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24/07/2015
Wanderley: tem que haver
o processo do processo
Por causa da delação, as organizações mafiosas administram sistema paralelo de justiça: falou, morre!
Conversa Afiada - 24/07/2015
O Conversa Afiada reproduz impecável suelto do professor Wanderley Guilherme dos Santos:
A delação premiada é a versão policial do suborno
Sem a delação premiada a Lava Jato não chegaria a lugar algum. O estratagema ajusta a reais procedimentos policiais as regras do jogo conhecido como “dilema do prisioneiro”. Dois ou mais suspeitos são mantidos reclusos e separados, decidindo, cada um por si, guardar silêncio, obtendo penas modestas por ausência de confissões. Se só um deles, contudo, abrir a boca, receberá leve condenação, arcando os demais com prisão mais extensa do que se todos, como na primeira hipótese, resistissem ao suborno da redução da pena em troca da delação. Isolados e pressionados, a escolha individual que evita o provável destino de ser o único bode expiatório é ceder ao suborno da delação. Depois da primeira, a sucessão de delações é obviamente inevitável, com as compensações prometidas, mas ainda assim com penas superiores às aplicadas na hipótese do silêncio geral. Eis porque as organizações mafiosas administram sistema paralelo de justiça, infligindo penas mortais ao delator e sua família, compensando ao modo mafioso o sofrimento do leal e firme companheiro que se manteve calado.
O jogo é sujo, acrescenta aos condenados a cicatriz envergonhada de uma vontade tíbia e o estigmatiza sem expectativa de redenção social. Mas é consistente com a ética consequencialista do capitalismo, desde que jogado de forma impecável. Por exemplo, não cabe nas regras o carcereiro arbitrar quais delações serão aceitas, ainda que todas igualmente comprovadas, como parece vem acontecendo na Lava Jato. Também viola as regras do jogo aceitar delações sabidamente falsas ou controversas por permitirem enredar terceiros que, de outro modo, estariam protegidos pela legislação contra invasões e prisões preventivas. As mesmas prisões preventivas que instalam o dilema do prisioneiro para os suspeitos, expondo-os ao suborno da delação premiada.
Não me solidarizo com formadores de cartel, com ladrões de recursos públicos e dissipadores do prestígio das empresas privadas e estatais brasileiras. Mas há muito além disso no espetaculoso folhetim em que os responsáveis pela investigação transformaram o processo. Parece-me indispensável que as cortes, em alguma instância, promovam um processo do processo e que a Lava Jato e seus confederados comprovem, com ou sem delação premiada, que a justiça positiva não foi comprometida em nome da discutível ética consequencialista de especial querência de alguns.
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