16/05/2011
Miguel Urbano: terrorismo é componente da política dos EUA
Do Vermelho - 14 de Maio de 2011 - 17h11
Comentando o assassínio de Bin Laden, Michael Moore escreveu no Twiter: “Matamos mais de 919 mil no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, etc., e gastamos 1,2 bilhão de dólares em despesas militares, e, finalmente, conseguimos assassinar mais uma pessoa”.
A operação militar que eliminou o líder da mítica Al Qaeda confirmou uma realidade: o sistema de poder dos EUA, na sua ânsia de dominação planetária, pratica uma política internacional na qual o terrorismo de Estado se tornou componente fundamental. Os EUA comportam-se como candidatos a surgir na História como o 4º Reich do século 21.
A “operação Gerônimo” - nome que insulta a memória do herói apache - foi o desfecho de um projeto concebido com minúcia científica pela Administração Obama. Anunciada a candidatura do presidente à reeleição, faltava somente marcar uma data.
A CIA sabia há muito onde ele se encontrava. Acompanhava-lhe os movimentos diários na residência de Abotabad através de sofisticados aparelhos eletrônicos e os contactos dos seus mensageiros com o exterior, recorrendo inclusivamente a satélites. O Pentágono e os serviços de inteligência conheciam os nomes de todas as pessoas que viviam com Bin Laden.
O novelo de contradições que envolve o folhetim da morte do “inimigo número 1” dos EUA não resulta de desinformação. Foi concebido para semear confusão e transmitir a ideia de que Obama, agindo como democrata, transmitia ao povo norte-americano informações sobre a “operação militar” logo que as recebia.
Mentia conscientemente, como demonstraram em importantes artigos intelectuais progressistas como Michel Chossudovsky, Noam Chomsky, James Petras, Domenico Losurdo, John Pielger, e outros.
O presidente, aliás, apresentou diferentes versões dos fatos nas entrevistas às três grandes cadeias de TV, a ABC, a CBS e a CNN. Inicialmente, afirmou que, ao dar a ordem para o ataque à casa de Abotabad, as probabilidades de Bin Laden ali se encontrar eram de 99,9%; mas na última entrevista essas probabilidades caíram para 55%. A encenação foi muito estudada.
O elogio do presidente à CIA e ao seu chefe foi encomiástico. Foi ele quem tudo preparou e dirigiu. Leon Panetta, nas suas entrevistas, não escondeu, porem, que a CIA torturou prisioneiros para obter informações decisivas para a localização de Bin Laden. Interrogado sobre os métodos utilizados nos interrogatórios, defendeu, quase com orgulho, o recurso à tortura e justificou o “afogamento simulado”. Falou com a frieza serena de um gauleiter nazi.
Obama logo que viu as fotos do cadáver de Bin Laden decidiu que não seriam divulgadas. Sabia que elas provocariam uma onda de indignação no mundo islâmico. Mas afirmou então que hesitava e iria refletir. Depois, proibiu a entrega das fotos à comunicação social.
Talvez não esperasse que as imagens de três corpos despedaçados de homens abatidos durante o assalto fossem entregues aos jornalistas pelo Exército do Paquistão.
A rapidez da retirada dos comandos da Marinha do edifício metralhado – levaram somente o cadáver de Bin Laden e o do neto – criou porem, problemas imprevistos à Casa Branca. As mulheres estavam com as mãos amarradas como se fossem animais. OS sobreviventes encontrados pelos militares paquistaneses – uma das esposas estava ferida – falaram muito e as suas declarações forçaram Obama e o Pentágono a apresentar nova versão da “brilhante operação Gerônimo”. Reconheceram que, afinal, Bin Laden estava desarmado. Teria sido abatido quando procurava uma pistola, ou, segundo outros, uma metralhadora. O folhetim dos “escudos humanos” também não resistiu a evidências resultantes do interrogatório das testemunhas do massacre. Uma das esposas de Bin Laden, a jovem iemenita Amal Abdulfatah, esclareceu que o marido vivia no Paquistão há sete anos, cinco dos quais na casa de Abotabad e não nas montanhas afegãs, como repetidamente garantia o governo de Washington.
Na sua primeira comunicação ao país, Obama afirmou que a operação, por ele acompanhada da Casa Branca, durou 40 minutos e que o efetivo da “força elite” da Marinha não excedia 20 homens. Mas, posteriormente, altos funcionários civis e militares referiram totais diferentes. Não foi dada uma explicação credível para uma ação armada tão prolongada contra uma casa cujos poucos moradores não opuseram resistência.
