segunda-feira, 30 de abril de 2018

Nº 24.005 - "A volta do juiz natural"

.

30/04/2018


A volta do juiz natural


Do Jornal O Povo - 29/04/2018


por Vademar Menezes

Valdemar MenezesA semana terminou conflagrada por um impasse entre a Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal (STF), quando o juiz de primeira instância Sérgio Moro recusou transferir para a jurisdição de São Paulo os processos referentes ao sítio de Atibaia e ao Instituto Lula por não terem ligação com a Petrobras, segundo determinou a 2ª turma do STF. A decisão está baseada no princípio constitucional do “juiz natural” e dos artigos 54 a 58 do Código de Processo Civil, segundo o qual um réu deve ser julgado pelo juiz da circunscrição em que o delito eventualmente tenha ocorrido. E, em ambos os casos (Atibaia e Instituto Lula), se encontram localizados em São Paulo e não no Paraná. É o que explica Sérgio Sérvulo da Cunha, professor de Direito, autor de várias obras jurídicas, ex-procurador do Estado de São Paulo e ex-chefe de gabinete do Ministério da Justiça:  http://bit.do/eeFSs

INSUBORDINAÇÃO?

O inimaginável, num Estado Democrático de Direito, é que um juiz de uma instância inferior se recuse a acatar uma determinação da instância superior. Mas, é o que aconteceu. Sérgio Moro disse que nada muda. O que o levou à aparente insubordinação? Provavelmente, o fato de que a própria condenação do tríplex do Guarujá poderá ser anulada, pois o apartamento também está localizado no Estado de São Paulo e o processo teria de ser aberto lá e transcorrer sob a autoridade do juiz competente, porque não existe comprovação da ligação do caso com as supostas propinas da Petrobras.

NOS TRILHOS

Ou seja, a Lava Jato assumiu a condição de juízo de exceção – aquele processo realizado fora dos parâmetros legais determinados pela Constituição. No entanto, o STF pode estar começando a repor no lugar a ordem constitucional ferida. Se isso acontecer, o estado de exceção, denunciado por vários segmentos do mundo jurídico nacional e por especialistas estrangeiros, poderia ser abortado e o Brasil voltar à integridade do Estado Democrático de Direito. Atos de exceção ocorrem, na democracia, pelo esvaziamento paulatino do conteúdo dos direitos e garantias fundamentais. Isso está ocorrendo no mundo inteiro, desde que o capital financeiro assumiu o comando do capitalismo e levou o mundo a um modelo de concentração de renda absurdo, impedindo o Estado de cumprir suas obrigações fundamentais para com os cidadãos, visto que a maior parte de sua arrecadação é para pagar os juros da dívida pública, favorecendo banqueiros e rentistas.

CONCENTRAÇÃO


Por isso, estão acabando com o Estado de Bem-Estar Social, em todo o mundo, pois o dinheiro que sobra da concentração não dá para financiar os direitos sociais. Assim, procuram derrubar governos e perseguir líderes e partidos que se oponham a esse projeto de concentração da riqueza nas mãos de pouco. Para isso não precisam dos militares, pois ficaria muito ostensivo. Usam segmentos do poder Judiciário - que não precisa ser eleito - para dar uma interpretação da lei que esvazie o conteúdo dos direitos e garantias fundamentais.

No caso do Brasil, o atual modelo é para beneficiar apenas 30% da população. Para isso era preciso tirar o PT do poder e, se possível, do cenário político, pois ele é o maior partido de massas do Brasil a se opor a esse modelo e com capacidade eleitoral para disputar uma eleição presidencial contra esse projeto. A articulação para marginalizá-lo começou com o julgamento do Mensalão e a truculência do relator Joaquim Barbosa, através de um processo judicial eivado de exceção, segundo denúncias de juristas nacionais e estrangeiros, seja através da aplicação distorcida da Teoria do Domínio do Fato, seja pelo atropelo do Direito Processual Penal.

DISCRICIONARISMO


A partir daí, abriram-se as comportas do discricionarismo e todo tipo de abusos por parte de agentes judiciais – juízes, procuradores e delegados policiais – conforme essas mesmas vozes. Com o Mensalão e, sobretudo, após o golpe parlamentar-jurídico de 2016, o Brasil vive um estado jurídico disforme, onde sobrevivem apenas alguns nacos da ordem jurídica democrática inaugurada pela Constituição de 1988. Só não vê, quem não quer enxergar. Temos de nos apegar a estes restos de legalidade até que a mobilização da sociedade tenha força suficiente para restabelecer a plenitude democrática. 

.

Nenhum comentário :

Postar um comentário

Veja aqui o que não aparece no PIG - Partido da Imprensa Golpista