24/03/2013
Iraque dez anos depois: a guerra é um grande negócio!
Dez anos depois, está claro que a estratégia do presidente George W. Bush fracassou: os EUA e seus aliados não conseguiram alcançar os objetivos anunciados e as consequências da operação militar foram desastrosas, seja do ponto de vista moral, econômico ou militar. Mas o que o discurso sobre a derrota dos EUA não revela é que essa guerra foi e continua sendo uma grande vitória para alguns. A análise é de Reginaldo Mattar Nasser
Reginaldo Mattar Nasser *
A guerra é um crime... facilmente, o mais rentável, certamente, o mais cruel ... É o único em que os lucros são contados em dólares e as perdas em vidas .... Ela é conduzida para o benefício dos poucos, à custa dos muitos..... eu passei a maior parte do meu tempo como um “ defensor de alta classe” para os Grandes Negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Em suma, eu era um gângster, um gangster para o capitalismo. "( Major General Butler)
O ataque norte-americano ao Iraque completou dez anos nesta semana com a constatação por grande parte dos analistas de que a estratégia do governo Bush foi um fracasso: os Estados Unidos e seus aliados não conseguiram alcançar os objetivos anunciados e as consequências da operação militar foram desastrosas, seja do ponto de vista moral, econômico ou militar. Mas o que o discurso sobre a derrota dos EUA não revela é que essa guerra foi e continua sendo uma grande vitória para alguns.
Supõe-se que o objetivo numa guerra é “ganhar” — partindo do principio de que os atores (Estados Nacionais) em confronto buscam impor sua vontade por meio de ações que comportam o uso da força. Mas, é preciso pensar o Estado de forma concreta. Isso é, os objetivos daqueles que decidem ir à guerra são bastante diversos e há alguns atores mais interessados em manipular as informações e prolongar os combates do que propriamente conseguir uma vitória militar.
Não é muito difícil perceber o fracasso norte-americano nas três fases em que se desenrolaram suas ações militares no Iraque: tanto na justificativa para o ataque, quanto na ação militar propriamente dita, bem como no denominado momento de reconstrução do país (nation-building). É preciso dizer, todavia, que essa demarcação é puramente artificial. A passagem da segunda para a terceira fase esta exclusivamente baseada na declaração do ex-presidente George W. Bush quando anunciou o fim das operações militares com a deposição de Saddam Hussein, dando inicio ao processo de reconstrução do país, momento em que os combates aconteceram de fato.
Uma das principais alegações para se iniciar o ataque foi a suposta existência de armas de destruição em massa por parte do governo iraquiano. Mas isso não era suficiente. Era preciso “vender” ainda a ideia de que Sadam Hussein apoiava o “terror jihadista”. A equação estava pronta. Não há nada mais assustador do que um grupo de suicidas com alto poder destrutivo. Diferentemente dos soviéticos, durante a Guerra Fria, esses novos inimigos, alardeava o mainstream norte-americano, não poderiam ser dissuadidos nem contidos e, portanto, deveriam ser simplesmente eliminados.
Como não tardou a ser demonstrado, tratava-se de uma grande mentira, uma das maiores falsificações na historia da diplomacia fabricada pelo governo dos EUA e aliados e que contou com a colaboração da grande mídia, dos think tanks, de partidos políticos e de várias ONGs.
Estima-se que durante esses dez anos mais de um milhão de soldados norte-americanos foram enviados para o Iraque: 4.483 foram mortos, 33 mil feridos e mais de 200 mil diagnosticados com transtorno de estresse pós-traumático. A taxas de suicídio é 26% entre os veteranos masculinos de 18 a 29 anos.
O número exato de civis iraquianos mortos ainda é desconhecido, mas as estimativas situam entre 150 a 500 mil e três milhões de pessoas deslocadas internamente. Há que se somar ainda as centenas de milhares de pessoas que morreram de doenças causadas por água contaminada, quando os EUA destruíram o sistema de tratamento de água do país
No que se refere aos custos econômicos da guerra, as cifras são assustadoras. Segundo J. Stiglitz (Premio Nobel de economia) beira os 4 trilhões de dólares. A Dívida dos EUA subiu de $ 6,4 trilhões em março de 2003 para US$ 10 trilhões em 2008 (antes da crise financeira), sendo que pelo menos 25% de montante é diretamente atribuível à guerra.
A questão hoje colocada por muitos intelectuais nos EUA é: podemos aprender com este erro? Economistas, como o próprio J. Stiglitz, avaliam que é preciso descartar a ideia, bastante sedutora, de que a guerra é boa para a economia. Mas como podemos simplesmente fechar os olhos para o fato de que além do aumento exponencial da lucratividade das empresas favorecidas pela alta do petróleo, a invasão do Iraque abriu um novo e poderoso mercado: o da reconstrução das nações?