Assessores do Presidente e a Marinha repetiram exaustivamente que Bin Laden tinha sido sepultado no mar no respeito dos ritos islâmicos. É insólito o súbito respeito pela religião muçulmana; mas acontece que o Corão não permite sepultamentos marítimos. Os filhos do morto já informaram que pensam processar o Estado norte-americano por mais essa ofensa à sua fé.
Outro tema que ridiculariza a versão oficial dos acontecimentos, e envolve a CIA e o Pentágono num labirinto de mentiras, criou já problemas no campo das relações dos EUA com o Paquistão.
O governo Obama tem, na prática, tratado aquele país como um protetorado de novo tipo. Os bombardeamentos de aldeias do Waziristão por aviões sem piloto da USAF tornaram-se rotineiros. Islamabad limita-se a tímidos protestos quando os mísseis estadunidenses matam camponeses da região. Mas desta vez o desrespeito pela soberania paquistanesa atingiu tais proporções com a intervenção militar concebida para assassinar Bin Laden que a vaga de indignação no país foi maiúscula.
A reação do presidente Asif Zardari foi, porém, suavíssima. Porquê? Ficou transparente que o Exercito do Paquistão e o seu serviço secreto estavam ao corrente da instalação do chefe da Al Qaeda em Abotabad. A sua casa dista apenas umas centenas de metros da sede da Academia Militar do país. Trata-se de uma cidade de guarnição, com vários quartéis. Alguns media estadunidenses afirmaram que as Forças Armadas do Paquistão não somente conheciam a presença de Bin Laden, como o protegiam.
A rede de cumplicidades é, porém, tão densa que Tom Donilon, conselheiro de segurança nacional de Obama, levou a hipocrisia ao ponto de declarar aos jornalistas que não há “quaisquer provas” de que o Governo paquistanês tivesse conhecimento da presença no país de Bin Laden.
O farisaísmo do presidente Obama não é menor. Derramou elogios sobre a CIA, enaltecendo como grande e histórico serviço à democracia e à liberdade o massacre de Abotabad. Mais, deslocou-se à base militar para onde foram conduzidos os comandos da Marinha e condecorou-os numa cerimônia secreta. Os seus nomes não foram revelados, com receio de represálias, mas na apologia que deles fez guindou-os a heróis tutelares da Pátria.
Como recompensa, o diretor da CIA, Leon Panetta, foi nomeado secretário da Defesa. Simultaneamente, o general Petraeus, comandante supremo na área do Medio Oriente e do Afeganistão, foi transferido para a chefia da CIA…
Ao ler o elogio do senhor da CIA pelo Prêmio Nobel da Paz recordei a atribuição das cruzes de ferro nazis a generais das SS.
Obama, em exibição midiática permanente, anuncia ao mundo que os EUA utilizam o seu poder militar em defesa de valores e princípios eternos, cumprindo, afinal, a sua vocação de nação predestinada para salvar a humanidade.
Inverte a realidade com despudor. O sistema de poder imperial dos EUA desenvolve uma estratégia orientada para a dominação perpétua e universal, um projeto que ameaça a própria sobrevivência da humanidade.
A chacina de Abotabad inseriu-se nesse projeto monstruoso. Bin Laden – ex-aliado de Washington - foi um tresloucado que inspirava repulsa a centenas de milhões de pessoas. Mas as circunstancias em que se consumou a sua eliminação são inseparáveis dessa estratégia de controlo planetário.
É significativo que os bombardeamentos das áreas tribais do Paquistão por aviões não tripulados sejam agora quase diários. Na Líbia, a Otan continua a bombardear residências de Kadafi, afirmando que pretende “proteger as populações” no âmbito de uma “intervenção humanitária”.
O poder da gigantesca maquina de desinformação imperial impede os povos de compreenderem o perigo que os ameaça. A mentira é diariamente imposta como verdade a nível planetário.
É alarmante o que está a acontecer. Um dia a humanidade tomará consciência de que o sangrento episódio de Abotabad assinalou uma etapa no avanço de uma engrenagem cujo funcionamento traz à memória os crimes do 3º Reich alemão.
*Miguel Urbano Rodrigues é escritor português
Fonte: odiario.info
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