Por João Paulo Cunha*
De Belo Horizonte
Aécio Neves é um
personagem ambivalente. Sua indignação não convence nunca e soa como
inveja; sua juventude estendida além do limite natural gerou uma máscara
que, quando quer ser irônica, acaba figurando sarcástica – parece que
vai envelhecer sem passar pela fase de maturidade. Sua dedicação às
questões públicas destoa de sua trajetória personalista e é sempre uma
derivação de seu desejo incontido de poder.
Desde que foi batido
nas urnas, tomou como sentido de vida anular as eleições. Construir a
oposição responsável, saldo maior e dever decorrente de sua votação
expressiva, se afigura para ele como uma aceitação da derrota, o que
conflita com sua autoimagem. Há uma necessidade premente de sustentação
egoica que tromba com a realidade. Aécio vem tentando, por todos os
meios, adiar a consagração de uma verdade democrática.
Sua presença na cena
política brasileira vem somando ingredientes de golpismo explícito e
irresponsabilidade difusa, por vezes até além das nossas fronteiras. Com
isso, busca interromper um fluxo democrático que custou o trabalho de
várias gerações. Para efetivar seu desejo de reescrever a história,
vale-se de tudo, de fracos argumentos jurídicos encomendados ao
moralismo típico da vertente antipopular e udenista da política
brasileira, da qual é o representante extemporâneo mais expressivo.
Se a figura pública vem
sendo suficientemente apresentada por suas atitudes, há um traço de
caráter que aproxima Aécio de um personagem de romance do fim do século
XIX. Quando, em 1891, o poeta irlandês Oscar Wilde publicou seu O retrato de Dorian Gray, sem querer, estava antecipando o destino trágico do senador mineiro.
Em linhas gerais, o
livro narra a história de um homem que leva uma vida dupla. Por obra de
um pacto, Dorian tem sua existência voltada para a busca do prazer sem
limites. Mesmo assim, mantém a aparência do corpo e as cintilações da
virtude, enquanto um retrato a óleo, pintado com sua imagem de corpo
inteiro, envelhece e abriga as rugas do tempo e marcas de seus pecados
de alma.
Dorian é ao mesmo tempo
um esteta embriagado pela beleza e um homem capaz de atrocidades,
sempre autoindulgente e feliz em se destacar das pessoas comuns. Ao
final, imagem e realidade se encontram e selam seu destino. As
cicatrizes do retrato colam de vez na pele de Dorian Gray, que é
destruído por suas próprias ações.
Aécio Neves tem muito
de Dorian Gray. O retrato que o protegeu do peso da realidade foi o
fosso criado entre suas ações e a opinião pública. Fez dos meios de
comunicação, cooptados por vários expedientes, o verniz que imantava sua
imagem pública. Equívocos e desvios não grudavam nele. Podia errar em
administração, política, ética e até em bons modos, que saía ileso.
Assim, por força de uma
ação operosa e cara de criação de sua imagem pública, o retrato
midiático de Dorian Neves não exibia manchas de incompetência gerencial,
descumprimento de responsabilidades legais, insensibilidade social,
mitomania, amizades problemáticas, comportamento social extravagante,
nepotismo e nem mesmo de contravenções simples, como dirigir fora das
condições exigidas pelo Código de Trânsito Brasileiro.
Não era o político que
errava, era seu outro, o retrato resguardado do olhar do público. O
drama maior do personagem, contudo, era a crença na verdade da mentira.
Aécio se convenceu de que era o Aécio que criou para uso externo.
Mas, como no caso de
Dorian Gray, a tragédia se instalou. Hoje, pela força de seu personagem,
não resta ao ex-governador nada além de manter o papel de vítima e
vociferar contra a derrota que julga inaceitável. Ele precisa atacar as
eleições e o poder constituído, sem perceber que se aproxima da afronta à
própria democracia. Está colada nele, agora para sempre, uma postura
odiosa, iracunda, incapaz de diálogo.
Ele tem agora sua
última chance: perseverar nas insensatas tentativas de golpe ou se
despedir de vez de sua ambição de ser presidente da República. Daí o
desespero, já que a cada dia suas chances diminuem. Seus
correligionários José Serra e Geraldo Alkmin, como sempre “muito
amigos”, acompanham o desbotar inevitável da falsa imagem enquanto, na
sombra da discrição, aguardam 2018. Aécio Neves não deve chegar com
musculatura política até lá. Ele está ficando cada dia mais
desagradável.
Seu retrato, até então resguardado, foi descerrado em praça pública.
Talvez sobre a ele o
aprendizado conquistado em tantos anos de dedicação ao prazer. É o
quinhão de felicidade que ainda lhe resta. Quando a vida dupla cessa,
fica o solo humano verdadeiro, ainda que pouco fértil. Um personagem de O retrato de Dorian Gray define
bem a Inglaterra vitoriana da novela: “a terra natal da hipocrisia”. O
tempo passou, mas parece que não estamos muito longe dessa paisagem
moral.
* João Paulo Cunha é jornalista.
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PITACO DO ContrapontoPIG
O que vemos hoje é um retrato bem empóeirado do neto de Tancredo.
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