitos “preços” que devem ser colocados na mesma mesa de negociação. Por que o seu vale mais? Enquanto tiver um brasileiro passando fome ou fora da escola, qualquer coisa que impeça uma aliança é um preço alto demais a se pagar.

Se não der Lula teremos o caos. E é isto o que a esquerda tem hoje de melhor a fazer na “luta contra o golpe”. Evitar o caos.

Se formos olhar com cuidado, os quatro grupos mais atacados pelas medidas golpistas não se levantaram em momento algum. Os sem-terra e os sem-teto, em que pese liderados por pessoas articuladas e cheias de frases de efeito, nada fizeram. As mulheres e os professores, atacados diuturnamente pelo (des)governo Temer, também nada fizeram. Estes quatro grupos mostram que a sociedade brasileira não vai se levantar, não importa o tamanho da sela que lhe coloquem no lombo. Toda a “resistência” ao golpe, descontadas as dancinhas, cânticos e um carnaval fora de hora, se baseia no aumento do custo das medidas indignas ou injustas. E só isto. Tudo o que a esquerda está fazendo é aumentar o custo político para cada ação que Temer toma. Esperando a chegada de um Napoleão, um Fidel, um Lênin ou um Toussaint Louverture ...

Só há dois caminhos para o Brasil, ou a restauração institucional e democrática com um candidato que seja capaz de fazer alianças e que tenha um projeto de Brasil, ou a violência aberta e direta que se apresentará, caso a extrema direita ou a extrema esquerda queiram colocar em prática os seus – identicamente a-históricos – planos e pensamentos. Como o povo brasileiro historicamente não se levanta por coisa alguma (e a farsa de 2013 cada vez mais se mostra como tal), creio que a única solução é um reformismo lento, mas que temos que lutar que seja contínuo. Com as instituições mediando os conflitos políticos e acolhendo a violência para dentro de si evitando que ela se espraie socialmente.

Lula não é “de centro” como uma parte da esquerda está tentando colocar. Também não é “extrema esquerda” como a direita insiste em acusar. Lula, hoje, é o consenso que o Brasil pode ter. Não é Lula que precisa ser presidente. É o Brasil que precisa dele presidente. O centro político brasileiro precisa entender que hoje o consenso institucional possível, capaz de manter o jogo democrático e alguma ordem social com crescimento econômico está um pouco mais à esquerda do que eles gostariam. E a esquerda entender que as teses trostskystas de que a pressão social funda uma consciência revolucionária nunca saíram do papel. Ou peguem em armas, como fizeram Lênin, Trotsky, Stalin, Fidel e tantos outros – arcando com o custo social, psicológico e histórico disto – ou parem de bravatas infantis e passemos a consolidar uma candidatura que possa sim fazer alianças. Que possa chegar a uma agenda mínima aceitável para o país. De forma material e clara, e não idealista, ideológica ou moralista.

Cada vez que vejo alguém criticando “alianças” sem ter um fuzil na mão, penso como não aprendemos nada com a história do século XX. Respeito qualquer um dos caminhos, o do fuzil ou das alianças, mas não um “caminho do meio”. A violência é a base social humana, resta saber se você quer apostar nela aberta e crua ou institucional e cínica. E se você está disposto a pagar pelo preço de uma ou de outra escolha.

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