sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Nº 24.695 - "O Judiciário que não queremos"

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03/08/2018

O Judiciário que não queremos


Ao contrário dos demais Poderes, o Judiciário resiste ao controle externo. O CNJ deixa de cumprir esse papel ao se transformar em grêmio corporativo


Da Carta Capital — publicado 02/08/2018 10h01, última modificação 02/08/2018 10h06


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Quanto mais avança sobre os demais poderes, mais o Judiciário aprofunda a crise geral

por Roberto Amaral

Neste vasto mundo chamado ‘civilização ocidental’, os conceitos de democracia e democracia representativa aparecem imbricados, quando se colocam, como questões cruciais, a  legitimidade do poder e da representação, ambas decorrentes da soberania popular (única fonte de poder democrático), que se expressa mediante o voto em eleições periódicas e universais. 

Isso está muito bem definido no parágrafo único do art. 1º da nossa lei maior: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Dentre três poderes constantes da formulação montesquiniana - Executivo, Legislativo e Judiciário -, um se aparta dos demais, exatamente por carecer do sopro legitimador da representação. Trata-se do Poder Judiciário, um corpo de funcionários públicos encarregados de administrar a Justiça.

Sua legitimidade poder-se-á dizer que é derivada dos poderes Executivo e Legislativo, o que fica bem caracterizado no processo de nomeação dos ministros do STF, indicados pelo chefe do poder Executivo com a aprovação do Senado Federal. O ingresso na carreira, à margem da soberania popular,  faz-se mediante concurso público, e, ao invés do crivo eleitoral periódico, o juiz goza da vitaliciedade no cargo.

Ao contrário dos demais Poderes – fiscalizados por inumeráveis organismos (como Tribunal de Contas, Ministério Público, Receita Federal, Polícia Federal etc.), o Poder Judiciário resiste ao controle externo, e o Conselho Nacional de Justiça deixa de cumprir qualquer papel fiscalizador na medida em que se transforma em grêmio corporativo.

É, no entanto, esse Poder – assim limitado em sua legitimidade – que, invadindo as competências dos demais, caminha para além de seu papel limitadamente judicante, para imitir-se em funções típicas de legislador, aproveitando-se da inépcia e da inaptidão do Congresso Nacional que aí está.  Arvora-se mesmo  ao exercício de um monárquico Poder Moderador, tentando exercer algo como uma supervisão sobre os demais poderes e mesmo a sociedade, pois tudo pode, apresentando-se como epicentro da política e da vida nacional.

Quanto mais avança sobre os demais poderes – ambos em crise de legitimidade –, o Judiciário aprofunda  a crise geral e se faz agente do fosso cavado entre as instituições e a sociedade, ele mesmo se colocando na berlinda.  

Descasado da legitimidade da soberania do voto – a que se submetem periodicamente os parlamentares – o Judiciário expande suas competências e se intromete na administração pública;  além de legislar e desprezar princípios e ditados constitucionais, como o princípio  da boa fé e a presunção da inocência.  

É escandaloso seu desprezo pela regra contida no inciso LVII do art. 5º da Constituição, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.  

Atuando de forma concertada, juízes, ministros (de especial os ministros Carmen Lúcia, Luiz Fux e Facin) e Ministério Público intentam mesmo substituir o eleitor, organizando um processo eleitoral do qual afasta, por meio de manobras que atropelam a lei, a vontade manifesta de algo como 40% do eleitorado brasileiro, já emprestando ao pleito a tisna da ilegitimidade, e ao eventual novo presidente a pena da ingovernabilidade, impondo ao país o agravamento da crise política em que nos debatemos desde 2015, com seu interminável rol de consequências, como a crise econômica que se aprofunda, anunciando a crise social que pode nos levar a um impasse institucional.  

O golpe parlamentar de 2016 dependeu de uma chicana do ministro Gilmar Mendes, sempre ele, impedindo a posse do ex-presidente Lula na Chefia da Casa Civil da presidente Dilma, para o que também concorreu o crime ainda impune do juiz Sérgio Moro, revelando de forma ilegal o teor de diálogo da presidente com o ex-presidente, tomado também ao arrepio da lei. 

A denegação do habeas corpus impetrado pelo ex-presidente dependeu de uma chicana da ministra–presidente Cármen Lúcia, manipulando a pauta ao antecipar o julgamento de um caso particular sobre a norma geral, e do voto tragicômico da insegura ministra Rosa Weber, sem levar em conta que seu voto contra seu entendimento transformava uma minoria em maioria, o que, no caso, equivalia a negar a liberdade do cidadão que batia às portas do Tribunal.

