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30/04/2015
Lalo Leal: Globo é responsável pela despolitização do brasileiro
Viomundo - publicado em 29 de abril de 2015 às 11:10
Foto Mídia NINJA
“A Globo é a responsável pelo não aprofundamento da democracia no Brasil”
01/04/2015
Por Rafael Tatemoto, no Brasil de Fato
Laurindo Lalo Leal Filho é professor aposentado da Escola de
Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Seu principal objeto
de estudo tem sido a análise de políticas públicas de comunicação, em
especial para a televisão. Publicou, entre outros, os livros “Atrás das
Câmeras: relações entre Estado, Cultura e Televisão” e “A melhor TV do
mundo: o modelo britânico de televisão”. Hoje, apresenta o programa
VerTv, exibido pela TV Brasil e é colunista do site Carta Maior.
Nessa entrevista para o Brasil de Fato, parte da cobertura especial
“Globo 50 anos – O que comemorar?”, Laurindo falou sobre a história da
emissora, os interesses que ela representa e como sua atuação se torna
um obstáculo à ampliação da liberdade de expressão em nosso país.
Brasil de Fato: A Rede Globo está comemorando seu aniversário
de 50 anos. Como ela serve de exemplo e nos ajuda a entender como os
meios de comunicação foram estruturados no Brasil?
Laurindo Lalo Leal Filho: As Organizações Globo ocuparam um espaço
que foi aberto na sociedade brasileira a partir da ideia de que não deve
existir regulação para os meios de comunicação. A TV Globo é herdeira
do jornal e da rádio Globo, que ocuparam, desde o início, sem nenhum
tipo de controle, o espaço eletromagnético, as ondas de rádio e TV. Com
isso, criaram uma estrutura que acabou se tornando praticamente
monopolista. As concorrentes que surgiram acabaram por adotar o seu
modelo, mas nunca conseguiram atingir os mesmos graus e índices de
cobertura.
Ela conseguiu isso graças, primeiro, à total falta de regulação e,
segundo, às relações que ela sempre buscou ter com os membros do poder,
particularmente, aqueles mais conservadores.
A forte presença da Globo no cenário brasileiro é fruto da conjugação
de vários fatores que acabaram determinando essa posição, que lhe deu a
condição de pautar o debate político no Brasil.
Hoje, é a Globo que determina o que as pessoas vão conversar: é sobre
novela, futebol ou escândalo político. São esses três eixos de conteúdo
que ela oferece, de forma quase monopolista, sem que haja qualquer tipo
de alternativa a esse debate.
A Globo se tornou um poder que impede uma maior circulação de ideias e
a ampliação da liberdade de expressão. Hoje, o debate público é
controlado pela Globo.
Como se deu esse processo em que a Globo se torna a maior empresa de comunicação do país?
O início foi o jornal O Globo. Depois veio a construção de canais
para o rádio, entre os anos de 1930 e 1940. Em 1950, quando a televisão
entra no Brasil, demora um pouco para as organizações Globo perceberem a
importância desse novo veículo, mas, quando percebem, passam a fazer
uma articulação, primeiro, para conseguir a concessão para um canal e,
depois, obter benesses para tornar esse canal equipado.
O jornal e a rádio Globo obtiveram, através do seus presidente,
Roberto Marinho, o canal que era pensado originalmente para ser a
primeira emissora pública brasileira, que seria a TV Nacional, no Rio de
Janeiro, durante a década de 50, no governo de Getúlio Vargas. Naquela
época, o monopólio das comunicações estava nas mãos do Assis
Chateaubriand, dono dos Diários Associados. Ele impediu, após a morte do
Vargas, a criação dessa televisão pública.
As Organizações Globo se beneficiaram dessa ação do Chateaubriand
contra o então presidente Juscelino Kubitschek. O Juscelino não criou a
TV Nacional, mas acabou entregando o canal para a Globo. Esse foi o
processo de outorga, que era uma forma de [o Juscelino] conquistar o
apoio desse grupo que era economicamente mais bem organizado do ponto de
vista empresarial que os Diários Associados, que já enfrentava uma
crise. Esse foi o apoio político, mas houve também o apoio econômico.
Esse apoio a Globo foi buscar fora do Brasil, fazendo o famoso acordo
com a [empresa estadunidense] Time-Life, garantindo, na época, 5
milhões de dólares para levantar as Organizações Globo. Esse processo
foi considerado inconstitucional por uma CPI [Comissão Parlamentar de
Inquérito] na Câmara dos Deputados, porque era uma empresa estrangeira
investindo em uma empresa de comunicação brasileira. Entretanto, na
ditadura militar essa decisão não foi levada em conta pelo governo
federal e aí a Globo decolou. Teve, portanto, primeiro o apoio do
Juscelino e depois dos militares.
Nesse processo, os Diários Associados foram à bancarrota, a Globo
ocupou esse vácuo, emergindo como a grande empresa de comunicação do
Brasil.
Você falou das relações com os setores conservadores. Especificamente em relação à ditadura, qual foi o papel da Globo?
O início da história golpista da Globo, ainda com a rádio e o jornal,
pode ser localizada na tentativa de golpe contra o governo Vargas. Ali
se tentou um golpe que foi adiado por dez anos: de 1954, com a morte de
Vargas, para 1964, com a deposição do Jango [como era conhecido o
ex-presidente João Goulart]. Houve uma campanha sistemática contra ele –
como a que fazem hoje contra a presidente Dilma –, dando todo o apoio
ao golpe militar e, depois, fazendo a sustentação política da ditadura,
em troca de favores e vantagens.
