sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Contraponto 941 - "Bolívia rumo à refundação do Estado"

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11/12/2009
"Bolívia rumo à refundação do Estado"



Fazendo Media - de La Paz, Bolívia, 10.12.2009

Por Jadson Oliveira*

Enquanto o lento processo de computação dos votos vai confirmando a grande vitória do presidente Evo Morales, com ampla maioria no congresso – ontem, dia 8, dois dias após as eleições, a Corte Nacional Eleitoral (CNE) divulgou os números oficiais de 31% dos sufrágios -, o governo e os movimentos sociais avançam rumo à estruturação de um novo Estado.

O toque de avançar foi dado pelo próprio Evo, o indígena Aymara de 50 anos, que era líder sindical dos cocaleiros e foi reeleito com mais de 60% dos votos. Ele disse em discurso na noite do dia 6, na festa da vitória: “Ter 2/3 de senadores e deputados nos obriga a acelerar o ‘proceso de cambio’ (mudança)”. E seu vice, também reeleito, o intelectual Álvaro García Linera, 47 anos, ex-preso político, em entrevista ao jornal estatal Cambio, apontou a tarefa do momento: construir o novo Estado.

Que seria isso? Em que direção navegaria o novo Estado Plurinacional dos bolivianos, sob o timão da chamada Revolução Democrática e Cultural do Movimento Ao Socialismo (MAS)? As declarações das autoridades governamentais – e dos líderes vinculados à Central Obreira Boliviana (COB) e da Coordenação Nacional para o Cambio (Conalcam) – não deixam dúvidas.

Mais inclusão social e igualdade

Será um Estado marcado por mais inclusão social e igualdade entre os povos; por um papel predominante e determinante na economia (a ênfase é a industrialização dos recursos naturais: gás, petróleo, lítio, etc); pelo combate à corrupção; pela modernização das leis que regem os sistemas judicial e eleitoral; e pela institucionalização dos chamados estatutos autonômicos, inclusive indígenas.


Evo Morales na festa do dia 07 de dezembro, logo após as eleições bolivianas. Foto: www.abi.bol

Tudo isso já está chancelado na nova Constituição Política do Estado (CPE), aprovada em referendo popular com 62% dos votos, em janeiro/2009 – fato inédito na história da Bolívia e raríssimo na história das Américas. O problema era que a maioria direitista no Senado engavetava os projetos visando a regulamentação dos dispositivos constitucionais (alguma similitude com o congresso brasileiro emperrando a aplicação da nossa Constituição “cidadã” de 1988?).

Os comentaristas políticos falam de 100 a 200 projetos de lei enterrados lá pelo Senado. O mais notório deles propõe uma luta radical contra a corrupção, a chamada Lei Marcelo Quiroga Santa Cruz – em homenagem ao líder socialista que foi assassinado em 1980, num massacre de uma dezena de políticos de esquerda quando da implantação da ditadura militar de Luis García Meza, atualmente enfermo e cumprindo pena de prisão em La Paz.

(O atual presidente do Senado, Óscar Ortiz, do departamento – estado – de Santa Cruz, ficou muito conhecido por sua liderança na reação ao “proceso de cambio” e, claro, pelo engavetamento dos projetos considerados progressistas. Castigo exemplar das urnas: não foi reeleito).

O governo de Evo tem pressa

E o governo tem pressa em discutir e aprovar as novas leis na Assembleia Legislativa Plurinacional, novo nome do congresso a partir da legislatura a ser iniciada em janeiro/2010 (este “plurinacional” tem razão de ser: a Bolívia agora, oficialmente, é composta por 36 povos, incluídas aí as várias nações indígenas).


Presidente Evo Morales e o vice presidente Álvaro García Linera reunidos com representantes dos movimentos sociais, na Casa Campestre – Cochabamba. Foto: www.abi.bol

Parece exagero, mas na segunda-feira, dia 7 – dia seguinte às eleições, com festa da vitória entrando pela madrugada – Evo Morales reuniu seu ministério ampliado (ministros, vice-ministros e dirigentes das empresas estatais) para começar a decidir sobre os projetos prioritários a serem encaminhados ao novo congresso.

Já se discute um amplo pacote de leis. As que ganharam mais repercussão nos meios de comunicação foram as que se referem ao combate à corrupção, como a que faculta a investigação de grandes fortunas e a que ameaça acabar com o sigilo bancário para políticos, ocupantes e ex-ocupantes de cargos públicos (durante a campanha eleitoral, Evo e Álvaro Linera fizeram divulgar comunicado aos órgãos pertinentes da área financeira abrindo mão do seu, deles, sigilo bancário. E desafiaram os candidatos da oposição a fazerem o mesmo. mas estes desconversaram e esqueceram o incômodo assunto).

Que tal votar em Gilmar Mendes?

Estão na pauta vários outros projetos, como a reformulação da previdência social, incluindo aumento no valor dos proventos e pensões; universalização da assistência à saúde; reforma educacional; funcionamento do próprio congresso; reforma do sistema eleitoral (por exemplo, ampliar a participação dos bolivianos residentes no exterior nas eleições), etc, etc, tudo nos marcos da nova Constituição.

Um tema que vai incendiar mentes e corações será a modernização do sistema judicial. Ele está incluído na nova legislação prevista para aprovação nos primeiros 180 dias de atuação do novo congresso, conforme determina a nova Carta Magna. Um detalhe lembrado pela senadora eleita por La Paz (o MAS elegeu todos os quatro senadores do departamento de La Paz ), Ana María Romero, cotada para presidir o Senado: a nova Constituição diz que os magistrados do Tribunal Constitucional devem ser eleitos pela população (já imaginou o nosso presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, sendo submetido ao crivo dos eleitores brasileiros?).

Toda essa expectativa deixa os oposicionistas com pedras na mão. O mínimo que dizem é vaticinarem o enterro definitivo da democracia e tacharem o presidente de ditador, de totalitário. Que fazer? A maioria no congresso parece assombrar a baqueada direita boliviana e acender o entusiasmo da esquerda. O analista político Gonzalo Trigoso exalta o momento histórico vivido por seu país e decreta: o povo boliviano deu um cheque em branco a Evo Morales.

(*) Jadson Oliveira é jornalista. Fotos: Agência Boliviana de Información (ABI).
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