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27/05/2011
A edição de O Globo de 25 de maio estampava a seguinte manchete: "PMDB e ruralistas derrotam Dilma e anistiam desmatadores". Nada de errado na informação. A presidente de fato não desejava a aprovação desta emenda ao Código Florestal, que classificou como uma vergonha para o Brasil, segundo as palavras do líder do governo na Câmara, ditas em plenário para tentar derrubá-la. Mas o resultado da votação dos deputados tinha um perdedor maior do que a presidente da República: o próprio país. E num olhar exclusivo sobre as disputas políticas, e obsessivo no que se refere aos revezes do atual (e do ex) governo, perdeu-se a perspectiva do fato maior, que atinge todos os brasileiros.
O que estava em discussão não era uma queda de braço entre governo e oposição ou entre governo e aliados infiéis. O que a Câmara dos Deputados tratava era do conjunto de regras que rege a questão ambiental no Brasil, envolvendo todos os nossos biomas, áreas agrícolas, montanhas e rios. O nosso presente e o nosso futuro. E como a manchete de O Globo expressou, embora ressaltando outro aspecto, quem saiu vencedor foram os ruralistas, um dos setores mais atrasados socialmente no país e, em sua volúpia, em nada comprometido com a preservação do meio ambiente.
A reforma do Código Florestal Brasileiro, em si, já trazia aberrações, como autorizar plantações e criação intensiva de gado em áreas de preservação permanente, redução dos limites de reserva legal e redução da recuperação das faixas de mata ciliar desmatadas. Para coroar o processo, foi aprovada a emenda que anistia os desmatadores, comemorada efusivamente pelos ruralistas.
Assim, quando forem noticiados números gigantescos de desmatamento da Amazônia, ninguém deverá se espantar. Os ruralistas estão à vontade para aumentar a fronteira da soja, mesmo que às custas de nossa principal floresta. Quando a cobertura vegetal às margens de nossos rios for ainda mais reduzida, provocando erosão e enxurradas devastadoras, como a do último verão na região serrana do Rio, as razões estarão cristalinas.
O Brasil trava uma luta difícil e quase inglória contra o desmatamento em suas enormes áreas de floresta e todos ficam chocados quando sabem que a área desmatada da Amazônia em um ano equivale a quatro vezes à da cidade de São Paulo, a maior do país. E isso, com base em dados de agosto de 2009 a julho de 2010, quando o desmatamento teve sua menor taxa em duas décadas. Antes, era muito mais. É doloroso ver imagens de tratores andando simultaneamente, unidos por correntes, derrubando dezenas de árvores ou de gigantescas áreas desmatadas para criação de gado, que se alimenta da soja, também destruidora.
O que foi aprovado na Câmara foi a impunidade a este tipo de crime. Que estímulo terão os parcos fiscais do Ibama para autuarem os infratores sabendo que acabam anistiados? O que aconteceu na noite de 24 de maio no plenário da Câmara dos Deputados em Brasília foi uma derrota do Brasil e da maioria dos brasileiros. E a imprensa, em sua pequenez política, não traduziu isso.
Essa é uma questão recorrente na imprensa brasileira, principalmente quando envolve embates políticos. A falta de visão do todo e dos interesses maiores do país. Às vezes, os jornais perdem até o bonde da história, como aconteceu com a Folha de S.Paulo, em outubro de 1989, quando caiu o muro de Berlim. Naquele dia, como contou o ex-ombudsman do jornal, Caio Túlio Costa, em artigo no Observatório da Imprensa Clique aqui a manchete do diário paulista tratou do caso Lubeca, que ninguém se lembra sequer do que se trata. O século 20 passava por uma de suas maiores transformações e a Folha não via. Tanto que escolheu agora, como manchete de uma edição comemorativa de suas 30 mil edições, justamente o fato que não tratou como notícia principal quando acontecia.
A míopia midiática é agravada quando os jornais perdem sua função de servir à sociedade e se aliam a certos setores e interesses para combater governos. A busca constante de algo que enfraqueça ou deslegitime estes governos acaba os afastando dos interesses maiores do país e do que é realmente notícia.
*Mair Pena Neto. Jornalista carioca. Trabalhou em O Globo, Jornal do Brasil, Agência Estado e Agência Reuters. No JB foi editor de política e repórter especial de economia.
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sexta-feira, 27 de maio de 2011
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