06/12/2009
Diário de Porto Rico: um "Estado livre associado"
Carta Maior - Emir Sader - 06/12/2009
A capital fica no centro do Caribe, mais para o sul, cercada das outras ilhas da região, onde estão seus vizinhos mais próximos: Jamaica, Haiti, Republica Dominicana, Curaçao, Barbados, Trinidad, Cuba. A cidade fica bem perto de Caracas e não longe de Belém e de Fortaleza.
No entanto, para chegar aqui é preciso tirar visto na embaixada do EUA. Quando se chega, via de regra por vôos indiretos desde outros países, somos recebidos por um grande letreiro:
WELCOMO TO UNITED STATES OF AMERICA.
E, para dar-lha uma cor local:
SAN JUAN WELCOMES YOU.
Assim, sem nem sequer versão bilíngüe, para que não reste dúvida sobre onde se está chegando: Porto Rico, “Estado Livre de Associado” dos Estados Unidos.
Os funcionários de imigração se encarregam de terminar de compor o quadro: fotografia e impressões digitais de todos os dedos da mão (além do rigor, que me levou a ser transferido por um guarda a uma sala especial, porque “a companhia aérea mandou mal o seu nome”, em inglês, claro.)
Temos que sair da América Latina para chegar a um dos mais latinoamericanos dos nossos países. País lindo, mais tropical não poderia ser, cheio de praias, mar, palmeiras e coqueiros, onde se fala castelhano e se baila freneticamente a melhor música da região.
A moeda, como se poderia esperar, desde a invasão e anexação nortemaericana, no final da guerra hispano-americana, em 1895, é o dólar, embora as pessoas te digam o preço em uma suposta moeda local: “2 pesos”, isto é, dois dólares. E para as frações inventam “peseta” e outros nomes populares.
O país tem governador, como se fosse um estado dos EUA e não um presidente, que corresponderia a um país soberano, quando se trata, na prática, de uma semi-colônia.
Porto Rico, Cuba e o Brasil foram os três países que não tiveram guerra de independência, para os quais as comemorações que começam em todos os outros países do continente em 2010, do bicentenário da independência, não fazem nenhum sentido. Os países caribenhos tiveram os destinos mais radicalmente contrapostos no continente: um se tornou socialista, o outro quase uma estrela mais na bandeira dos Estados Unidos. E o Brasil, como decorrência – entre outros fatores – de não ter terminado com a escravidão – como os países que tiveram guerras de independência, expulsaram os espanhóis como invasores dos seus territórios e passaram de colônias a repúblicas -, prolongamos a questão da escravidão às questões agrária e social, com fortalecimento do latifúndio e todas as conseqüências que até hoje pagamos em termos de desigualdade e de atraso das relações agrárias.
Porto Rico vive, pela primeira vez, uma sequência de 7 anos de declínio econômico. Há a mesma quantidade de imigrantes nos EUA – 4 milhões – que a população da ilha. Há até uma expressão para os portoriquenhos em Nova York: nuyoricans.
Os movimentos populares demonstraram grande combatividade em algumas lutas recentes. Conseguiram a expulsão da base militar norteamericana na ilha de Vieques, mesmo se os yankees seguem explodindo as bombas que tinham enterradas ali, prosseguindo a contaminação do local.
Mas o sentimento geral da ocupação se dissemina por toda a vida do país. O governador atual, de extrema direita, Luis Fortuño, favorável à anexação definitiva e completa aos EUA, assumiu este ano, com um programa de ortodoxia neoliberal. Para começar, dispensou 20 mil trabalhadores do serviço público. Escolheu os mais recentemente contratados, com o que foram vitimas privilegiadas os setores mais novos, como os vinculados a ecologia, ao feminismo, aos temas étnicos, entre outros.
Os EUA controlam o comércio exterior do país, Porto Rico não pode ter relações econômicas diretas com um outro país, sem autorização do Departamento de Comércio norteamericano. Da mesma forma, os portoriquenhos tiveram que fazer o serviço militar obrigatório dos EUA, enquanto ele teve vigência nesse país, incluído durante a guerra do Vietnã.
A pena de morte – existente nos EUA, mas não em Porto Rico – pode ser aplicada, em casos em que a Justiça considera que deve ser julgado pela Justiça Federal (Federal sempre remete ao Estado norteamericano).
Como acontece em Havana, em Santo Domingo e em outras capitais da região, há um Capitólio, cópia do norteamericano, para abrigar os Parlamentos, para confirmar qual o modelo de democracia que deveriam ter.
São mais de 110 anos de dominação norteamericana, depois de mais quatro séculos de colonização espanhola, que busca afastar Porto Rico do seu continente – a América Latina. Um de cada dois boricuas – dos indígenas originais, chamados borinques – vive nos EUA. Mais de 25% estão desempregados pelos efeitos da crise da economia norteamericana.
A esquerda segue dividida, entre setores independentistas e socialistas, que não conseguem unir-se apesar da situação de virtual ocupação do país. O semanário Claridad é a melhor expressão publica dos movimentos populares. Um forte movimento comunitário, que luta para não ser deslocada dos planos imobiliários, pelo direito à casa.
Nostálgicos, os portorriquenhos cantam:
“Una tarde parti
Hacia estraña nación
Por que quiso el destino.
Pero mi corazón
Se quedo junto al mar
Junto al Viejo San Juan.”
E, combativos:
“Que bonita bandera
Que bonita bandera
Que bonita bandera
Es la bandera portoriquenha.
Más bonita se viera
Más bonita se viera
Más bonita se viera
Si los yankees no la tuvieran.”
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