18/03/2012
A TV e o reino da mediocridade
Do Blog do Miro 18/3/2012
Por Washington Araújo, no blog Cidadão do mundo:
O que está acontecendo com nossos fins de semana? Temos a semana para ganhar o sustento pessoal e familiar, trabalhamos o horário nobre dos dias: todas aquelas horas em que o sol está firme no horizonte. Os restos do dia são dedicados ao repouso, tão necessário para refazer as energias a serem canalizadas para a jornada seguinte. E os vestígios do dia, essas poucas horas e momentos que sobram, passamos com quem amamos, nossos familiares, nossos amigos.
Chega então o fim de semana. Sábado e domingo, boa parte da população que ainda pode desfrutar do luxo de ter emprego, profissão ou apenas um meio de ganhar a vida finalmente pode desfrutar de dois dias para descansar e dar atenção aos que amamos. E o que fazemos, então? Boa parte desse “descanso” se passa diante da telinha mágica chamada televisão.
É da telinha que recebemos o passaporte para atravessar o mundo, ver suas guerras e revoluções, ser testemunha ocular de enchentes amazônicas, furacões norte-americanos, vulcões e tsunamis asiáticos. Da mesma telinha acompanhamos o jogo da vida real em que alguns assaltam bancos, sequestram pedestres, furtam idosos, incendeiam índios e mendigos na periferia das grandes cidades do mundo.
Será isso… descanso?
Gincanas culturais
Resta a opção da passividade absoluta, da leniência habitual com nossos valores pessoais, do arrastão da mais completa e torpe imbecilidade. Temos os programas dos canais abertos da tevê. E com eles todo o apelo pelo ridículo, pelo insano, pelo anseio de ridicularizar outras pessoas, gente como a gente. São os programas de auditório: Luciano Huck e Fausto Silva ocupando as tardes de sábado e domingo e contando com um arremedo de concorrência formada por programas do mesmo naipe, com um agravante: conseguem ser ainda mais ridículos que os que ocupam o pódio das maiores audiências do Ibope vespertino.
Todos, sem exceção, usam e abusam das chamadas ‘pegadinhas’, que são aqueles vídeos, alguns pura armação e outros nem tanto, em que pessoas simples protagonizam situações do mais completo ridículo, abordadas em praças e ruas, fazendo literalmente o papel que a mídia televisiva lhes impõe – o de ser ridículo o suficiente para fazer outros rirem de seus desatinos e ações muito pouco inteligentes. E se um cidadão mediano nacional tem altura regular de 1,65m a 1,80m, nessas pegadinhas são reduzidos a pouco mais de dois ou três centímetros de altura. Altura ética, bem entendido.
Parte expressiva da população brasileira desperdiçará seu bem mais precioso – o tempo – observando Fausto Silva fazer caras e caretas para seu cameraman, passar pela milésima vez pesadas descomposturas e anunciar seu circo de horrores de bolso, do tamanho exato para preencher as 3, 4 ou 5 horas em que o programa irá durar. Por outro lado, Huck encenará seu papel preferido – o de boneco de ventríloquo – com voz quase sempre empostada e fazendo o que mais gosta: posar de mecenas dos pobres e miseráveis, distribuindo casas e carros inteiramente reformados, tudo tinindo de novo, e focando ora a lágrima do pai de família que transformou o quarto e sala (sempre em péssimas condições de habitabilidade) onde vivia em uma casa classe média, ora em todos os eletrodomésticos e tevês de LCD. É em meio aos eufóricos agradecimentos de quem ganhou algo que os pontos de audiência sobem e a dignidade humana é aviltada, de maneira enviesada, mas é.
Como seria interessante que os programas fossem nivelados ao menos ao meio, nem tão baixo e nem tão alto. Entendo que dificilmente a população trocaria de bom grado um canal exibindo Michel Teló por outro em que a atração fosse a Orquestra Filarmônica de Berlim apresentando a Nona Sinfonia de Beethoven. E não trocaria por uma razão muito simples: tempo demais se investiu no apreço dos canais de televisão por números musicais em que o artista parece participar de maratona circense – levanta os braços, corre e salta, volta a levantar os braços à direita e à esquerda – e as letras das músicas trazem sempre apelos explícitos e com alto teor erótico. Bem pouco tempo se investiu na educação do ouvido popular para apreciar e se deixar levar pelos belos acordes, sons e arranjos que somente as Bachianas do genial Villa-Lobos ousariam ter.
Os programas poderiam reviver gincanas culturais bem ao estilo anos 1970, como O céu é o limite, apresentado na extinta TV Tupi por J. Silvestre, programas em que um tema central era objeto de perguntas e respostas e os temas variavam de eventos do Antigo Egito até a vida de Mozart, Galileu ou Carmem Miranda.