Nesse sentido, qual o saldo da atuação da Globo na política brasileira?
A Globo é a responsável pelo não aprofundamento da democracia no
Brasil. Ela faz isso através de dois mecanismos. O primeiro é a questão
cultural, mantendo a população alienada, afastada do processo político
através de uma programação que faz com que as pessoas deixem de prestar
atenção a aquilo que é essencial à vida delas enquanto cidadãs,
distraindo com a superficialidade da programação. A Globo é responsável
pela despolitização do brasileiro.
De outro lado, está a defesa de interesses antipopulares. Nesses 50
anos, do governo Vargas até hoje, [a Globo] esteve comprometida com as
classes dominantes do Brasil, todas as bandeiras populares que
aprofundariam a democratização do país são demonizadas.
Quais bandeiras, por exemplo?
Podemos citar o caso das eleições diretas [processo de mobilização da
sociedade civil conhecido como “Diretas Já”, ocorrido entre os anos de
1983 e 1984]. Naquele momento, por exemplo, era muito interessante
manter as eleições indiretas, sobre as quais ela mantinha um controle
muito maior. As diretas poderiam levar à eleição de um líder popular que
não atenderia aos interesses da Globo.
A rede Globo usou todos os recursos para impedir a eleição do Leonel
Brizola para o governo do Rio de Janeiro em 1982. Ela se colocou ao lado
daqueles que queriam fraudar o pleito. Depois, quando ele ganhou, se
tornou persona non grata na emissora.
Outra ação nefasta da Globo é perseguir políticos com posições não
conservadoras, com posições mais voltadas para os interesses populares,
tratando de maneira negativa. Excluiu Saturnino Braga, ex-prefeito do
Rio de Janeiro. Trata de forma pejorativa líderes populares, como o
[dirigente do MST, João Pedro] Stedile. Ou nem abre espaço para essas
figuras. O próprio [ex-presidente] Lula sempre foi tratado de uma forma
menor, subalterna. Há uma política editorial antipopular que é a marca
dos 50 anos da rede Globo.
Pode-se dizer que é uma linha editorial de manipulação?
Uma política editorial de manipulação contra os interesses populares, sempre a favor das elites.
Do ponto de vista da estrutura da Globo, como ela consegue pautar o debate nacional?
Ela acaba pautando os temas e discussões no país. Ela tem
enraizamento graças a um processo de afiliação por todo o Brasil que
frauda a legislação, que não permite o oligopólio. É um enraizamento de
cima para baixo, vindo do Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, que se
espalha para todo o país. Há uma aliança com as elites locais, que
reproduzem em seus estados a mesma linha político-ideológico da Rede
Globo. Esse controle sobre todo o país faz com que questões importantes,
de interesse do povo, que deveriam estar sendo debatidas, acabam não
tendo espaço.
O Roberto Marinho deixou isso muito claro. Quando ele defendia a “TV
Escola” [televisão pública do Ministério da Educação], o argumento que
ele usava é de que se você tem todo o conteúdo produzido em um local
central, você tem muito mais facilidade de controle sobre esse conteúdo.
Isso ele disse para a “TV Escola”, mas vale para também o conteúdo
jornalístico. Com a centralização da informação, tem-se uma capacidade
muito grande de impor a pauta no país todo.
Há quem diga que, hoje, a imprensa é o grande partido de oposição. Você concorda?
Ela é. Não sou eu quem digo. A própria ex-presidente da Associação
Nacional dos Jornais disse isso há alguns anos. “Como a oposição está
muito frágil, a imprensa tem que assumir seu papel”. Então, nos governos
Lula e Dilma a oposição está centrada nos grandes meios de comunicação
que, inclusive, pautam os partidos de oposição. São inúmeros os casos em
que a mídia levanta um problema e os partidos de oposição vão atrás,
quando, em uma democracia consolidada, seria exatamente o oposto: seriam
os partidos que deveriam levantar as questões antigoverno e a mídia
iria cobrir. Hoje, a mídia é o grande partido de oposição e a Rede Globo
é o principal agente desse partido.
Você falou como a Globo impede o avanço da democracia
brasileira. Toda vez que se fala, por exemplo, em democratização dos
meios de comunicação, a Globo fala em “censura”. Como responder a isso?
Na verdade, eles são os censores. Eles é que fazem a censura de
inúmeros assuntos, temas e angústias da sociedade brasileira, que não
têm espaço na sua programação. Apesar de estarmos há mais de 30 anos sem
censura oficial, eles usam um conceito de fácil assimilação pela
população, e que ainda tem reverberação por aquilo que ocorreu durante o
regime militar, para taxar aqueles que querem justamente o contrário,
aqueles que querem o fim da censura estabelecida por esses meios e a
ampliação da liberdade de expressão. A batalha pela liberdade de
expressão é uma batalha difícil, porque nós temos que contrapor um
conceito de fácil assimilação, um conceito que tem de ser explicado em
seus detalhes, que é o da liberdade de expressão. Quando se quer a
regulação dos meios de comunicação, se quer que mais vozes possam se
expressar na sociedade brasileira.
A Rede Globo quer o monopólio total, o controle absoluto das ideias,
informações e valores que circulam no país e, por isso, utilizam todos
os recursos para que a liberdade de expressão seja uma liberdade
controlada por eles.
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