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Minha Cidade do Oceano Verde
Minha Cidade do Oceano Verde
FORTALEZA - a cidade que me recebeu adolescente e me embalou os sonhos da mocidade e modelou-me os dons da madureza e me acolhe generosa na velhice, sempre para mim inspiração de amor, de beleza e vida;
Cidade em que eduquei o espírito e me fiz nas positividades das minhas vitórias, suportei as dores das horas terríveis, sofri o tumulto dos meus pensamentos vários e me empenhei nos conflitos das minhas ambições;
Cidade que eu comecei a ler letra por letra da sua história e das suas tradições e vi, na leitura das suas festas, dos seus lutos. das suas lutas, das suas tragédias, a energia do seu ânimo, a virilidade dos seus gestos, a nobreza dos seus procedimentos líricos, a coragem das suas atitudes cívicas;
Cidade que desde o berço tem o símbolo e o nome de um bastião de defesa, fincado nas areias soltas da Marajaitiba, e em cujas paredes toscas e robustas se apegavam, como ostras, os seus primeiros moradores, protegidos, nos seus sustos, "debaixo das armas dela", contra as astúcias da indiada e os golpes dos piratas a flibusteiros;
Cidade que o flamengo calvinista plantou como árvore que ia florir e os fariseus negam que plantou, e que o lusitano católico veio regar com o suor dos contratempos, os braços forrados de bons músculos e a cabeça cheia de fé na justa hiperdulia de sua doce Invocação;
Cidade da Fortaleza de Nossa Senhora, a que o gênio de Sampaio deu o apoio e força da alvenaria para defrontar melhor a ira dos inimigos e a crueldade das intempéries;
Cidade que Deus soube cercar de belas "praias ensombradas de coqueiros" e as cearenses gentis e de carnação formosa enfeitam de graça e garbo na miráfica visão dos mares que Alencar tão bem cantou;
Cidade que o engenheiro Paulet meticulosamente arrumou num tabuleiro de xadrez e o boticário Ferreira nunca deixou que deformassem e o arquiteto Herbster jamais esqueceu de ampliar no rigorismo das mesmas linhas;
Cidade em cujas ruas pequenas e pobres um povo pobre se engrandeceu e opulentou, e vibrou um dia no delírio dos movimentos da Abolição, quebrando grilhões no pulso dos escravos e fazendo-os homens como os seus senhores;
Cidade que em 1649 eram as primeiras estacas de uma fortificação a espelhar-se na "água fresca a doce" do Pajeú - que o progresso desgraçadamente mutilou e poluiu - e depois foi vila e hoje se ergue qual a maior metrópole deste Outro Nordeste, semi-árido de solo, mas fértil e verdejante de valores humanos;
Cidade que não era minha e que eu fiz minha sem esquecer a minha - motivo ambas das minhas decisões, das minhas devoções, dos meus carinhos - e onde construí a vida, gerei os filhos, cansei dos meus labores, descansei nos meus lazeres, fruindo a ventura dos que podem ser felizes;
Cidade de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, cidade da minha gente, da gente de muita gente, todos trabalhando, indo, vindo, descendo, subindo, aplaudindo, sorrindo ou chorando no rosário do dia-a-dia da existência;
Cidade, minha cidade, cidade que adotei e amo e para a qual o
"Meu derradeiro e desvelado anseio
É ter a paz na comunhão da Morte,
Dormindo nos sete palmos do seu seio..."
É ter a paz na comunhão da Morte,
Dormindo nos sete palmos do seu seio..."
* Raimundo Girão (1900-1988). Historiador cearense, da Academia Cearense de Letras e do Instituto do Ceará.
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PITACO Do ContrapontoPIG
Hoje, 15 de agosto, é o dia de Nossa Senhora da Assunção, padroeira da Cidade de Fortaleza, capital do Ceará. Publicamos aqui uma crônica do historiador Raimundo Girão, de 1975, que é na realidade uma declaração de amor à capital de todos os Cearenses.
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Prezado Girão,
ResponderExcluirLeia no blog Terra Goyazes, o excelente post: Blogosfera violentou o esgoto do PIG!
Roberto