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08/02/2010
Carta Maior - Segunda-Feira, 08 de Fevereiro de 2010
Isso é FHC. A exigência egóica de ser admirado o torna, paradoxalmente, um líder sem liderados. Para quem acredita que fez um grande favor ao mundo nascendo, sua irritabilidade é permanente e justificada.
Gilson Caroni Filho*
Em seu texto “Luto e Melancolia", Freud diz que manifestações melancólicas assumem várias formas clínicas, se caracterizando, entre outros sintomas, "por uma depressão profundamente dolorosa, uma suspensão do interesse pelo mundo externo, diminuição do sentimento de auto-estima e inibição de todas as atividades." A identificação com o objeto perdido é inevitável e, na medida em que não consegue incorporação simbólica, o que sobra ao sujeito é a identificação com o vazio de um pai ausente.
Se a psicanálise sofre hoje contestações de diferentes ordens, as palavras do seu criador sobre o comportamento melancólico se encaixam como uma luva para o amontoado de sandices que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreveu e disse no último domingo, 7/02, tentando deter e repudiar a impopularidade que o persegue desde o segundo mandato.
Há alguns anos, Carlos Heitor Cony, em artigo na Folha de São Paulo, não poupou palavras para melhor definir o “príncipe dos sociólogos: "Diziam seus admiradores que FHC era uma cabeça, um intelectual, um produtor de coisas inteligentes. Sua exposição no cargo mais alto do país rebaixou-o à dimensão de um demagogo banal, incapaz de articular um argumento alem do insulto aos que não acreditam nele e o acusam inclusive de improbidade."
Isso é FHC. A exigência egóica de ser admirado o torna, paradoxalmente, um líder sem liderados. Um prócer a ser evitado em anos eleitorais. Para quem acredita que fez um grande favor ao mundo nascendo, sua irritabilidade é permanente e justificada. Afinal, deve ser duro para quem esteve no poder durante oito anos, constatar que o resto do mundo político não reconhece sua importância. Pior, o que ganha realce são os erros grosseiros de um dirigente que governou de acordo com os humores do capital financeiro.
Seu governo passou para a história como um modelo que acentuava a exclusão social e penalizava as classes de menor renda. A estratégia de estabilização de preços baseada na captação de capital externo de curto prazo, através da sobrevalorização da moeda e da manutenção de elevadas taxas de juros, levou o país a níveis de desemprego sem precedentes, à desarticulação da estrutura produtiva e à deterioração do tecido social no campo e na cidade.
O mau desempenho do comércio brasileiro na época foi minuciosamente construído pela equipe de FHC que, realizando uma abertura irresponsável da economia, pôs em prática políticas monetárias e cambiais que minaram em grande parte nossa capacidade de competição internacional.
Mostrando a miopia fiscalista que o orienta até hoje, Cardoso escreveu em seu artigo (“Sem medo do passado”), publicado no Globo: "Esqueceu-se [Lula] dos ganhos que a privatização do sistema Telebrás trouxe para o povo brasileiro, com a democratização do acesso à internet e aos celulares, do fato de que a Vale privatizada paga mais impostos ao governo do que este jamais recebeu em dividendos quando a empresa era estatal."
A entrega do patrimônio público ainda é apresentada como fórmula eficaz de fazer caixa. O que FHC faz questão de esquecer faz parte de sua história: grande parte do programa de privatização brasileiro foi financiada pelo BNDES. No cassino tucano, muitas empresas privatizadas não queriam fazer investimento aqui e se aproveitavam de polpudos créditos que também beneficiavam transnacionais já instaladas no país. O argumento utilizado era o de que a vinda desses setores permitiria agregar elementos de financiamento ao desenvolvimento nacional.
Quando se lê um artigo assim, descontextualizado, mal costurado em seus argumentos, é que nos damos contas da importância de olhar pelo retrovisor. É ele que sinaliza as perspectivas do futuro. Nesse ponto, o texto de Cardoso é didático, quase leitura obrigatória.
FHC sabe que a grande mídia corporativa exercerá o prestimoso papel de guiar suas mãos na hora de legitimar a irrelevância dos seus escritos. Somente os exércitos de colunistas destacados pelas famílias que controlam os meios de comunicação garantem sua vida política vegetativa.
Quando compara a ministra Dilma Rousseff a um boneco manipulado pelo presidente Lula não faz qualquer ponderação política, apenas evidencia que sua cabeça está longe de ser privilegiada. É uma mente que destila bile (que está na raiz da palavra melancolia) para desqualificar seus adversários. É o menestrel da política pequena buscando a facilidade da ribalta midiática.
Antes de dizer que “o PT “tenta desconstruir o seu mandato”, o ”príncipe” deveria dedicar mais tempo à leitura do que andaram falando sobre seu governo as principais lideranças do seu partido, em especial o governador de São Paulo. Uma boa sugestão seria o livro “Conversas com Economistas Brasileiros II", que a Editora 34 lançou em 1999. Lá ele encontraria o seguinte trecho:
“A política cambial do primeiro governo Fernando Henrique Cardoso foi um desastre gratuito e total. Foi resultado de pouca reflexão analítica de seus condutores. Suas conseqüências foram devastadoras em muitas áreas da economia, inclusive comprometendo as metas fixadas no processo de privatização."
Essa crítica, das mais contundentes feitas por um economista que participou dos dois mandatos do governo FHC, é de José Serra em entrevista a dois professores da FGV, Guido Mantega e José Márcio Rego. E agora, quem é o boneco de quem? Nem mesmo um governador que submergiu com as enchentes em São Paulo, levando com ele a suposta capacidade gerencial do tucanato, pôde endossar a política arrasada do ex-presidente. O que esperar da oposição? A compaixão que deve ser concedida aos incapazes?
As palavras do ex-presidente devem ser vistas como movimentos de descompressão da realidade. Quando, a partir da melancolia e solidão de sua maturidade, um ator político faz a volta à infância, o ridículo se apodera do cenário. Fernando Henrique precisa de amigos.
*Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
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