O ataque norte-americano ao Iraque impactou consideravelmente o comércio mundial de petróleo, pois além de interromper a produção iraquiana, a instabilidade politica que causou no Oriente Médio fez com o que o preço do produto disparasse. Em 2003, quando os EUA chegaram à região, o preço do barril estava ao redor de US$25. Cinco anos depois, em 2008, os preços chegaram a US$ 140. A percepção de insegurança no mundo proporcionada pela chamada Guerra contra o Terror conduzida pelos EUA, após 20001, propiciou ainda um aumento considerável na venda de armas para os países em todo o mundo. As 100 maiores empresas produtoras de armas do mundo venderam US$ 410 bilhões em armas e serviços militares em 2011. Um estudo do Sipri mostra que a despesa militar no mundo, em 2011, foi de 1,6 trilhão de dólares, um aumento de 40% em 10 anos.
Na terceira e mais duradoura etapa da guerra, o governo norte-americano contratou centenas de empresas para uma gama enorme de atividades sob a rubrica “reconstrução”: infraestrutura do país (sistemas de água, eletricidade, gás e transporte), escolas e hospitais; serviços de segurança aos “novos trabalhadores”, treinamento das forças iraquianas e suporte logístico às operações antiterrorismo; serviços financeiros, e, naturalmente, a sua indústria petrolífera. A maior parte dos recursos foi alocada na contratação de empresas privadas de segurança. Em 2008, os dez principais fornecedores de serviços militares receberam cerca de US$150 bilhões em contratos.
Para perpetuar este ciclo, altamente lucrativo, essas corporações reciclam (ou reinvestem) parte dos bilhões de dólares adquiridos com a guerra em ações de lobby e contratação de antigos oficiais renomados para a sua diretoria, que facilitam o processo de contratação. A Lockheed Martin, empresa que mais possui contratos na área de segurança militar, em todo o mundo, doou mais de um milhão de dólares para deputados e senadores de diferentes partidos em 2009. Sua diretoria é composta por antigos funcionários do governo: o ex-vice-secretário de Defesa, o ex-comandante do Comando Estratégico, ex-vice-secretário de Segurança Doméstica. Vale dizer que seu rendimento anual é de US$ 40 bilhões de dólares, dos quais, ao menos 35 bilhões, são provenientes de contratos com o governo norte-americano. Mas a Lockheed Martin não é exceção: a estrutura se repete à medida que analisamos outras empresas como Northrop Grumman, Boeing, CACI, Parsons Corp A Pasadena.
Onde estão as vozes no Congresso, democrata ou republicano, que falam seriamente em por um fim essa indústria da guerra? O presidente Obama e os democratas não alteraram em nada a política da “guerra sem fim” contra o terror iniciada por Bush. O Congresso abdicou intencionalmente de suas responsabilidades políticas ao delegar, ao poder executivo, a responsabilidade de conduzir a guerra querendo com isso ludibriar a sociedade de que eles não podem fazer nada.
É preciso admitir que o poder real para iniciar ou terminar guerras está nas mãos de uma elite, como bem observou o sociólogo norte-americano Wright Mills há mais de 50 anos. Avaliando o Estado norte-americano, após a 2ª Guerra Mundial, Mills entendia que se é verdade que as decisões da administração militar passaram a afetar diretamente as dimensões política e econômica, também é verdade que as decisões tomadas na área política determinam as atividades econômicas e os programas militares. Na medida em que essa três áreas (economia, politica e militar) se articulam entre si, em termos de poder de decisão, com consequência para toda a sociedade, os lideres das três áreas do poder – senhores da guerra, dirigentes de empresa e direção política – tendem a se unir para formar a elite no poder nos EUA.
Ou seja, a suposta irracionalidade das ações contraproducentes no terreno militar, durante esses 10 anos no Iraque, é mais aparente do que real e não se trata, como querem ver alguns críticos da ação dos EUA, de uma guerra interminável no sentido de carecer de objetivos claramente definidos ou mal executados. A elite no poder sabe muito bem o que se espera desse estado de guerra permanente: a expansão dos negócios, domínio de territórios e influencia política.
*Reginaldo Mattar Nasser é professor de Relações Internacionais da PUC-SP e do Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP)
Fotos: EBC
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Ativista e veterano da Guerra do Iraque diz que quer morrer
ResponderExcluirEnviado por luisnassif, dom, 24/03/2013 - 11:04
Por Webster Franklin
Do Diário do Centro do Mundo
Um veterano da Guerra do Iraque se vinga de Bush
KIKO NOGUEIRA
Nos 10 anos da invasão iraquiana, o ex-soldado e ativista Tomas Young anuncia seu protesto mais contundente: o suicídio.