Goela abaixo
Faltam na tevê aberta programas que possam despertar na audiência jovem a descoberta de vocação para levar avante a vida adulta: quais os encantos da física e da medicina, da química e da astronomia? Quais os depoimentos de arquitetos, professores, filósofos e advogados bem sucedidos a compartilhar com milhões de jovens em idade de escolher uma vocação, uma profissão? Temos absoluta carência de programas que façam exclamar um jovem de 16 ou 18 anos: “Eu daria certo nisso!” ou “É isso que farei na vida!” Ao contrário do que muitos pensam, seriam programas com baixo custo de produção.
Já paramos para pensar quão interessante seria assistir numa mesma tarde de sábado ou domingo a entrevistas de quinze a vinte minutos com profissionais “bem sucedidos” em sua área de atuação”, como Adélia Prado, Ivo Pitanguy, Alberto Dines, Dráuzio Varella, Marina Colasanti, Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Leonardo Boff, Elio Gaspari, Fernando Meirelles. E poderiam investir na produção de vídeos ilustrativos com a biografia de cada entrevistado.
Alguém já imaginou um quadro como o “Arquivo Confidencial”, em vez de ser pela enésima vez com Susana Vieira ou com o Cauã Raymond, fosse com Oscar Niemeyer ou com Affonso Romano de Sant’Anna? Ou com essa prenda maior da baianidade, Dona Canô? E se não com ela, por que não com seu filho-pavão Caetano Veloso? Ou, então, por que não uma entrevista com esta que é uma das mais emblemáticas cantoras da música popular brasileira, Maria Bethânia?
Dificilmente serei convencido que a indigência mental que habita nossa telinha mágica no fim de semana é devido à falta de opções. É mais fácil que o seja por falta de cultura, cidadania e/ou bom caráter por parte dos que têm a última palavra na hora em que se fecha a grade programação de nossa tevê aberta – que, a rigor, é uma concessão do Estado, embora não pareça, dada à tradicional leniência com o lixo televisivo que fazem descer goela abaixo de uma população que ousa sonhar com novas utopias e redobrada esperança no futuro.
A sensação que tenho, depois de passar um fim de semana assistindo à televisão brasileira, é a de ter ficado mais pobre espiritualmente, diminuído em minha condição de humano.
Não será a hora de dar um chega pra lá nessa mediocridade toda?
.
O que está acontecendo com nossos fins de semana? Temos a semana para ganhar o sustento pessoal e familiar, trabalhamos o horário nobre dos dias: todas aquelas horas em que o sol está firme no horizonte. Os restos do dia são dedicados ao repouso, tão necessário para refazer as energias a serem canalizadas para a jornada seguinte. E os vestígios do dia, essas poucas horas e momentos que sobram, passamos com quem amamos, nossos familiares, nossos amigos.
Chega então o fim de semana. Sábado e domingo, boa parte da população que ainda pode desfrutar do luxo de ter emprego, profissão ou apenas um meio de ganhar a vida finalmente pode desfrutar de dois dias para descansar e dar atenção aos que amamos. E o que fazemos, então? Boa parte desse “descanso” se passa diante da telinha mágica chamada televisão.
É da telinha que recebemos o passaporte para atravessar o mundo, ver suas guerras e revoluções, ser testemunha ocular de enchentes amazônicas, furacões norte-americanos, vulcões e tsunamis asiáticos. Da mesma telinha acompanhamos o jogo da vida real em que alguns assaltam bancos, sequestram pedestres, furtam idosos, incendeiam índios e mendigos na periferia das grandes cidades do mundo.
Será isso… descanso?
Gincanas culturais
Resta a opção da passividade absoluta, da leniência habitual com nossos valores pessoais, do arrastão da mais completa e torpe imbecilidade. Temos os programas dos canais abertos da tevê. E com eles todo o apelo pelo ridículo, pelo insano, pelo anseio de ridicularizar outras pessoas, gente como a gente. São os programas de auditório: Luciano Huck e Fausto Silva ocupando as tardes de sábado e domingo e contando com um arremedo de concorrência formada por programas do mesmo naipe, com um agravante: conseguem ser ainda mais ridículos que os que ocupam o pódio das maiores audiências do Ibope vespertino.
Todos, sem exceção, usam e abusam das chamadas ‘pegadinhas’, que são aqueles vídeos, alguns pura armação e outros nem tanto, em que pessoas simples protagonizam situações do mais completo ridículo, abordadas em praças e ruas, fazendo literalmente o papel que a mídia televisiva lhes impõe – o de ser ridículo o suficiente para fazer outros rirem de seus desatinos e ações muito pouco inteligentes. E se um cidadão mediano nacional tem altura regular de 1,65m a 1,80m, nessas pegadinhas são reduzidos a pouco mais de dois ou três centímetros de altura. Altura ética, bem entendido.
