03/11/2011
Lula, o marqueteiro do câncer
Urariano Mota*

O Jornal Nacional se vê obrigado a noticiar a doença, sério, grave (é do estilo), ainda que em doses homeopáticas, louco de raiva, possesso, por não fazer do caso uma grande telenovela jornalística. Lembram-se da magnífica obra-prima do horror no acidente da TAM? Os capítulos tinham nomes: “O maior desastre da aviação brasileira ... Duas tragédias em dez meses... Tristeza e indignação na madrugada em São Paulo... A aflição das famílias das vítimas em Porto Alegre... O medo de quem mora próximo a Congonhas”. Mas desta vez, não abusem por favor, creiam na criação, se o Jornal Nacional está sem os próximos capítulos, pelo menos possui o título geral: “Lula, o pau de arara que nasceu para o câncer”. Imaginem como isso prepararia bem o lindo obituário, já pronto: “Lula, enfim, descansa em paz!” Desgraçado, que nós também.
Como isso é possível? Como é que Lula, fora da presidência, quando, e guardo a esperança de que os verbos dos seus adversários, inimigos, estejam nesta gradação: quando o queriam e desejavam e apostavam que ele estivesse desaparecido, se possível morto, pois para Deus nada é impossível, como pode o ameno barbudo voltar com tal onipresença, da terra à lua? Eis que na pesquisa na web, entre os comentários mais entusiasmados e criadores, descobri a razão. Escolho para vocês estas pérolas, das quais limpo o português mais sujo:
“Nada de novo, pessoal. Trabalho com marketing há mil anos e sei o que houve. O que fazer quando a sua imagem está a ponto de detonar (quase dez ministros detonados), com o processo do mensalão em andamento, inflação crescente, o diabo, o que é que se faz? Cria-se um fato novo! O povo precisa ter pena do cara, não é mesmo? Que câncer, que nada! Isso é pura armação de um bandido mentiroso e que não tem saída. Só um câncer arranjado. Matei? O cara é muito malandro, ele não está nada com câncer, é pura jogada dos marqueteiros da petralha. Matei?”
Ao que outro mais culto, com as luzes e o método arguto do que o bravo imagina ser a ciência política, desvendou melhor as patas do caranguejo:
“A divulgação manipulada do estado de saúde prevalece igual ao do líder venezuelano Hugo Chávez. O conhecimento público do seu câncer o favorece na reeleição do ano que vem, entendem? É mais um mistério que ainda envolve a gravidade da doença, talvez porque sua veiculação dispararia a sucessão de um líder egocêntrico demais para deixar herdeiros. Mataram a charada?”
E finalmente, esta pepita de ouro que ilustra o sucesso internacional do câncer de Lula no mundo e na história:
“Devagar, pessoal, o ‘universo’ está dando uma boa mão para nós terráqueos e limpando a terra dos esquerdistas. Senão, vejamos: o Kadaffi já morreu, o Fidel Castro está agonizando, o Hugo Chaves está agonizando, o Kim Jong-il da Coreia do Norte está agonizando, agora o Lula está com o câncer. Viva o câncer!”.
A essas linhas bárbaras, que festejavam a morte geral na esquerda, reagiu rápido uma leitora espirituosa, como se fosse a voz da consciência entre caranguejos, animais e fúria:
“Tudo agonizando, não é? E o Capitalismo também.... Ahahahahaha”
Em resumo, amigos: nunca se viu, em toda história, um marqueteiro do câncer como Lula. Sucesso universal e absoluto.
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Lula e o SUS
A repercussão do câncer de Lula na internet remete ao clima de baixarias que inundaram as redes sociais nas eleições 2010. Não à toa. Lula é peça-chave no jogo político, e a boçalidade destampada no período eleitoral continua a ser alimentada à farta.
O ex-presidente fez bem ao tornar logo público o tumor na laringe. Agiu com a transparência que se espera de quem deixou o Planalto com índice de a...provação de 87%. Não se trata apenas de um drama pessoal. Embaralha qualquer cenário que se vislumbre para as eleições municipais de 2012 e, obviamente, para a sucessão presidencial de 2014.
É nesse contexto que desponta nas redes sociais a campanha “Lula, faça o tratamento pelo SUS”. Ela renova o ódio reacionário que marcou a disputa eleitoral do ano passado, em que o auge foi a exortação do afogamento de nordestinos em São Paulo.
Lula poderia ir a um hospital público, como o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, mas preferiu o Sírio-Libanês, onde seus médicos trabalham – também ali se trataram de câncer o então vice-presidente José Alencar e a então chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Aliás, é desejável que ele não ocupe vaga de quem depende da rede pública de saúde.
Por que a campanha para Lula se tratar pelo SUS? Só ressentimento e ignorância explicam tamanha estupidez. Algum mimimi se no lugar do petista estivesse um tucano de densa plumagem? E se Lula fosse ao Instituto do Câncer não receberia tratamento de ótima qualidade, como todos que lá estão? O mais curioso é ver que o sujeito que quer Lula num leito público também comemorou o fim da CPMF, cuja extinção beneficiou uma parcela de brasileiros que, da classe média para cima, deixaram de entregar 0,1% sobre o valor de cada movimentação financeira para a saúde pública.
O ódio dessa minoria contra Lula escandaliza agora alguns de seus críticos sensatos na imprensa. Mas não se trata de cobrar comportamento decente de leitores, quando parte da mídia é responsável por fomentar essa raiva e dela se beneficia. Basta recordar como foi a cobertura do título honoris causa concedido a Lula pela Sciences Po.
Choca que a galera vomite nas redes tanta escrotidão com a mesma — ou até mais — desinibição que em círculos íntimos. A parada, porém, é mais profunda. Não é uma questão de compostura, mas classe. Melhor, classes. Num clima que transborda o ódio de quem sente as referências de exclusividade social se esvair, ainda que muito, mas muito lentamente.
Contribuição da leitora Patty Pssos, de Salvador, Bahia. Email: patyspassosm@gmail.com
*Urariano Mota - Recife. É pernambucano, jornalista e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o auxílio de Anselmo.
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