O ministro Luiz Fux, presidente do TSE, falando pelos cotovelos o que lhe  parece ser do aguardo da imprensa, anuncia o veto não só dele como do Tribunal a eventual pedido de registro da candidatura Lula, e, assim, o possível registro dessa candidatura é negado antes do julgamento.

Alguém chamaria isso de Justiça? 

O ministro alega, para o veto que deseja ver proclamado independentemente de provocação,   a regra da chamada lei da ficha limpa que veda a candidatura do condenado em segunda instância, oportunamente se esquecendo de que o dispositivo tem sua constitucionalidade posta em questão, e sobre esse questionamento terá de pronunciar-se o STF.

Assim se comporta um Poder Judiciário partidarizado e, portanto, parcial.

Impondo ao país extremo retrocesso, o Poder Judiciário comanda  uma política criminalista punitivista, com a qual os senhores e senhoras togados e togadas supõem dialogar com uma opinião pública açulada pelo monopólio ideológico dos meios de comunicação de massa. Juízes assumem os inaceitáveis papéis de promotor e de policiais, contaminando de autoritarismo toda a estrutura policial-judicial, que sempre resistiu à democratização.

O juiz não julga com isenção, e se transforma em auxiliar do Ministério Público, e assume os papeis de assistente de acusação e investigador. Depois da japona, que a pouco e pouco intenta retornar à luz do dia, emerge a ditadura da toga, protegida pelo formalismo legal.

Assim, e inevitavelmente, o Poder Judiciário – dos juízes de piso ao Supremo – vem  construindo uma ordem ideológica à qual o país adere, e pela qual são legitimados os processos de punição e privação da liberdade. A doutrina é formulada pela histeria dos programas policiais do rádio e da TV.

Já foi dito que o STF transformou-se, em seus julgamentos, numa caixinha de surpresas, pois o pleno não julga e por não julgar não fixa jurisprudência, e a aplicação da lei tem a mesma segurança de uma roleta de cassino, pois cada um dos 11 ministros é um tribunal, decidindo monocraticamente em cima de pedidos  de liminar, cujo mérito jamais é julgado. O STF tem liminares sem julgamento há oito anos! Setenta e cinco das 100 liminares concedidas por ministros do STF aguardam julgamento no plenário.

O STF brasileiro jamais foi algo que honrasse a construção democrática. Sempre esteve a serviço do poder econômico e dos poderosos, conviveu com o Estado Novo e confraternizou com a ditadura militar (1964-1985). Vem impedindo a revisão da Anistia e sempre foi um baluarte contra a reforma agrária. Jamais foi imparcial e seus quadros são, em regra, escolhidos dentre os rebentos da classe dominante – e nenhum juiz está infenso aos condicionamentos ideológicos e de classe que conduzem seus atos.

Mas é preciso dizer que sua composição jamais foi tão rebaixada quanto o é em nossos dias (ressalvadas raras e honrosas exceções) quando, na escolha dos ministros, os presidentes da República deixaram de homenagear biografias para privilegiar anônimos em busca de construção biográfica.

Os juízes ora são bons por que prendem, ora são comprometidos porque soltam, e prendem e soltam não função dos autos, ou mesmo de aplicações doutrinárias, mas preocupados, em sua maioria, com as reações da opinião pública, enquanto outros julgam em função de seus interesses, de seus compromissos com a vida partidária, ou, mesmo, em função de interesses empresariais demasiadamente opacos.

Um homem de bem – Na sua aparente fragilidade física, Hélio Bicudo simbolizava a coragem e o desassombro que só os grandes homens, forjados na força moral, podem ostentar. Nos anos mais cruentos da ditadura, sobressaiu-se, ao lado de D. Evaristo Arns e mais alguns poucos, como defensor dos direitos humanos, enfrentando, como procurador de Justiça de São Paulo, a repressão policial-militar e o "Esquadrão da Morte”.


Sua existência e sua luta eram, para muitos de nós, uma sinal de esperança: enquanto lutasse enfrentando inimigos poderosos e reais, maiores eram nossas expectativas de sobrevivência. Esse espírito – de um Quixote bem sucedido, que tem em Sobral Pinto sua melhor referência – Hélio Bicudo levou para a vida pública e a carreira política que honrou como poucos por longo tempo.

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