Tomas Young tinha 22 anos quando se alistou no exército americano. Foi dois dias depois dos ataques às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001. Tomas, que era de Kansas City, não foi o único jovem a tomar essa decisão naquele momento.
O que ele não contava é que, menos de três anos depois de ingressar na corporação, fosse parar no Iraque. No dia 4 de abril de 2004, seu comboio foi atacado por insurgentes na cidade de Sadr. Uma bala de um rifle AK-47 se alojou em sua espinha e outra em seu joelho. Ele nunca mais pôde andar – e, por causa de complicações gradativas, acabou tendo os demais movimentos comprometidos, entre outros problemas. Hoje sobrevive graças aos cuidados de mulher, Claudia Cuellar.
O acidente transformou Young num dos mais contundentes ativistas contra a Guerra do Iraque. Em 2007, sua história foi contada no documentário Body of War, que mostra de maneira crua seu dia-a-dia. (Você pode assistir na íntegra aqui)
Tomas Young está com raiva de George W. Bush e vai se vingar. Como?
Se matando.
Ele anunciou que quer morrer em abril ou maio. Nas próximas semanas, vai parar de tomar medicamentos e abrir mão da alimentação parenteral. Disse que a deterioração de seu corpo o impede de fazer de outro jeito e que não quer que sua mulher participe diretamente desse ato – ministrando uma overdose de pílulas para dormir, por exemplo. Claudia, assim como as pessoas próximas do casal, apoia a decisão. “Quando eu partir, quero estar alerta e consciente”, afirmou para o jornalista Chris Hedges. “Quem quiser pode me ligar para se despedir. É uma maneira mais justa de tratar as pessoas do que deixar uma nota de suicídio”.
Na verdade, ele deixou mais que uma nota: uma carta aberta endereçada a Bush e seu vice Dick Cheney, de um “veterano que está morrendo”. Young os acusa de “crimes de guerra colossais, pilhagem e finalmente assassinato.”
Eis alguns trechos:
Eu escrevo essa carta em nome de maridos e mulheres que perderam seus entes queridos, em nome das crianças que perderam seus pais, em nome de pais e mães que perderam filhos e filhas.
Eu não estaria escrevendo esta carta se tivesse sido ferido em combate no Afeganistão. Eu não teria que ficar na minha cama, o meu corpo cheio de analgésicos, minha vida desaparecendo, e lidar com o fato de que centenas de milhares de seres humanos, incluindo crianças, inclusive eu, foram sacrificados por vocês pela ganância de companhias de petróleo, por sua aliança com os xeques do petróleo na Arábia Saudita, e por suas visões insanas de império.
Eu não entrei no exército para ir para o Iraque, um país que não teve participação nos ataques do 11 de Setembro e não era uma ameaça a seus vizinhos, muito menos aos Estados Unidos. Eu não entrei no exército para para “liberar” iraquianos ou desativar fábricas fantasiosas de armas de destruição em massa ou para implantar o que vocês cinicamente chamaram de “democracia” em Bagdá ou no Oriente Médio.
Nós fomos usados. Nós fomos traídos. Nós fomos abandonados. Você, senhor Bush, se diz um cristão. Mas mentir não é pecado? Matar não é um pecado? Roubo e ambição egoísta não são pecados? Eu não sou um cristão. Mas eu acredito no ideal cristão. Eu acredito que o que você faz para o menor de seus irmãos você faz para si mesmo, para sua própria alma.
Eu não entrei no exército para ir para o Iraque, um país que não teve participação nos ataques do 11 de Setembro e não era uma ameaça a seus vizinhos, muito menos aos Estados Unidos. Eu não entrei no exército para para “liberar” iraquianos ou desativar fábricas fantasiosas de armas de destruição em massa ou para implantar o que vocês cinicamente chamaram de “democracia” em Bagdá ou no Oriente Médio.
ResponderExcluirNós fomos usados. Nós fomos traídos. Nós fomos abandonados. Você, senhor Bush, se diz um cristão. Mas mentir não é pecado? Matar não é um pecado? Roubo e ambição egoísta não são pecados? Eu não sou um cristão. Mas eu acredito no ideal cristão. Eu acredito que o que você faz para o menor de seus irmãos você faz para si mesmo, para sua própria alma.
Meu ajuste de contas está por vir. O de vocês vai chegar. Espero que vocês sejam levados a julgamento. Mas, principalmente, eu espero que vocês encontrem a coragem moral para enfrentar o que fizeram para mim e muitos outros que mereciam viver. Espero que antes que seu tempo na Terra termine, como o meu está agora para terminar, vocês encontrem a força de caráter para estar diante do público americano e do mundo, e em particular do povo iraquiano, e implorar por perdão.