sábado, 4 de outubro de 2014

Contraponto 14.951 - "Uma surpresa final para Marina"



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Paulo Moreira LeiteMais responsável do que ninguém por um eventual segundo turno, Marina corre o risco de ficar de fora -- se ele ocorrer

Uma cena decisiva da campanha de 2014 ocorreu num dos ultimos momentos do debate de ontem, quando Eduardo Jorge e Marina Silva se encontraram num momento pergunta-e-resposta.

Discutindo taxa de juros, politica economica e crescimento, o candidato do PV falou uma verdade trivial. Condenou o rentismo, sistema de enriquecimento dos endinheirados brasileiros, que permite que investidores ganhem dinheiro na ciranda financeira enquanto “passeiam pela Europa.” Falou que a taxa de juros precisa cair para que o trabalhador tenha crédito para consumir e para que o empresário possa pegar empréstimos no banco para investir. Eduardo Jorge disse que os juros deveriam estar “um pouco acima da inflação, como é no mundo todo,” e não nos patamares de hoje —  a taxa Selic se encontra em 10,9%.

Na prática, Eduardo Jorge foi simpaticamente demagógico em sua colocação, e tentou facilitar as coisas para Marina. Deixou de lembrar que, mesmo em seu patamar atual, a taxa de juros é uma das menores da história e se houve um nível mais baixo, ele foi atingido em agosto de 2011 e nos meses seguintes, no próprio governo Dilma. Candidato de um partido que definiu como conservador, reformista e revolucionário, Eduardo levantou a bola, deixando a platéia presente ao debate na espectativa de que Marina ajeitasse para um golaço.

O que se viu foi uma cena surpreendente. A candidata do PSB ficou em silêncio, como se estivesse em dúvida e precisasse pensar muito para maldizer os juros altos.

Quando abriu a boca, foi para usar palavras de economistas conservadores: disse que os juros se tornaram altos no Brasil porque o governo não controla os gastos nem a inflação.

Eu não esperava que Marina reconhecesse que o discurso exagerado sobre o fantasma do “descontrole inflacionário”, muito mais imaginário do que real, foi uma das bandeiras dos aliados do sistema financeiro para pressionar o Banco Central a reajustar os juros a partir de 2013, numa intervenção que ajudou a prejudicar o crescimento no final do governo Dilma. Também não pensava que Marina fosse capaz de denunciar os lucros espetaculares dos bancos brasileiros, em larga medida assegurados pelo patamar dos juros. Mas achava que ela teria coragem de defender o crescimento e o emprego, lembrando que os juros baixos são condição para o investimento produtivo. Para quem não perdeu o costume de lembrar sua origem no “seringal”, e ontem recordou sua passagem pela direção da CUT do Acre, seria uma oportunidade e tanto, vamos combinar.

A resposta evasiva de Marina demonstra que o principal traço de sua atual personalidade política são os compromissos com o mercado financeiro. Tão profundos que a candidata não se permitiu, sequer, uma bravata demagógica nesse  campo — embora tivesse tirado o 13o. do Bolsa Família do colete, num ato tão repetino que era razoável perguntar se só lembrou do Natal no último debate.

Em sua última aparição antes da caminhada às urnas, preferiu mostrar-se confiável aos senhores (e senhoras, como Neca Setubal) que têm nas mãos os fios que pressionam os governos, todos eles, e fazem a economia andar conforme seu gosto. Foi uma cena didática.

Marina é favorável a independência do Banco Central mas não consegue mostrar que é independente diante da herdeira do maior banco privado brasileiro. Deu para entender, né?

Na fase atual da campanha, o desmanche da candidatura Marina Silva provoca analistas e politicólogos. Um dos responsáveis reais pelo desastre já achou outro culpado: “é o marketing selvagem Dilma x Marina, calcado na exploração da credulidade, na mentira calculada e na excitação do medo,” escreve Eduardo Gianetti, o bom-moço do conservadorismo radical que ficou tempo demais na vitrine eleitoral de 2014 para que suas ideias impopulares não pudessem ser reconhecidas pelo eleitorado.

Nenhuma candidatura foi tão protegida pela cobertura generosa dos meios de comunicação, que santificaram a nomeação de Marina Silva como substituta de Eduardo Campos. O tratamento se explica pelo que acontecia antes de sua entrada na campanha.

Para tristeza da maioria dos analistas, quando Eduardo Campos morreu, a eleição avançava para uma disputa com grandes chances de se resolver em primeiro turno — a favor de Dilma. O Ibope de julho marcava 38% para a presidente, contra 36% para a soma dos adversários. O Data Folha trazia números semelhantes e era só imaginar o efeito do horário político sobre eleitores indecisos, boa parte deles intoxicados pela cobertura negativa da mídia adversária do governo, para entender o que poderia ocorrer.

Aécio não saia do mesmo patamar em que se encontra hoje — em torno de 20% — e o concorrente do PSB ficava entre 10%. A novidade foi Marina e bastava conhecer suas intenções de voto para adivinhar o que poderia acontecer. O quase-nanico concorrente do PSB seria substituído por uma candidatura tamanho grande.  Arriscado para Aécio. Mas bom para a estratégia de quem pretendia vencer Dilma de qualquer maneira. Marina entrou na campanha para garantir votos que levariam a um segundo turno.

Por essa razão, jornais e revistas evitaram apurar qualquer fato que pudesse atrapalhar sua escalada. Jamais se interessaram de verdade pelas conexões — legalmente inseparáveis — entre a vice e o titular da chapa, particularmente preocupantes depois que se descobriu que o Cessna caiu num oceano de intermediários e papéis pouco explicados. Um pouco mais tarde, quando um repórter procurou, como fazem absolutamente todos os jornalistas investigativos, informações constantes de um inquérito da Polícia Federal sobre aberto para apurar fatos ocorridos durante a passagem de Marina Silva pelo ministério do Meio Ambiente, a apuração jornalística foi denunciada por outros veículos como uso da máquina e aparelhismo petista. Contrariando a enxurrada de acusações contra Dilma e as habituais proclamações em nome da liberdade de imprensa e contra a censura prévia, aquelas informações, que inegável interesse público, permaneceram em segredo.

Outro caso só seria mencionado no debate, ontem. Antigo membro do Greenpeace, o presidente do Ibama que Marina nomeou e Dilma demitiu foi investigado pela CGU e proibido, desde então, de ocupar cargo público.

As semanas finais da campanha mostraram Marina como uma candidata frágil do ponto de vista político, em episódios que seria ocioso recordar aqui. A cena ontem mostrou uma candidata em busca de uma nova coerência. Capaz de lançar uma proposta-isca para os eleitores, como o 13o no Bolsa Família, ela não se atreve a cometer qualquer gesto — nem um comentário — que possa arranhar seus parceiros do capital financeiro.

Mais responsável do que ninguém por um eventual segundo turno, arrisca-se a ficar de fora — se ele ocorrer.

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Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".


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