Parte expressiva da população brasileira desperdiçará seu bem mais precioso – o tempo – observando Fausto Silva fazer caras e caretas para seu cameraman, passar pela milésima vez pesadas descomposturas e anunciar seu circo de horrores de bolso, do tamanho exato para preencher as 3, 4 ou 5 horas em que o programa irá durar. Por outro lado, Huck encenará seu papel preferido – o de boneco de ventríloquo – com voz quase sempre empostada e fazendo o que mais gosta: posar de mecenas dos pobres e miseráveis, distribuindo casas e carros inteiramente reformados, tudo tinindo de novo, e focando ora a lágrima do pai de família que transformou o quarto e sala (sempre em péssimas condições de habitabilidade) onde vivia em uma casa classe média, ora em todos os eletrodomésticos e tevês de LCD. É em meio aos eufóricos agradecimentos de quem ganhou algo que os pontos de audiência sobem e a dignidade humana é aviltada, de maneira enviesada, mas é.
Como seria interessante que os programas fossem nivelados ao menos ao meio, nem tão baixo e nem tão alto. Entendo que dificilmente a população trocaria de bom grado um canal exibindo Michel Teló por outro em que a atração fosse a Orquestra Filarmônica de Berlim apresentando a Nona Sinfonia de Beethoven. E não trocaria por uma razão muito simples: tempo demais se investiu no apreço dos canais de televisão por números musicais em que o artista parece participar de maratona circense – levanta os braços, corre e salta, volta a levantar os braços à direita e à esquerda – e as letras das músicas trazem sempre apelos explícitos e com alto teor erótico. Bem pouco tempo se investiu na educação do ouvido popular para apreciar e se deixar levar pelos belos acordes, sons e arranjos que somente as Bachianas do genial Villa-Lobos ousariam ter.
Os programas poderiam reviver gincanas culturais bem ao estilo anos 1970, como O céu é o limite, apresentado na extinta TV Tupi por J. Silvestre, programas em que um tema central era objeto de perguntas e respostas e os temas variavam de eventos do Antigo Egito até a vida de Mozart, Galileu ou Carmem Miranda.
Goela abaixo
Faltam na tevê aberta programas que possam despertar na audiência jovem a descoberta de vocação para levar avante a vida adulta: quais os encantos da física e da medicina, da química e da astronomia? Quais os depoimentos de arquitetos, professores, filósofos e advogados bem sucedidos a compartilhar com milhões de jovens em idade de escolher uma vocação, uma profissão? Temos absoluta carência de programas que façam exclamar um jovem de 16 ou 18 anos: “Eu daria certo nisso!” ou “É isso que farei na vida!” Ao contrário do que muitos pensam, seriam programas com baixo custo de produção.
Já paramos para pensar quão interessante seria assistir numa mesma tarde de sábado ou domingo a entrevistas de quinze a vinte minutos com profissionais “bem sucedidos” em sua área de atuação”, como Adélia Prado, Ivo Pitanguy, Alberto Dines, Dráuzio Varella, Marina Colasanti, Fernanda Montenegro, Chico Buarque, Leonardo Boff, Elio Gaspari, Fernando Meirelles. E poderiam investir na produção de vídeos ilustrativos com a biografia de cada entrevistado.
Alguém já imaginou um quadro como o “Arquivo Confidencial”, em vez de ser pela enésima vez com Susana Vieira ou com o Cauã Raymond, fosse com Oscar Niemeyer ou com Affonso Romano de Sant’Anna? Ou com essa prenda maior da baianidade, Dona Canô? E se não com ela, por que não com seu filho-pavão Caetano Veloso? Ou, então, por que não uma entrevista com esta que é uma das mais emblemáticas cantoras da música popular brasileira, Maria Bethânia?
Dificilmente serei convencido que a indigência mental que habita nossa telinha mágica no fim de semana é devido à falta de opções. É mais fácil que o seja por falta de cultura, cidadania e/ou bom caráter por parte dos que têm a última palavra na hora em que se fecha a grade programação de nossa tevê aberta – que, a rigor, é uma concessão do Estado, embora não pareça, dada à tradicional leniência com o lixo televisivo que fazem descer goela abaixo de uma população que ousa sonhar com novas utopias e redobrada esperança no futuro.
A sensação que tenho, depois de passar um fim de semana assistindo à televisão brasileira, é a de ter ficado mais pobre espiritualmente, diminuído em minha condição de humano.
Não será a hora de dar um chega pra lá nessa mediocridade toda?
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